Estranho Wittgenstein | Mendo Castro Henriques

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ENSAIOS

Segunda-feira, 3/2/2003
Estranho Wittgenstein
Mendo Castro Henriques
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+ 1 Comentário(s)

Conta-se de Wittgenstein que, para calcular a altura das árvores, ele partia do tronco como o vértice da base de um triângulo rectângulo, media com passos a distância percorrida até chegar a um ponto em que se virava e onde, utilizando a sua bengala como a hipotenusa dessa figura ideal, olhava para o topo da árvore, invocando o majestoso teorema de Pitágoras. Juntamente com a invenção de uma máquina de coser, com a casa em Viena, que desenhou e que foi admirada por Frank Lloyd Wright, e com a sua assistência regular aos filmes de Betty Hutton e Carmen Miranda, esse era um dos poucos actos da sua vida cujo significado se afigura transparente.

Não foi decerto o maior filósofo do século XX, mas foi talvez o mais significativo. Fundou (inadvertidamente) e repudiou (com veemência) dois sistemas filosóficos. Quando morreu estava à beira de algo mais - nunca saberemos o quê. No final do seu primeiro livro, o Tractatus Logico-Philosophicus completado num campo de prisioneiros durante a primeira grande guerra, escreveu o seguinte: "As minhas afirmações são elucidativas do seguinte modo: quem me compreender acabará eventualmente por considerá-las absurdas, à medida que as utilizar como degraus para ascender além delas". E no prefácio do seu outro grande livro Investigações Filosóficas lê-se isto: "Não é impossível que, na pobreza e escuridão do nosso tempo, caiba a este livro trazer luz a uma ou outra mente - mas claro que é muito pouco provável".

Entre os seus haveres foi encontrada uma caixa com tiras de papel - Zettel - com um pensamento escrito em cada uma. Talvez um dia seja possível conjecturar a ordem em que foram escritas. "Mas claro que é muito pouco provável".

Antes de se dedicar à filosofia, Ludwig Wittgenstein foi matemático, músico, arquitecto, escultor, engenheiro mecânico, professor de liceu, soldado e aviador. Poderia ter prosseguido com sucesso qualquer destas carreiras. Antes de chegar a Cambridge - que lhe ofereceu um doutoramento à entrada - estava para ser aeronauta.

Todas as narrativas da sua estranha vida indicam que sempre "tentou" ensinar. Não ligava "bóia" à Universidade e aos jantares com vestes académicas, sapatos pretos e lacinho. Wittgenstein jamais usou gravata e vestia sempre um blusão com fecho de correr: os seus sapatos eram castanhos.

Dava as lições nos aposentos, onde só existiam uma cadeira de dobrar, um cofre (para papéis) e uma mesa de jogo. Os alunos traziam as cadeiras. Pacatamente sentado, tartamudeava algumas coisas lentamente, de vez em quando. Era a análise absoluta. Não tinha nada na manga; nada tinha para ensinar. O mundo era um puzzle completo, uma grande massa opaca de ferro em bruto. Podemos pensar essa massa? O que é pensar? Qual o significado de "podemos" e de "podemos pensar"? Qual o significado de 'nós'? As respostas que encontramos às segundas-feiras, permanecerão válidas às terças? Se eu persistir em obter uma resposta, como pensarei nela: Acredito-a? Conheço-a? Imagino-a?

Wittgenstein não atribuía o menor interesse ao facto de Platão ou Kant terem respondido a algumas das questões que os filósofos colocam. Aceitava por vezes as perguntas de outros filósofos: as respostas, nunca. A verdade é teimosa. Wittgenstein era teimoso: nem uma nem o outro desistiram. E só em alguns estóicos da Antiguidade encontramos alguém que se limita tão cruamente a si próprio, e é tão decisivamente obstinado. Frequentemente escapava-se para a sua cabana na Noruega, ou para as planícies da Irlanda, onde - é da poucas coisas que sabemos destas estadias solitárias - ensinava os pássaros de Connemara a poisar nas suas mãos.

As únicas convenções que dominava eram a linguagem, o traje e com bastante relutância - os símbolos matemáticos. Os afazeres quotidianos da nossa civilização causavam-lhe assombro e quando neles participava era como um mordomo entre os Bantu. Gostava de lavar a loiça depois das refeições. Colocava os pratos e as pratas no lava-loiças, estudava cuidadosamente o detergente e a temperatura da água, e passava horas nesta tarefa, e outras tantas a limpar e secar. Se era hóspede de alguém, todas as refeições tinham de ser idênticas; o que comia ao pequeno-almoço, almoço ou jantar não lhe interessava desde que fosse sempre o mesmo. Ouvia com atenção o discurso humano e analisava-o incessantemente. A linguagem, decididamente, era um jogo que o ser humano aprendera, e de cujas regras ele estava à procura, tal como se fosse um antropólogo vindo do planeta Marte.

Quando ficou moribundo, com cancro, em casa do seu médico, a mulher deste lembrou-se do aniversário de Wittgenstein e confeccionou um bolo de anos onde escreveu com açúcar em pó "Que se repita por muitos anos!". Quando Wittgenstein lhe perguntou se reflectira nas consequências de tal desejo, ela começou a chorar e deixou cair o bolo, tornado pobre mártir da história da filosofia. "Repare", disse Wittgenstein ao médico quando este chegou a casa, "fiquei sem o bolo e sem uma resposta para a minha pergunta".

Com excepção do matemático David Pinsent a quem o Tratactus é dedicado e que foi morto na Primeira Guerra Mundial, Wittgenstein não tinha amigos e só reparava em senhoras para saber como as evitar. A ideia de que uma mulher filosofasse levava-o a fechar os olhos de desespero. Na sua família tinham existido casos de loucura e de suicídio. Aconselhava os seus alunos a realizar tarefas humildes e, de tempos a tempos, ele mesmo fazia-se professor primário ou mecânico. Achava que um intelecto saudável não precisa estar consciente de si próprio mas sim de partir para o mundo e fazer negócios, máquinas, músicas e poemas, sem reflectir. Fosse qual fosse a verdade do mundo devia ser simples, no sentido em que se deve dizer, por exemplo, que "a morte não faz parte da vida" ou que "o mundo é independente da minha vontade". Mas a verdade é também complicada, na medida em que tudo quanto acontece é o resultado de imensas causas, muitas das quais jamais serão conhecidas.

A análise linguística que alguns discípulos foram buscar às Investigações Filosóficas, para desagrado de Wittgenstein, é a noite escura da Filosofia. A sua primeira obra - Tratactus Logicus-Philosophicus - é lúcido e directo. A obra póstuma - Zettel - é comparável aos fragmentos de Heraclito, até pelo seu estilo epigramático, e aos de Lichtenberg. É óbvio que o Zettel constitui um retorno ao estilo do Tractatus, um regresso ao período arcaico da filosofia, antes dos cantos discursivos de Sócrates. E o filósofo não estava só. Foi no seu tempo que a Física regressou ao tempo de Heraclíto (segundo Niels Bohr, Lucrécio tinha bons indicativos acerca da fissão nuclear). E a arte? E a arquitectura!? O que há de mais pitagórico do que os geométricos arranha-céus? E que se assemelha mais às pinturas das cavernas do que os quadros de Paul Klee?

"Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo". "A mais bela ordem do 'mundo é ainda um arranjo casual de coisas insignificantes em si mesmas". Qual destas frases é de Heraclito? E qual é de Wittgenstein? "O filósofo" - diz-se no Zettel - não é cidadão de nenhuma comunidade de ideias. E isso que o toma um filósofo". "Wie ist es mir dem satz?", "Que dizer acerca da proposição" - repetia - "não há quem se possa banhar duas vezes nas águas de um mesmo rio"? Será a proposição verdadeira? Não; mas é sábia e interessante. Pode ser examinada. É harmoniosa e poética.

Quanto mais lemos Wittgenstein, mais sentimos que ele se colocou antes de Heraclito, que andou para trás, infinitamente, à espera de avançar, quando encontrasse um apoio. Abandonou a tradição escolástica de comentar os outros filósofos. Pura e simplesmente não lhe interessava a história da filosofia. Podemos mesmo interrogarmo-nos se à hora da morte, chegou a compreender sequer o número "2". Dois, quê? Para sabermos o que é "2", duas coisas teriam de ser idênticas, o que é absurdo se a palavra "identidade" tiver sentido.

Wittgenstein não argumentava; apenas se submergia em problemas cada vez mais subtis e profundos. O registro feito por três alunos das suas lições e conversas em Cambridge revelam um homem tragicamente honesto e maravilhosamente, espantosamente absurdo.

O que dele sabemos faz-nos querer saber mais, porque mesmo quando as afirmações são opacas, é bem claro que o seu pensamento possui uma transparência arcaica que a filosofia raramente possui. É também patente que ele estava à tentar ser sábio e a tomar os outros sábios.

A academia conferiu-lhe uma reputação de impenetrabilidade, no que aliás pagava na mesma moeda. Wittgenstein pensava que um ser humano, normal e honesto, não pode ensinar. Os alunos que se aproximavam esperavam dele conhecimentos profundos; afinal encontravam um homem que lhes dizia que só o sofrimento congrega a humanidade e que é preciso tratar o próximo com gentileza. Lia muito, para multiplicar a sua experiência. Lia Tolstoi (mas nunca chegava ao fim), os Evangelhos, e montes de histórias policiais. Encolhia os ombros quando citavam Freud. Quando morreu, estava a ler Black Beauty. As suas últimas palavras foram: "Digam-lhes que tive uma vida maravilhosa".

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente em Portugueses - Revista de Ideias, nº 89, edição de agosto/setembro de 1989. Também reproduzido no site O Indivíduo. Foi mantida intacta a grafia.


Mendo Castro Henriques
Lisboa, 3/2/2003
Mais Mendo Castro Henriques
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
22/8/2004
00h34min
O texto "Estranho Wittgenstein", embora não explore os conceitos do próprio Wittgenstein, tem a virtude de despertar interesse nos leitores que não conhecem o referido filósofo austríaco.
[Leia outros Comentários de Kleber]
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