A Música Erudita no Brasil | Lauro Machado Coelho

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ENSAIOS

Segunda-feira, 13/5/2002
A Música Erudita no Brasil
Lauro Machado Coelho
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+ 4 Comentário(s)

Que lugar ocupa a música erudita na vida cultural do brasileiro? Pergunta difícil de responder: não existem dados precisos e os levantamentos já feitos são parciais e inconclusivos. A "prova do olho", porém, leva a crer que é significativo esse lugar. Platéias existem: os espetáculos – mesmo os trazidos de fora, com ingresso salgado – raramente estão vazios. É um segmento pequeno, se comparado ao da música popular, não resta dúvida. Mas é um público estável, fiel – e abnegado, que não hesita em recorrer aos dispendiosos discos importados, para manter-se em dia com o que se faz de mais atual em relação à arte que ama.

Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), em 2001 foram vendidos apenas 700 mil CDs clássicos em todo o país, cerca de 1% do que movimenta o mercado formal. Isso se refere, porém, aos discos lançados no catálogo nacional, pois a ABPD não faz o controle da venda de importados – muito grande, a julgar pelas informações fornecidas por Denise Coloti, gerente das compras de áudio na Laserland, uma das lojas mais freqüentadas de São Paulo: "Trazemos de 200 a 250 CDs por semana e, desse total, 80% são clássicos. Em média, vendemos de 800 a 1000 discos importados de música erudita por mês" – o que pode significar um consumo anual de cerca de 120.000 discos, sé em uma única loja.

A distribuição de discos, no Brasil, é errática e deficiente. Ler, no jornal, a resenha de um lançamento novo, não significa, de modo nenhum, que se consiga encontrá-lo nas lojas. Mas isso não faz esmorecer os dedicados fãs do gênero. Além disso, leve-se em conta que aumentou muito, nos últimos tempos – não há dados precisos, mas sabe-se que o volume é grande –, a quantidade das pessoas que compram discos pela Internet, recorrendo a sites como o Amazon.com. Ou seja: música clássica não é, no Brasil, o hobby de apenas meia dúzia de velhinhos que continuam freqüentando o teatro Municipal. É a paixão de um grupo cada vez maior, aberto inclusive – a despeito do que pensam certos programadores de concertos, ainda tímidos e conservadores em suas opções de repertório – a experiências novas, a ver seus horizontes serem alargados.

Basta dizer que, em concerto recente da Orquestra Estadual de São Paulo (Osesp), seu diretor artístico, o maestro John Neschling, celebrou o fato de se ter atingido a marca de 5.000 assinantes (10.088 assinaturas, se levarmos em conta que várias pessoas compram mais de uma série). A Osesp tem tido casa cheia até mesmo ao apresentar programas aparentemente "difíceis" ou "impopulares", como os de 14 e 16 de março de 2002, que reunia duas grandes obras corais húngaras do século XX: a Cantata Profana de Bela Bartók, e o Psalmus Hungaricus de Zoltán Kodály. Mas não é só na Sala São Paulo a grande afluência: no final de março, a Cultura Artística anunciava já ter 2.000 assinantes, esperando atingir os 2.400; e o Mozarteum já contava com 700 e tinha a perspectiva de chegar a mil. Estas são as duas maiores instituições privadas paulistas de organização de concertos.

Fato importante é existirem – ao lado de uma revista como a Bravo!, cuja editoria de música sempre foi muito atuante – publicações exclusivamente dedicadas à música. A revista mensal Concerto, de São Paulo, faz, desde 1995, o trabalho regular de divulgação das atividades musicais brasileiras. São 10.000 exemplares, cerca de 20.000 leitores. "Queremos mostrar que não é preciso ser erudito para gostar de música erudita", diz seu editor, Nélson Kunze, "ao oferecer uma publicação direta e despretensiosa, com o intuito de incentivar o leitor a ir ao concerto, a comprar um CD, a desbravar o mundo da música."

Há também o Guia VivaMúsica: o mesmo grupo responsável pela extinta revista mensal VivaMúsica (1994-98) publica, desde 1998, um anuário com 1.500 entidades brasileiras de músicos ou empresários, produtoras de música erudita no Brasil. Seu site (www.vivamusica.com.br) entrou no ar em março de 2001 e, até o final do ano passado, anunciou 2.145 eventos em 66 cidades brasileiras, das mais óbvias – São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre – às mais inusitadas: Miguel Pereira (RJ) ou Barbalha (CE). Distribuindo sua newsletter a 1.600 assinantes, VivaMúsica descobriu, segundo conta a editora Heloísa Fischer: "Descobrimos ser cada vez mais inexata a idéia de que música clássica só interessa a pessoas mais velhas. Boa parte de nossos leitores cadastrados nasceu nas décadas de 70 e 80."

Na mesma raia correm o site da Concerto (www.concerto.com.br), no ar desde 1997; e o www.movimento.com, trabalho quase artesanal do carioca Antônio Rodrigues, representante comercial que participa de um coral e pretendia, ao entrar na Internet, obter financiamento para seu grupo amador. O projeto financeiro ainda não deu certo mas, como editor – e tendo o filho como webmaster – Rodrigues pretende crescer e criar núcleos para acompanhar a programação do Rio, São Paulo, Minas, Paraná, Bahia.

Diante desse quadro, como os responsáveis pela vida musical – músicos, empresários, jornalistas – vêm a relação indústria cultural/música erudita? Na opinião de Nélson Kunze, "a música erudita está marginalizada". O editor da Concerto a vê, na realidade, como "uma força de resistência ao avassalador rolo compressor da cultura de massa, que aniquila desde manifestações autorais até a autêntica criação regional e popular". Não é tão pessimista assim a avaliação de Jamil Maluf, diretor artístico, em São Paulo, da Orquestra Experimental de Repertório (OER). "Até bem pouco tempo", diz Maluf, "havia o segmento dos promotores de concertos (Mozarteum, Cultura Artística), com assinaturas e maior agilidade na captação de patrocínios privados; e o dos órgãos oficiais, lentos, atrelados a fatores burocráticos e políticos, com grandes prejuízos artísticos e administrativos. Ultimamente, alguns órgãos públicos têm feito esforços pontuais para melhorar essa situação que, espera-se, continue e se multiplique."

No Rio, observa Heloísa Fischer, "há em média 90 opções musicais por mês – mais do que a oferta de filmes ou peças de teatro também. "Por que será que a música clássica é o primo pobre dos investimentos culturais?" Porque, no seu entender, "um dos problemas é a falta de conhecimento do próprio mercado enquanto mercado. Tivemos um caso recente no Rio: a rádio Opus 90 FM, comercial, integralmente dedicada aos clássicos, que transmitiu entre 1992-94 e 1998-2000. Tinha 100 mil ouvintes – pouco, para audiência de rádio, mas significativo para consumo segmentado. Há, portanto, 100 mil pessoas interessadas em clássicos na cidade. Onde estão? Por que não freqüentam concertos? A meu ver, o mercado de clássicos precisa amadurecer e ter em mãos as mesmas ferramentas dos demais setores da industria cultural: levantamentos quantitativos, pesquisas de opinião – e uma entidade que responda por seus interesses, como a Câmara Brasileira do Livro, ou o Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica."

Por essas e por outras, Carlos Eduardo Prazeres, diretor da Orquestra da Petrobrás, acha que a situação da música clássica "infelizmente vai mal". Reconhece que "já esteve pior e até se recupera aos poucos", mas "ainda requer muitos cuidados". Lamenta, sobretudo, que não tenha havido "qualquer preocupação em renovar o público de música erudita no país". Parece não concordar com a idéia de que um grupo novo de jovens está chegando às platéias: "Nas décadas de 70 a 90, os concertos foram freqüentados pelo mesmo público, que envelheceu com a música erudita. Não se buscou incentivar jovens talentos". É amargo seu diagnóstico: "A Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) preocupou-se apenas em ser a única grande orquestra da época e em fazer concertos pomposos, para agradar ao sistema que a mantinha. Não atentou para o detalhe de que o público não se renovava, transformara-se numa turminha, um grupinho de amigos que foi ficando velho, velho, velho... e está morrendo aos poucos, tal como a música erudita."

"Não se pode falar em indústria cultural e música erudita", insiste Prazeres, "se esta não possui um público consumidor de respeito. Infelizmente, o que a indústria cultural visa é ao lucro, ao retorno. E música erudita não dá lucro, nem retorno. Ainda." Para ele, "se todas as rádios tivessem um programa diário de música erudita", diz Prazeres, "se as TVs mantivessem programas clássicos, a médio prazo teríamos um numeroso público consumidor de música. E poderíamos falar seriamente da existência da música erudita na indústria cultural."

Nesse sentido, ainda que trabalhando de forma isolada e com inúmeras dificuldades, é fundamental o trabalho da Rádio Cultura de São Paulo, que mantém no ar, 24 horas por dia, uma programação musical de muito bom nível, oferecendo a seus ouvintes ciclos temáticos, séries especializadas em gêneros – música de câmara, orquestral vocal – ou a possibilidade de ouvir, ao vivo, todo sábado, as transmissões de ópera do Metropolitan Opera House, de Nova York. Mas por dedicado que seja, esse esforço ainda é pequeno e, mesmo com as redes que a Cultura tem conseguido formar com emissoras de outros estados, permanece de certa forma limitado o público atingido.

Estamos muito longe dos números atingidos, com iniciativas semelhantes, nos Estados Unidos, devido aos mecanismos oficiais – o Public Broadcast Service (PBS) – ou o patrocínio privado: o da Chevron-Texaco, para permanecermos com o exemplo do Live from the Met. Mas isso é porque, na opinião de Cláudia Toni, diretora da Sala São Paulo, "a indústria cultural brasileira nem sabe que música clássica existe... por preguiça intelectual sobretudo". É claro, ela lembra, que "música clássica não é linguagem fácil, não tem 'letra' para distrair... exige abstração, paciência, inteligência, ausência de preconceito auditivo. Assim, os controladores da indústria preferem comodamente divulgar as famosas canções de 3 minutos, cujo texto musical pouco importa..."

Em certa medida, a empresária paulista Glória Guerra concorda com ela: "Música erudita é considerada elitista, donde a falta de investimentos, de programas de formação de platéia." O que leva Sérgio Nepomuceno Correa, diretor da OSB, a comentar que é "paradoxal" a situação vivida hoje: "Sabemos que o mercado de discos tem caído no mundo todo. Mas no Brasil há um processo de revitalização de obras de autores brasileiros, pela Osesp, a Sinfônica da Bahia, a Orquestra do Teatro Nacional de Brasília, ou mesmo a OSB que, há dois anos, gravou um disco com aberturas e prelúdios de Carlos Gomes. O problema é que não temos como comercializar estes discos, o que poderia dar maior visibilidade às orquestras e atrair mais a atenção de patrocinadores".

É o mesmo problema dos discos produzidos pelo grupo que, subvencionado pela Petrobrás, está restaurando e editando obras sacras do Museu de Mariana, em Minas Gerais. De gravações produzidas pela Funarte: obras de Camargo Guarnieri ou a gravação integral do Salvator Rosa, de Carlos Gomes, feita em 2000 na Ópera de Dorset, na Inglaterra. Dos CDs e vídeos das óperas de Carlos Gomes, que a São Paulo ImagemData co-produzia com a Ópera Nacional de Sófia, na Bulgária (e que se interrompeu, após a realização de Il Guarany, Fosca e Maria Tudor, por ter sido retirado o patrocínio do Banco Sudameris). Todo esse material, da maior importância, não é comercializado, por uma razão ou por outra. Destina-se à distribuição institucional – escolas, bibliotecas. Ainda é bom quando é assim. Pior é quando os discos se transformam em brindes de fim de ano, indo parar nas mãos de pessoas que, via de regra, não lhes dão a menor importância.

Nepomuceno tem razão: a possibilidade de comercializar essa importante documentação forneceria munição preciosa, na hora de sair em busca de patrocínio. Pois coisas importantes estão acontecendo nesse setor, diz ele. "Basta lembrar o projeto Memória Musical, da Nery Cultural". Desde 1998, firmas como a Volkswagen, Ultragaz, Infraero, Siemens, BNL têm investido no projeto, bancado pela Petroquímica União, de restaurar e editar partituras de autores brasileiros. Depois de Alberto Nepomuceno, Leopoldo Miguez e Lorenzo Fernandes, a equipe está agora trabalhando com Hekel Tavares, Henrique Oswald, Francisco Mignone. Prontas, as partituras são encaminhadas à Academia Brasileira de Música, no Rio, onde podem ser consultadas ou adquiridas.

É difícil, portanto, conseguir patrocínio. Mas há alternativas possíveis? "É um processo lento, em que todos temos de aprender", comenta Nélson Kunze, da revista Concerto. "Música não existe sem apoio público, do Estado, nem aqui, nem em lugar nenhum. Cada país encontra um jeito de fazer isso, pelo investimento direto, com fundações, por incentivo fiscal. Deixar a música erudita à mercê do mercado equivale a uma sentença de morte." Para a empresária Glória Guerra, o problema é se associar "musica erudita a mecenato, o que não interessa nem ao patrocinador, nem ao patrocinado. O desconhecimento do assunto leva os departamentos de marketing a não encontrar soluções para o retorno que esperam de um evento de música erudita. Uma alternativa seria a criação de fundações que, mediante recursos próprios, desenvolvam programas de apoio, formação de músicos, criação de mercado. Cultura faz parte de um processo educacional lento. E patrocinadores querem retorno imediato."

"A partir do momento em que, pelas leis de incentivo fiscal, os governos transferem à iniciativa privada as rédeas da política cultural", adverte Heloísa Fischer, "pouco resta ao produtor e ao músico. Para o patrocinado, é cruel a concorrência com eventos, de outras áreas, de maior retorno numérico. Se [a atriz de teatro] Fernanda Montenegro tem dificuldade em conseguir patrocínio, imagina a [compositora de vanguarda] Jocy de Oliveira! O governo precisa conscientizar os contribuintes-patrocinadores em relação ao uso deste imposto não-recolhido. Existe uma enorme 'responsabilidade cultural' dos patrocinadores, a que eles mesmos parecem não estar atentos. Insisto na entidade que responda pelos interesses comuns do segmento. Ao falar por todos, ela poderia estabelecer diálogo mais potente com governos e sociedade".

Dificuldade em obter patrocínio é, na opinião de C. E. Prazeres, "o principal problema da música erudita e do teatro – o que já não acontece com MPB ou telenovela. Apóia-se o que pode dar retorno institucional de massa. Mas não se investe na música erudita o suficiente – e por tempo suficiente – para que ela possa ser aceita e converter-se num investimento rentável para a iniciativa privada. Afirmo que o dever de manter a música erudita é do Estado. Parece-me razoável que a iniciativa privada queira associar seu produto a um retorno palpável – o que só se pode conseguir a médio ou longo prazo."

"No Brasil", diz Prazeres, "a Lei Rouanet é um balão de ensaio interessante, especialmente no caso da música erudita, que obtém incentivos de 100%. No entanto, essa lei admite distorções inaceitáveis. Ela proporcionou a vinda da Filarmônica de Berlim, para se apresentar em teatros fechados, com ingressos de R$ 70 a R$ 2.000, e um público de no máximo 2.500 pessoas. Quanto custou aos cofres públicos a excursão da orquestra? Porque não se exigiu dos promotores concerto ao ar livre?" (como foi feito pela Filarmônica de Nova York, em São Paulo, no Parque Ibirapuera). "Não nos esqueçamos, porém, que a Lei Rouanet viabiliza bons projetos – a Orquestra da Petrobrás é um deles. O exemplo da Osesp deveria servir de modelo para o país. Seu real sucesso é resultado de um investimento em longo prazo, graças ao poder público. Simples questão de vontade política. No Rio, o descaso do poder público é tamanho, que faz correntes se levantarem defendendo o absurdo de pôr fim a todas as orquestras, para que se tenha uma única orquestra. Ignorância sem precedentes! Em vez de pressionar o governo a apoiar o que já existe, fala-se em acabar com o que existe."

Outra alternativa, lembra Prazeres, seria "a utilização de renúncia fiscal para pessoa física, por meio do Imposto de Renda retido na fonte. A OPPM poderia ser mantida pelos funcionários da Petrobrás: bastaria que eles aceitassem renunciar a x% de seu imposto. Mas essa é uma discussão que ainda vai se arrastar por longo tempo."

Mas é preciso lutar também, diz o maestro Jamil Maluf, contra "a falta de continuidade das iniciativas, pois o Brasil sofre da 'síndrome do recomeço', a desvalorização sistemática do que existe e a supervalorização, também sistemática, do que passa a existir. A cobertura, pela imprensa, dos eventos de música erudita é incompleta e recheada de conceitos e pré-conceitos que engessam e, às vezes, sufocam as iniciativas. No caso das orquestras jovens, por exemplo, o tom é quase sempre condescendente quando tocam bem, e de ironia quando tocam mal. As sociedades promotoras de concertos têm, em geral, receio de se aproximar dos artistas nacionais – não sei se por razões puramente artísticas ou também econômicas – e, com isso, refugiam-se na promoção quase que exclusiva de eventos importados e talentos estrangeiros. Quando atuamos em um país, somos responsáveis pelas carências enormes que ele apresenta, e essas responsabilidades têm de ser divididas entre a iniciativa privada e o governo."

Mesmo reconhecendo que "nos últimos anos o papel da iniciativa privada aumentou" e a música erudita "é praticamente a única atividade artística bancada pelo Estado, o que não é ruim", o maestro Abel Rocha afirma que "não se pode excluir desse quadro o papel possível da iniciativa privada". Segundo Abel, "uma das mudanças mais significativas, nos últimos anos, está no modo como gerentes de orquestra têm pensado nela como um produto para o qual deve ser encontrado espaço na sociedade". E, nesse ponto, ele concorda com Prazeres: "Isso passa pela criação de um novo público, pela interpretação de programas que, sem abrir mão da qualidade, mostrem a esse público que seu produto pode e deve ser consumido." Ele lembra que, "no ano passado, a Sinfonia Cultura fez 48 apresentações em escolas públicas, mostrando de modo didático o que é uma orquestra, seus instrumentos, coisas do tipo". O resultado foi que "algumas dessas crianças passaram a freqüentar os concertos semanais da orquestra, no Sesc Belenzinho".

Abel refere-se a isso justamente no momento em que a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo anuncia (Estado de São Paulo de 3.4.2002) o projeto Teatro Municipal Visita, de apresentações de membros dos corpos estáveis do teatro em diversas partes da cidade, "para fazer espetáculos didáticos, com o intuito de formar platéia". Segundo o maestro Daniel Misiuk, diretor artístico do projeto, um dos objetivos, naturalmente, é "desmistificar o Teatro Municipal" – tirar da cabeça das pessoas a idéia de que ele é um lugar elitista, de preços muito caros, só freqüentados por um público esnobe e de alta sociedade. Muita gente não sabe que, em todos os seus programas, o Municipal tem ingressos a preços populares e, como diz Misiuk, "a arte não precisa ter ares inatingíveis".

Essa necessidade de inserir a atividade musical dentro da comunidade, de que falam Abel e Misiuk, é também enfatizada por Nélson Kunze: "É fundamental a nova relação empresas/comunidade a que denominamos 'responsabilidade social'. A cultura também se insere aí, e depende de empresas sensíveis a esse marketing diferenciado, posicionamento que, no Brasil, ainda é raro. Ainda dependemos de alguns mecenas indispensáveis, que salvam a cultura da barbárie. As leis de incentivo são um problema seriíssimo: boas por um lado, por outro fazem com que o Ministério da Cultura abra mão de dar apoio à música contemporânea ou de câmara, por meio de investimento direto. Essas produções de ponta não conseguem vender seus projetos pelas leis de incentivo, porque o mercado prefere, é claro, shows de Paulinho da Viola na Praça da Paz (do Parque Ibirapuera, em São Paulo)."

Mas há políticas oficiais que se possa classificar de bem-sucedidas? A opinião de nossos entrevistados é unânime: em São Paulo encontram-se os melhores exemplos desse acerto, em projetos da Secretaria Estadual de Cultura, como a Sala São Paulo e o Projeto Guri. Não são os únicos, porém. A empresária Glória Guerra lembra que, em Belém do Pará, "a Fundação Carlos Gomes, em condições geográficas e financeiras adversas, vem realizando um trabalho de formação de platéia no interior do estado, com festivais internacionais de música de câmara, de canto, de violoncelo, e assim por diante." Festivais, de resto, têm sido uma forma de descentralizar e ativar a vida musical de centros fora do eixo Rio-São Paulo, como veremos mais adiante.

Antes disso, porém, é hora de nos determos na experiência da Sala São Paulo/Osesp. Considerávamos fundamental, nesse contexto, dispor do depoimentos do maestro John Neschling, diretor artístico da Estadual e artífice de seu soerguimento; mas ele não se dispôs a responder às perguntas que lhe foram enviadas. Atendeu-nos, porém, a diretora da Sala, Cláudia Toni, para quem a explicação para o sucesso do empreendimento é simples: "A vida inteligente não foi de todo banida do planeta! Há gente ávida de produção intelectual de qualidade, que exija reflexão, escuta apurada, dedicação."

Ao ouvi-la, sente-se que a esperança é a última que morre: "O ser humano pode muito mais do que a indústria imagina... são muito mais sofisticados... E a OSESP está ocupando o espaço que estava vazio!". Cláudia Toni não fala apenas da música: "Na Sala São Paulo, as pessoas são tratadas com cortesia, têm acesso a um programa impresso de excelente qualidade, ouvem repertório que vai muito além do óbvio e do consagrado. O público sabe. Reconhece o que está sendo feito para lhe dar prazer, alegria, espaço para pensar". Cláudia Toni admite estar "tão envolvida" que se sente "incapaz de dizer com isenção que erros podem ter sido cometidos". De fato, cabe menos a ela fazer esse julgamento do que a observadores externos, como Nélson Kunze, que chama a atenção para o fato de "a estrutura institucional da orquestra ainda não estar resolvida, colocando em risco inclusive a continuidade do projeto Osesp em futuras administrações".

Cláudia acredita que os acertos superaram os erros, "caso contrário não teríamos ultrapassado o número de 5000 assinantes – recorde absoluto no Brasil – e que vale mais, se pensarmos que estamos falando do prestígio de uma instituição pública, num pais que tem horror à coisa pública e preconceitos contra ela a priori... É preciso dizer que temos demonstrado, por outro lado, que é possível 'criar' qualidade no âmbito público". São Paulo e suas realizações parecem, portanto – até mais do que o Rio – estar na dianteira do que se faz de positivo em termos de vida musical brasileira.

"A política cultural do Rio de Janeiro, desafortunadamente, vai mal" lamenta-se Carlos Eduardo Prazeres. Para ele, as responsáveis são "a Prefeitura e o Governo do Estado, que têm demonstrado profundo descaso nesse quesito". Mas, felizmente, São Paulo não está sozinho. Mencionamos, ainda há pouco, a questão dos festivais, dois dos quais se realizam em centros tão distantes do eixo Rio-São Paulo quanto o de Manaus e o de Belém do Pará. O do Teatro Amazonas já se estabilizou, tem em seu ativo produções de alta qualidade – como a Manon de Massenet montada em 2001 por Aydan Lang –, e está realizando, este ano, com o mesmo Lang e o maestro Luís Fernando Malheiro, a primeira montagem inteiramente nacional da Valquíria de Richard Wagner – inclusive em termos de elenco pois, à exceção da americana Maria Russo, que interpreta Brünhilde, todos os papéis são feitos por cantores nacionais.

"Toda a proposta do festival está calcada em questões relevantes para a população local", diz Robério Braga, secretário estadual da Cultura do Amazonas. "Em primeiro lugar, tínhamos um teatro de ópera fantástico, mas não tínhamos ópera. Além disso, era preciso criar pólos de produção cultural que pudessem anunciar, com antecedência, na agenda internacional de turismo, que se a pessoa viesse conhecer a Floresta Amazônica em abril ou maio, poderia também conhecer o lendário Teatro Amazonas, assistindo nele a uma produção de alto nível. Na primeira edição do festival, tínhamos apenas o Teatro Amazonas. Hoje, são dez os centros culturais da cidade, onde alunos estudam música, e há outras manifestações artísticas com professores locais e de fora do Estado. As atividades do governo se interligam visando a profissionalizar o artista local. O festival torna-se, assim, um evento de interesse cultural, social e econômico, gerando empregos e outros elementos que contribuem para a vida de Manaus."

Mas e a questão da continuidade, a que se referia o maestro Jamil Maluf, e que suscita o temor de Nélson Kunze em relação à Osesp. "Não sei se, com o fim do governo Amazonino Mendes, o festival há de acabar", diz Robério Braga. "Pode ser que haja mudanças de rumo, mas acredito que acabar, não. Político vai atrás daquilo que dá voto. E o festival e seus desdobramentos – o Centro Cultural Claudio Santoro, por exemplo, pelo qual já passaram dez mil alunos – estão enraizados na população. Acho que são a prova de que cultura pode gerar votos."

A reforma do histórico Theatro da Paz, inaugurado em fevereiro de 1878, em pleno apogeu do ciclo da borracha, permitiu a realização do Festival de Belém do Pará que, este ano, além de concertos e recitais, apresenta montagens do Macbeth de Verdi, e das operetas A Viúva Alegre, de Franz Lehár, e A Noiva do Condutor, de Noel Rosa. Segundo Paulo Chaves Fernandes, secretário executivo de Cultura do Estado, R$6 milhões foram investidos na reforma de um prédio de grande beleza arquitetônica e valor histórico (circula, junto com a edição nº 72, de abril, da revista Concerto, um caderno especial sobre a restauração do prédio e a organização do festival, que ficou a cargo de Cleber Papa, diretor da São Paulo ImagemData.

"Ideal para produzir ópera", diz Cleber Papa, "é o lugar que te dá a sensação de continuidade e permanência do trabalho. É preciso pensar a ópera como um produto que pode circular. Os Estados precisam perceber que, quando se cria um sistema harmonioso entre teatros e festivais, com troca de produções e artistas, pode-se aumentar as receitas simplesmente diminuindo custos. A produção de óperas depende dos Estados, pois são eles quem detém os teatros, orquestras, coros. Seria fundamental, portanto, uma parceria entre eles, não apenas na troca de produções, mas também no processo de sensibilização da iniciativa privada com relação aos modos como ela pode colaborar no processo de criação de um eixo nacional de ópera." E nisso Cleber tem razão. Se, nos Estados Unidos, é possível fazer co-produções coast to coast, por que rixas e querelas suburbanas impedem a colaboração entre Rio e São Paulo, o que poderia baratear e aumentar o número das produções?

"É preciso deixar para trás o paternalismo formal", diz Cleber, "e usar mecanismos, que podem ser as leis de incentivo à cultura federais ou regionais. Para isso, no entanto, é fundamental a presença de uma política cultural clara, bem definida, que dê instrumentos para alternativas na hora de captar recursos. O Estado não deve se furtar, no processo de liberação de dinheiro. Mas deve também criar mecanismos que tirem dele toda a responsabilidade. Assim, estaria solucionada a principal dificuldade do produtor de ópera: arranjar patrocínio."

Desalentado com seu Rio de Janeiro, Carlos Eduardo Prazeres se anima ao lembrar que há "bonitos exemplos do que se anda fazendo em Curitiba, em Porto Alegre, em Juiz de Fora". E conclui: "Há muita gente resistindo, por esse Brasil afora." De fato são meritórios os esforços de centros como Campinas, apesar das crises por que passa sua orquestra sinfônica; de Jacareí, onde é realizado anualmente um concurso de canto que revela novos talentos; de Tatuí, cujo conservatório é um dos centros de ensino de música mais atuantes no interior do Estado. Vale mencionar também o depoimento do compositor paulista Rodolfo Coelho de Souza que, após anos nos Estados Unidos com uma bolsa de Composição, foi convidado a trabalhar na Universidade do Paraná. Ele faz interessante retrato da vida musical em Curitiba:

"Nos últimos anos, a Orquestra Sinfônica do Paraná (Osimpa) teve dois excelentes regentes: Roberto Duarte e Jamil Maluf. Ambos pediram demissão (aqui, são os regentes que exoneram a orquestra), devido à dificuldade em implantar políticas culturais modernas. Fora dos grandes centros, cada um defende seus nichos e privilégios com unhas e dentes. Porém, mesmo que seja difícil de trabalhar, pode-se obter alguns bons resultados: os bons concertos da Osimpa, na gestão do Jamil, regidos por ele ou por convidados (Gil Jardim, Ayrton Pinto). A Sheherazade, baseada na peça de Rímski-Kórsakov, superlotou duas vezes o Guaira, em 2001. Agora, está começando a temporada do novo regente, Alessandro Sangiorgi e, na abertura, ele fez uma bela Titã (a Sinfonia nº 1 de Mahler). A Camerata de Curitiba já viveu momentos excelentes, com Lutero Rodrigues. Hoje, sofre com a falta de apoio da Fundação Cultural do município, que não lhe dá condições de manter uma temporada contínua. Mas as aparições ocasionais a que assisti foram boas. A Camerata tem um ótimo madrigal, que reúne algumas das melhores vozes da cidade: ouvi, recentemente, com eles, um belo ciclo de Brahms regido por Osvaldo Colarusso."

"Nas férias de janeiro", continua Rodolfo, "um evento importante é a Oficina Cultural, fruto do movimento que deu a Curitiba a fama de ser o centro da música antiga mas, hoje, já se extinguiu. Desde que estou aqui, nada ouvi de memorável nesse gênero. Por isso, hoje, a Oficina é totalmente eclética. Um de seus bons diretores, este ano, foi o oboista Alex Klein. E, completando o panorama, há os corpos estáveis da universidade: a Orquestra Filarmônica Juvenil, de que sou o diretor artístico; o Coral da Universidade; o excelente Conjunto de Percussão, dirigido por Paulo Demarchi; e o Grupo de MPB. Corremos na raia intermediária entre o músico estabelecido e o estudante, a mesma da Orquestra Experimental de Repertório, do Jamil Maluf, em São Paulo. Com os recursos disponíveis, humanos e financeiros, não dá para voar tão alto quanto o Jamil. Mas, bem ou mal, tentamos fazer nossa parte."
O trabalho mais importante feito por Rodolfo em Curitiba, no quadro do novo curso de Produção Sonora, da Universidade Federal, foi montar o Lacomus, um dos laboratórios de música eletroacústica mais bem equipados do Brasil. Nele, Rodolfo trabalha com Bernadete Zagonel, Maurício Dottori, Harry Crowl e Paulo Demarchi. "Do meu ponto de vista", diz ele, "o melhor caminho para a criação musical, hoje, é através dos meios eletrônicos. Todas as artes estão, neste momento, ultrapassando a limitação do mecânico, e incorporando definitivamente o universo digital. Na música, estamos aprendendo a superar a limitações de comunicabilidade da eletrônica fria, entrosando-a com elementos ao vivo, que a humanizem."

É hora, portanto, de procurar soluções novas – os exemplos vistos até agora demonstram que idéias e experiências não faltam – que ajudem a superar estruturas obsoletas e emperradas, ou a deixar de lado práticas como o mecenato, para o qual, na opinião de Cláudia Toni, da Sala São Paulo, não há mais lugar: "Há lugar, isso sim, para cidadãos conscientes, responsáveis, engajados. Não importa que haja: uns dariam muito dinheiro – porque têm – outros, só trabalho voluntário – porque podem." E a Osesp de fato montou um esquema de trabalho voluntário – forma direta de envolver a comunidade nas atividades da "sua" orquestra –, do qual muitas pessoas estão participando, com resultados extremamente positivos. E o que os move a dedicar parte de seu tempo à orquestra? "A consciência e o compromisso com uma sociedade mais justa", responde Cláudia Toni, "que permita o acesso à cultura para grupos cada vez maiores de pessoas, e com garantia de perenidade. O Brasil engendrou a administração pública – e direta – de forma muito complicada, pouco ágil, excessivamente burocratizada, o que assegura morte instantânea para uma vida cultural dinâmica, inovadora, de boa qualidade. Fundações e organizações sociais conseguem montar administrações ágeis, menos perdulárias, sem retirar do poder público a obrigação de subsidiar a cultura e o dever de controlar e fiscalizar sua correta gestão."

Nélson Kunze parte do princípio de que é "fundamental o trabalho das entidades promotoras internacionais, viabilizando turnês de grandes artistas e orquestras" pois, "desprezar a troca de informações com o exterior, empobrece nossa visão histórica e estética". Mas, pergunta ele, "como fazer com que as apresentações sejam acessíveis, e não se transformem em badalação social elitizada?" Nélson fala da experiência dos Patronos do Theatro Municipal, entidade criada em 1991 e que, neste momento, após a morte de José Ermírio de Moraes, seu principal animador, passa por um processo de reformulação de seus objetivos e modos de atuação: "O Patronos", diz ele, "não são – e não deveriam ser – mecenas, e sim uma entidade de caráter público, mas desvinculada da burocracia estatal, com competência e profissionalismo na área cultural. Deveria servir de implementadora de projetos culturais relevantes. Não deveria ser a produtora de eventos que, no fundo, atendiam prioritariamente aos interesses de seus associados, e sim fornecer ao Theatro Municipal recurso para que este monte óperas e realize concertos – mas uma programação acessível aos públicos mais amplos. Isso, sim, é que faz de um teatro uma sala de elite."

E dentro desse quadro, qual é a situação específica da ópera, gênero que tem no Brasil um séquito imenso de espectadores fiéis – espectadores nos centros, como São Paulo, onde foi muito forte a influência cultural da emigração italiana? O maestro Jamil Maluf é o primeiro a reconhecer que, "de longe, a ópera é o gênero que consegue atrair mais público e atenção da mídia. Porém, os poucos teatros públicos dotados de fosso de orquestra" – em São Paulo apenas o Municipal, o Alfa, o São Pedro e o Paulo Eiró –, "onde essa atividade pode se desenvolver, são de modo geral tecnicamente mal equipados para acolher espetáculos mais complexos. O palco da maioria deles exige aperfeiçoamentos que modernizem os recursos. Além disso, a agenda desses teatros não deixa tempo suficiente de ensaio para as produções (principalmente as novas). As temporadas são curtas e truncadas, por força das interrupções para as outras atividades não-operísticas desses teatros. Urge que esses espaços façam uma opção, para que o gênero possa florescer com a qualidade e a quantidade exigidas pelo público e crítica." De fato, é uma pena que, após todo o trabalho e sacrifício requerido para encenar um bom espetáculo – como Os Contos de Hoffmann de Offenbach, regido por Luiz Fernando Malheiro no Teatro São Pedro, em 1999 – ele seja apresentado apenas duas ou três vezes. Menos mal que se anuncie para São Paulo, este ano, tanto a elogiada Manon montada em 2001 em Manaus, quanto o Macbeth do Festival de Belém. Mas estas são iniciativas que precisavam ser sistematizadas, fazendo circular os espetáculos importantes. Essa importante Valquíria, por exemplo, por que não trazê-la a São Paulo e Rio pelo menos?

Bom material humano não falta. Nossos músicos causam ótima impressão aos músicos estrangeiros. Foi de primeiro mundo o desempenho da Osesp, em 2001, no concerto em que foi regida por Kurt Masur, o até então titular da Filarmônica de Nova York. E os alemães que vieram, em março deste ano, para a audição com os candidatos a participar da orquestra jovem que o maestro Lorin Maazel pretende montar, com a participação de artistas do mundo inteiro, ficaram impressionados com a qualidade de alguns instrumentistas, principalmente de cordas e metais. Na área vocal, foram de altíssimo nível o desempenho do tenor Fernando Portari na Carreira do Libertino, de Stravinski – executada pela Osesp em forma de concerto –; da soprano Rosana Lamosa na Manon de Manaus e na Sonnambula, de Bellini, montada no Rio; da soprano Adélia Issa na interpretação do Pierrot Lunaire, de Schoenberg, com a orquestra da USP; da meio-soprano Denise de Freitas, no belo disco de canções de Osvaldo Lacerda que ela gravou com Eudóxia de Barros. Exemplos não faltam.

Mas sofremos com a sangria constante de gente boa que, por não ter chances em casa, vai procurar estudo e trabalho no exterior (basta lembrar que uma de nossas melhores cantoras, a soprano Eliane Coelho, faz parte, hoje, do elenco estável da Ópera de Viena). "Há excelentes escolas e professores de música no Brasil", frisa Carlos Edurado Prazeres, "e é intrínseca a musicalidade de nosso povo. Mas não podemos dar o que não tivemos e a conseqüência é que, ao alcançar determinado patamar em sua formação, o jovem tem de ir buscar fora conhecimentos mais sólidos – e que estão nos centros que, durante séculos, cultuaram a música erudita. Se houver investimento a médio e longo prazo, passaremos a garantir formação sólida a nossos cantores e músicos eruditos, sem obrigá-los a deixar o país para poderem se firmar em suas carreira."

Antes de mais nada, alerta Abel Rocha, "é preciso acabar com essa mentalidade de que ópera tem de ser um espetáculo muito caro". De fato, trabalhando apenas com os recursos disponíveis nos corpos estáveis de um teatro como o Municipal de São Paulo, haveria condições para que se montasse temporadas ágeis e pouco onerosas. "O problema", lamenta Abel, "é que, no Brasil, tudo o que é feito é jogado fora". E isso, infelizmente, é a dolorosa verdade. Por falta de depósito para estocagem, o Municipal de São Paulo tem de literalmente destruir os cenários, uma terminada a temporada da ópera. Foi o que aconteceu em 1995: foi preciso jogar fora os dispositivos cênicos de Naum Alves de Souza para Os Pescadores de Pérolas de Bizet – montada por Jamil Maluf – para abrir espaço no palco aos cenários da produção seguinte, o Ievguêni Oniéguin de Tchaikóvski.

"Uma saída seria a criação de um Opera Estúdio, que possa dar ao público temporadas regulares. Do jeito que está, o público não consegue transformar em rotina ir ao teatro para ver ópera, e o artista não tem a possibilidade de se formar direito. Por exemplo: um tenor que cante a Traviata em São Paulo pela primeira vez, não terá a chance de voltar a cantar o papel em muitos anos. Assim, cada vez que ele canta, é como se fosse uma estréia. E é bobagem dizer que não há público para repetir o mesmo título, junto com outros novos. No caso da Traviata, se você montar três elencos, dá chance a mais artistas e, se ficar em cartaz durante dois meses, vai ter público para todas as récitas."

Mas a situação da ópera no Brasil, na opinião de Prazeres, "está ainda menos desconfortável do que a da música de concerto – porque os teatros das grandes capitais, geralmente mantidos por governos estaduais, dedicam-se prioritariamente à ópera e ao balé. Ainda bem que as temporadas dos Municipais do Rio e São Paulo, dos festivais de Manaus e Belém do Pará, do Castro Alves de Salvador, mantém viva a tradição da ópera".

Deixemos a palavra final a Abel Rocha, que aponta para um ponto crucial, do qual talvez dependa todo o resto: "Quando se pensa em soluções, é preciso falar, antes de mais nada, em educação, em formação musical. O ensino de canto orfeônico ou de iniciação musical não existe mais. Foi trocado pelo aborto chamado Educação Artística. São pedagogos do nada, que não conseguem criar o interesse da criança naquilo que estão ensinando. As pessoas só consomem aquilo que, de alguma forma, conseguem reproduzir. Ou aquilo com que conseguem se relacionar." Daí, decerto, a atitude, tão comum em certas pessoas, de dizer que não gosta de música erudita "porque não entendo nada disso" – esquecendo-se de que não há necessidade de estudos complexos e aprofundados para isso...

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor.


Lauro Machado Coelho
São Paulo, 13/5/2002
Mais Lauro Machado Coelho
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
23/1/2003
08h40min
Achei o texto muito interessante, com o mesmo nível de erudição demonstrado pela excelente coleção de Lauro Machado. E gostaria de solicitar um favor: eu tinha o e-mail do Lauro até recentemente, mas tive um problema com meu PC e o perdi. Vocês poderiam me enviá-lo, por favor? Obrigado pela atenção
[Leia outros Comentários de Alexandre S. Martins]
3/5/2003
12h42min
Excelente ensaio, este do Lauro Machado. Como profissional residente no exterior, fiquei com uma visão de conjunto sobre as mazelas e os acertos da música de concerto no Brasil. Não seria o caso de haver uma suite atualizada do autor sobre o mesmo tema?
[Leia outros Comentários de Gilda Oswaldo Cruz]
17/5/2003
11h53min
Acabo de ler pela 2ª. vez o excelente texto de Lauro Machado Coelho, que esta me ajudando a preparar um trabalho dirigido a formação de platéias para musica erudita.
[Leia outros Comentários de Luiz Dividino]
28/8/2004
09h55min
Gostei muito do texto. Não sou ouvinte de música erudita, mas tenho um filho músico, e por isso resolvi trabalhar com meus alunos sobre música. Usei um CD de clássicos para crianças para apresentar-lhes um novo "estilo" musical, pois eles só têm ouvidos para funk, pagode e rap. Houve resistência no início como: "Cadê a letra? Que música é essa? Essa música é difícil de ouvir, professora!" Aprendi quase que junto com eles a apreciar a musica erudita. Escuto no rádio do carro. Li para eles a vida de alguns personagens famosos, o que fez com que eles se identificassem com eles mais ainda, pois tinham histórias de vida difíeis e dramáticas. E agora eles já começam a apreciar a música, a ser mais sensíveis, a pedir aos colegas silêncio para poder ouvir. Quando colocava dava a eles uma folha de papel onde pudessem expressar o que sentiam, do que se lembravam. Ao ler este texto, percebi que se houvesse um projeto onde a música clássica fosse apresentada desde cedo às crianças poderíamos despertar novos talentos, como nos tempos dos personagens antigos. Portanto há luz no fim do túnel. Meu filho tem me auxiliado nesse projeto, que inicialmente era para ensinar a ler e escrever. As crianças compõem músicas, vão aprender um pouco sobre notas musicais, conhecer um teclado, manipulá-lo e quem sabe...? Tenho vontade de levá-los a assistir um concerto de música clássica. Tenho tentado de alguma forma dar-lhes a oportunidade de apreciar esse tipo de música que, como alguns deles, definem, é relaxante, boa de ouvir, acalma...
[Leia outros Comentários de Soraia Xavier Louro]
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