Ele, editor, 46 anos, atravessa o Aterro do Flamengo dirigindo seu automóvel popular, escutando Buena Vista Social Club, imaginando o quanto seria diferente se não tivesse seguido sua paixão: abrir uma editora. Teria sido melhor ter continuado como funcionário, alto executivo? Aproveitado o FGTS para comprar um apartamento? Ter investido para ter sua aposentadoria sem riscos?
O risco está na profissão do editor como a palavra está na do escritor
A editora, aberta há seis anos, pequena, independente, nunca atrasou nenhuma conta, imposto, salário. Sempre em dia com tudo, terceirizou serviços, como logística de estoque, entregas, e-commerce, produção editorial, comprou sistema de gestão e sempre prezou em agir como grande. Emprega cinco funcionários e, mesmo assim, o editor, dono, bate ponto por quase doze horas diárias trabalhando para ver o negócio ir adiante.
Entre seus títulos, há grandes sucessos de mercado, alguns infantojuvenis adotados pelo FNDE/MEC, secretarias de educação e grandes escolas pelo país. O catálogo é em maioria de long-sellers, aqueles títulos de vida longa, que vendem pouco, mas vendem sempre. A tiragem é em média de mil e quinhentos exemplares e a distribuição envolve cerca de duzentos pontos pelo país.
Um quadro normal se não fosse o faturamento e as despesas. As contas não batem. Sim, claro que não batiam quase nunca desde sua abertura ― como toda pequena editora ―, mas empréstimos, capital de giro, cheque especial, cartão do BNDES e vendas governamentais servem para deixar o último suspiro sempre para mais tarde. E o risco está na profissão do editor como a palavra está na do escritor. O caso é que em quase dois anos tudo começou a mudar bastante. Mudar na editora e no mercado editorial.
A diferença entre o que publicar e como publicar
Alguns novos conceitos surgiram na vida do editor em pouquíssimo tempo:e-book, print on demand, crossmedia, transmídia, booktrailler, vook, tablets... Somando a isso, a correria - iniciada pelas e-book stores - pelos e-books. Afinal, o pulo do gato era não deixar que a pirataria chegasse primeiro. E quem não chegasse antes estava fadado a morte no século XX, já tão ultrapassado. Esse terror começou a dividir a cabeça do editor, preocupado, até agora, mais em saber o que publicar do que em como publicar.
O fato é que o mercado varejista estava diminuindo cada vez mais, pelo menos para os pequenos e independentes. Por um lado, livrarias de bairro fechando, perdendo espaço para as megastores, leitores comprando pelos sites, buscando o melhor preço. Por outro, o acesso fácil a softwares de edição, os freelancers entrando de sola no mercado ― como consequência a diminuição dos preços para o design editorial de uma obra ―, o surgimento em massa de "escritores" com a popularização da internet, a facilidade de financiamento de impressão em gráficas e o big bang: a modernização dos meios de impressão, com a qualidade do print on demand equiparada ao antigo offset.
Juntando tudo, o que vemos é a enorme quantidade de lançamentos disputando cada milímetro de cada estante de cada livraria, por onde ficarão, em maioria, até que o editor reclame seu livro de volta. A conclusão é catastrófica: não são os leitores que estão morrendo, os livros é que não param de nascer.
A opção, para os pequenos editores, foi passar a encarar o livro como conteúdo. Se aquele conteúdo será lançado em e-book, app, livro impresso ― e, se impresso, em qual tiragem, é o que parece importar agora.
O mercado de Heráclito
Quando Heráclito de Éfeso conclamou o panta rei, ou, tudo flui, muito antes da invenção da imprensa de Gutemberg, não iria imaginar que a metáfora do rio sempre em movimento iria caber tão bem ao mercado editorial em pleno século XXI. O editor imagina, mas não tem certeza do que virá pela frente, e as possibilidades são infinitas. O importante para ele, hoje, é passar pela mudança, nadando na direção do rio, tentando chegar em algum lugar, mesmo sabendo que não há ponto de chegada, somente o movimento, e que este, o movimento, é que precisa ser feito.
O dilema das editoras contemporâneas está em quebrar seus paradigmas, mudar seus conceitos e se transformar com esse movimento, mas, ao mesmo tempo, preservar o trabalho do editor. Enquanto muitos proclamam o fim do livro, o mercado, se continuar assim, esquecerá de preparar o funeral do editor. O livro continuará existindo, sem dúvida, mas já existem muitas editoras que nem sabem o papel de um editor. Não podemos esquecer que o conteúdo vale ouro e o editor continua sendo sua pedra-de-toque.
O caminho a seguir
Uma reunião curta. Tabelas, gráficos, valores, contas. Muitas contas. E a conclusão, óbvia: não há como pagar o salário dos funcionários no final do mês. Dos somente cinco funcionários.
A solução é reinventar-se. Trabalhar com impressão sob demanda, repensar o papel da distribuição, pensar nos e-books, usar a tecnologia a seu favor, vender o excesso do estoque como saldo, ir atrás do leitor de cada livro e convencer seus autores que as mudanças são efeitos do devir do próprio mercado. Seus funcionários devem também repensar o que fazem ali. Encarar o trabalho em uma pequena editora é quase que se tornar sócio do negócio. Se não for assim, procure sair o quanto antes.
Este é o caminho do rio. E para continuar nadando nele, ele, editor, 46 anos, precisa fechar os olhos e vender aquele anel há anos na família, única herança de sua avó, vitima de Auschwitz. Esse é o risco de todo editor. O mesmo que reflete toda a mudança que o mercado editorial está passando, exatamente agora. Preocupante? Sim, mas vão-se os anéis, ficam-se os dedos.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blogFIMdolivro. Raphael Vidal é escritor, editor e alimenta também o microblog @fimdolivro.
Nem livro nem editor terão fim! Somente serão reformulados.
Possivelmente até evoluirão, como tudo o que ocorre na Natureza, no Cosmo. - O livro já foi de pedra lascada, passou ao papiro, depois impresso, as editoras e editores sempre procuraram 'vender os 'bestsellers' sem dar muita 'bola' para os escritores, principalmente os novatos. Chegou a Internet, multiplicaram-se os meios para evolução da distribuição, da propaganda, e multiplicaram-se os 'escritores', quer dizer, agora todos que aprendem, sofrivelmente, escrever já pensam em ser escritores... é mais ou menos como os garotos que querem ser 'jogadores de futebol'... todos querem! - Alguns sabem jogar bola, a maioria nem chutar sabe; e na literatura ocorre o mesmo, surgiram tantos escritores que nem sabem conjugar um verbo, ainda escrevem como quando 'crianças fazendo redação na escola', alguns escrevem 'idéia'... só para ser ter uma ideia; outros usam até gerundismo, daqueles tacanhos, em seus textos e contextos.
Concordo com Boris Vinha... o livro não vai acabar, só mudar.
E há muitos escritores! E as editoras, quando darão retorno condizente a esses que fazem o principal? Ao autor deve caber a maior fatia, não tenho dúvidas disso.