Guy de Maupassant, o célebre contista, que viveu todas as angústias e prazeres do século XIX, costumava dizer ao amigo e mestre, também escritor e não menos célebre, Gustave Flaubert: "a literatura não vale uma vida, mas uma vida vale à literatura". Flaubert, que dedicou obsessivamente a maior parte dos seus dias à escrita, exigia de seu discípulo entrega completa, disciplina e exatidão. Qualidades que Maupassant perseguia ao mesmo tempo em que também se deixava abstrair nos salões e nas aventuras amorosas.
A exigência de Flaubert era tanta que o proibia de publicar qualquer texto que não estivesse perto da perfeição. Ou da exatidão, o jovem escritor assim compreendia. Na arte não se busca aquilo que é perfeito, já havia entendido, mas aquilo que é exato. Aquilo que só daquele modo se pode expressar. "Só existe um modo de exprimir uma coisa, uma só palavra para dizê-la, um só adjetivo para qualificá-la e um só verbo para animá-la", o mestre Flaubert ensinara.
Com a lição aprendida, Maupassant buscou até o fim a simplicidade objetiva em seus contos. A palavra exata, o essencial em cada ação, o principal de cada fato. Não era, entretanto, um escritor de superficialidades, restringindo-se apenas à descrição de acontecimentos, como a má vontade e a obtusidade de alguns críticos gostavam de afirmar.
"A meta do escritor não é contar uma história", Maupassant disse uma vez, "nem comover ou divertir, mas nos levar a entender o sentido oculto e profundo dos fatos". Para ele, o escritor enxerga o universo, os objetos, os fatos e os seres humanos de uma maneira pessoal que é o resultado de suas observações e reflexões. E comunica essa visão pessoal do mundo reproduzida em ficção. "Cada conto é uma criação específica, jamais genérica. É como se cada palavra do conto que escrevemos nunca tivesse sido usada antes. Faz parte de sua ilusão e de sua beleza."
Com sua prosa rápida e afiada, Maupassant criou memoráveis descrições da aristocracia, da burguesia e do proletariado parisiense, assim como dos camponeses da Normandia, a sua terra natal, e da experiência de soldados nas frentes de batalha, procurando sempre seguir à risca um dos principais conselhos do mestre Flaubert, em relação à visão pessoal do escritor.
"Devemos examinar com a demora suficiente e bastante atenção o que quisermos descrever, a fim de descobrir algum aspecto que ninguém tenha ainda visto ou de que ninguém tenha ainda falado." Esse aspecto, para Flaubert, era a alma da história, o que diferencia e alimenta a personalidade do escritor.
"Em todas as coisas existe algo de inexplorado. Estamos habituados a utilizar-nos de nossos olhos apenas com a recordação daquilo que já foi antes pensado a respeito do objeto de nossas contemplações. Todas as coisas, por insignificantes que sejam, contêm um pouco de desconhecido. É isto o que devemos procurar. Para descobrir um fogo em chamas e uma árvore em uma planície, permaneçamos ante este fogo e esta árvore até que já não se pareçam, para nós, com nenhuma outra árvore e com nenhum outro fogo."
Flaubert utilizava esse ensinamento como um método, procurando sempre descrever de forma concisa os personagens, os objetos e as situações de um modo que os singularizava por completo, diferenciando-os de todos os outros personagens, objetos e situações. "Quando você passar junto de um merceeiro sentado à frente de seu armazém, ou de algum porteiro fumando seu cachimbo, ou de um cavalo de cabriolé num ponto de estacionamento, mostre-me aquele merceeiro e aquele porteiro na posição em que estavam, com seu aspecto físico, salientando também, por meio da fidelidade de seu retrato, toda a natureza moral dos mesmos, de modo que eu nunca os possa confundir com outros merceeiros ou porteiros. E faça-me ver com uma simples palavra, com uma frase, que o cavalo do cabriolé não se parece com os outros cinqüenta que se seguiam e que o antecediam."
A singularidade expressa por meio da concisão e da simplicidade se tornou a busca literária de Maupassant. Em mais de 300 contos, exercitou o manejo das palavras sob o olhar e os conselhos do mestre Flaubert, a quem admirava profundamente, pela profunda dedicação à literatura. "Flaubert me ensinou, através de seus conselhos e também de seus livros, que mais vale ao autor a singularidade do que o estilo."
A explicação é, ainda hoje, inquietante, já que a maioria dos escritores transpira e aspira toda a vida para encontrar o seu estilo. "Flaubert não tem um estilo definido, mas vários, que seguem o fluxo das palavras e das frases moldadas pelos seus personagens."
Maupassant compreendeu: o escritor não deve se impor ao texto, como se fosse um patrão a ordenar seus empregados. A linguagem deveria então surgir do universo descrito, de sua respiração, suas nuances e experiências, e não do autor e de suas ambições literárias e pessoais. "É um trabalho de abnegação", disse Maupassant, "de sensibilidade, e, principalmente, de escuta".
Maupassant considerava a relação de Flaubert com a escrita a lição mais importante de todas para um escritor. Antes de tomar decisões sobre isso e aquilo em seu livro, colocar-se numa posição receptiva. E escutar o tema, os personagens ―
seus pensamentos e desejos, e todo o universo a ser criado, como se fosse música.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no jornal literário Rascunho.
Comentando, eu diria que um texto sobre as famosas "regras", as "cinco principais" ou até o infinito, "dez, quinze..." e assim por diante, eu escrevo, na medida linear que é, primeiro, que os digníssimos personagens façam o seguinte. Se apresentam, sentam-se, peçam café, chá, uisque, talvez refrigerante, e, convidando outros que passavam por ali, naquele momento, façam as confusões necessárias para que o escritor, embevecido, escreva as suas artimanhas e de outros, mais espertos que ele, querendo lhe tirar a titularidade de personagem principal. Afinal, chegou primeiro, até prova em contrário, afirmado pelo autor corajoso. Começou o drama. Fiquem longe. Tem alguns, malucos, que atiram e matam. Outros, só querem a mulher do vizinho... bem, vocês imaginem. Ou consigam outros personagens. Existem milhões, talvez bilhões deles, só no planeta Terra. Salve escritores, vida longa. E sejam espertos nesse mister, para sobreviver. Abraços!