Entrevista com Ricardo Freire | Digestivo Cultural

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ENTREVISTAS

Segunda-feira, 2/3/2009
Ricardo Freire
Julio Daio Borges
+ de 37800 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Ricardo Freire nasceu em Porto Alegre, em 1963. Trabalhou com publicidade mais de duas décadas — é criador do bordão "Não é assim nenhuma Brastemp" —, mas terminou igualmente conhecido como cronista do Jornal Tarde (coluna Xongas) e como autor de livros e guias de turismo como Viagem na Viagem (1998), Freire's Brasil Praias (2001), 100 Dicas para Viajar Melhor (2008) e 100 Praias que Valem a Viagem (2008). Atualmente, mantém uma coluna na revista Época e um blog no portal de viagens da editora Abril.

Nesta Entrevista, Ricardo conta como editou seu primeiro livro com a ajuda de Washington Olivetto e Pinky Wainer. Refaz sua trajetória no
JT, rememora sua ida para a Época e reconstitui o processo de composição de seus principais guias em papel. Trata, ainda, das suas iniciativas na internet — desde antes da bolha até seus blogs, passando por seu domínio freires.com.br.

Comparando os diversos meios, opina: "Na internet, você escreve do tamanho que quiser, e o
deadline não existe". Comenta uma de suas especialidades (o live blogging): "Ao transmitir uma viagem ao vivo, você não tem como não se entregar". E se assume como turista vocacional: "Nem sempre que estou feliz, estou viajando; mas sempre que estou viajando, estou feliz". Para fechar, reserva uma dica aos marinheiros de primeira viagem: "[Mantenha uma 'casa própria' na internet:] é facil, é grátis — e, se você encontra a sua turma, pode aprender uma ou outra coisa que as redações não vão te ensinar..." — JDB

1. Ricardo, eu te conheci através da coluna Xongas, que você mantinha no Jornal da Tarde. Era meu pai, assinante do JT, quem sempre me recomendava seus textos. Lembro que você publicava, loucamente, três vezes por semana. E lembro, ainda, que aquele humor, em 2000 e pouco, foi uma inspiração para nós, aqui, no Digestivo Cultural. Sei que sua carreira não começa com a Xongas, mas queria que falasse dessa sua passagem pelo meio jornal — foram três anos, não foram? Se não me engano, você passou, antes, pela VIP (como editor de viagem), pela Viagem e Turismo (com quem mantém, ainda, uma relação), mas acabou se fixando na Época (de 2004 até hoje, certo?). Seu negócio — em papel — é mais revista do que jornal?

Julio, apesar de colaborar com a imprensa há dez anos (comecei na Vip em 1999), eu tenho pouquíssimas horas de redação. Se não tivessem inventado o e-mail, provavelmente eu estaria até hoje na publicidade... A propósito, eu não teria chegado à imprensa se não fosse a publicidade. A Vip me inventou como editor de viagem graças ao Washington Olivetto, meu patrão na época, que recomendou capítulos do meu primeiro livro, o Viaje na Viagem, a diretores de redação que eram seus amigos. O livro saiu retalhado em várias revistas de grande circulação (o Nirlando Beirão publicou um capítulo na Playboy, a Márcia Neder, na Nova, o Marco Antônio Resende, na Vip), e foi assim que eu acabei estreando na Vip.

No jornal, foi parecido. O grande Murilo Felisberto, um dos inventores do Jornal da Tarde, e que tinha passado um tempo na publicidade, estava voltando ao JT. Tínhamos trabalhado juntos na DPZ, quando lhe mostrei algumas crônicas que eu tinha publicado em Porto Alegre, numa revista efêmera chamada Wonderful. Ele cometeu o desatino de me inventar como cronista, e eu tive a petulância de aceitar. Foram dois anos trepidantes — escrever três vezes por semana é como manter um blog, só que sem as liberdades que o blog permite (duas delas: na internet, você escreve do tamanho que quiser, e o deadline não existe). Para minha sorte, na reestruturação do Grupo Estado, o Murilo precisou pôr o cargo à disposição, e eu aproveitei para sair junto. Meses depois eu levei a Xongas para Época, toda semana. Agora eu só estou cronicando no Guia do Estadão, semana sim, semana não, revezando com o meu chapa André Laurentino.

2. Para não confundir a cabeça do leitor, vamos começar pelo começo agora. Você é publicitário, por formação, e trabalhou mais de 20 anos na área, antes de abraçar o turismo, escrevendo sobre ele, full time, de corpo e alma etc. (por favor, me corrija se eu estiver errado). Você aparece com o Viaje na Viagem, livro que, no ano passado, completou 10 anos. É seu primeiro volume, mas ele sai logo pela editora Siciliano (que tinha uma das maiores redes de livrarias, na época), com capa da Pinky Wainer e recomendação do Washington Olivetto... Então, eu queria saber desse salto — de publicitário bem-sucedido (afinal, o bordão "Não é assim nenhuma Brastemp" é seu) para autor de guias... Era uma questão de estar no lugar certo, na hora certa, sendo a pessoa certa (e conhecendo as pessoas certas)?

Eu tenho até vergonha de dizer como eu fui publicado pela primeira vez. Muita gente talentosa passa a vida inteira tentando ser publicado, e no meu caso foi supersimples — uma daquelas ocasiões em que a montanha vem ao profeta. A Pinky Wainer tinha sido contratada pelo Pedro Paulo de Sena Madureira para editar livros escritos por "não-escritores" que fossem especialistas em algum assunto. Não era um selo nem uma coleção específica. A Pinky editou um livro de noivas com o Ronaldo Esper, uma história da noite moderninha paulistana com a Erika Palomino, o primeiro livro de receitas da Carla Pernambuco... Eu sou amigo da Carla. Uma noite, no Carlota, depois da terceira caipiroska, eu disse para a Pinky que eu tinha um projeto de livro na cabeça. Contei mais ou menos o que era — uma coleção de reflexões e dicas para o viajante, escritas com humor — e ela disse: "Põe o esqueleto no papel que eu vendo pro Pedro Paulo". E assim se fez...

3. Vamos tentar manter a linha do tempo... Seu Viaje na Viagem é bem-sucedido, você passa às revistas, ainda lança o Postais por Escrito (1999) mas só volta com outro projeto ambicioso, a meu ver, em 2001, que é o Freire's Brasil Praias. Na época, eu li inteiro, adorei e resenhei. Já te falei, várias vezes (até ao vivo), mas vou repetir, aqui, para mais pessoas saberem... O título remete, imediatamente, ao Fodor's e a outros nesse estilo — seu desejo era lançar "outros Freire's" ainda na década dos 2000? Lembro de você contar que viajava exaustivamente, a fim de conferir informações, voltando às mesmas praias... Com muita habilidade, você transformou sua coluna, no JT, num blog (antes dos blogs), e ia registrando o making-of... Atualmente, você revisita o tema, com o 100 Praias que Valem a Viagem (2008), mas a abordagem é menos "de imersão" que no Freire's, não é?

O Freire's foi um projeto maluco, que eu levei mais de dois anos só fazendo o campo. Saí da publicidade, fui à falência, voltei à publicidade trabalhando remotamente (fiz um acordo com a Lew Lara em que eu ficava dez dias por mês em São Paulo, e os outros vinte trabalhando por e-mail), fui à falência de novo, voltei à publicidade em tempo integral... Daí achei que o campo de um ano e meio já tinha "vencido", e passei mais seis meses viajando todos os fins de semana para fazer a atualização do livro ainda não-lançado. Gastei duas fortunas, he he he, mas essa base acabou me servindo para tudo o que escrevi sobre praias desde então.

Entre o Freire's e o 100 Praias..., eu percorri a costa brasileira mais duas vezes (a do Nordeste, quatro), seja para atualizar o Freire's on-line, seja para fazer matérias ou edições especiais para a Viagem e Turismo. A ideia do 100 Praias é ser mesmo um resumo objetivo; escrevi com o espírito de guia de bolso — a Globo é que não gosta de corpo pequeno, então o livro acabou ficando grande :-) Ele está organizado em torno de praias, não de destinos, porque esta era a única maneira de eu não me repetir... Achei também melhor ser mais seletivo nas dicas de hospedagem, alimentação e programas. É um guia só de "filé". Quando falei dele no blog, apresentei o projeto como "o Freire's do Moraes"... :-)

4. Aí chegamos no seu projeto de transpor o Freire's para o freires.com.br. Você registra um domínio e vai transferindo, pouco a pouco, tudo o que acumulou, para a internet. Parece uma ótima ideia: não ficar, apenas, no guia físico, mas converter as principais informações em verbetes — de modo a conservar a ideia viva e não envelhecer como tantos outros guias... Recentemente, passei lá e vi que você montou mais guias a partir desse primeiro (ou dessa primeira ideia): Nordeste, Resorts e Superbangalôs. Queria que contasse se a história foi essa mesmo — ou se você tinha outras ambições para o freires.com.br. Pessoalmente não vejo muitos sites de turismo, no Brasil, fazendo o que você faz (sozinho). A inspiração veio de fora ou, como nas outras vezes, você abraçou a ideia e seguiu adiante?

Na verdade o Freire's começou on-line. Em julho de 99, no auge da bolha da internet, arranjei duas sócias para fazer o primeiro guia de viagem pelo Brasil na internet e, consequentemente, ficarmos os três "quaquilionários" instantaneamente. Um arremedo de site (com praias de Rio e Bahia) chegou a entrar no ar. Quase entramos para o menu do Zip.net (pré-venda ao Uol). Eu tirei meu corpo fora quando recebi, num hotel em Vitória, o contrato: eram quase três metros de fax, e eu teria que me responsabilizar judicialmente por qualquer informação veiculada. Terminamos a sociedade e, quando vi que não valeria a pena reeditar o Freire's de papel (as duas impressões venderam 6 mil livros, o que não cobriu nem aquelas viagens de fim de semana que eu fiz para atualizar o livro antes de sair...), resolvi voltar com o guia na internet.

Consegui que me criassem um template que eu mesmo pudesse alimentar, tirei 30 dias de férias no Nordeste, e em 2003 "subi" a versão atualizada de 40 destinos nordestinos. Parei de atualizar em meados de 2004 (essas novidades que você encontrou no site são dessa época, he he he). Não me lembro de ter copiado nenhum guia específico; construí o Freire's (tanto o impresso, quanto o on-line) pegando o que me agradava mais em vários guias (sou rato de guia de viagem).

5. Agora chegamos ao blogueiro Ricardo Freire. Repito que, para mim, você é blogueiro — e dos bons — desde a Xongas, mas, pelo que pude averiguar, só assumiu a atividade mesmo em 2003... De maneira independente; depois, em 2007, virou "problogger" da Abril, estou certo? Você me contou, também, que é tão maluco (como blogueiro) a ponto de, quando está viajando, estabelecer uma rotina para escrever, levar fotos ao ar, filmar e — bobeou — até gravar videocasts... Numa pessoa, como você, que tem esse desejo, iminente, de trocar informação, o blog (hoje, já falam em "lifecasting") pode ser tanto um prazer inenarrável quanto uma arma letal (we're blogging ourselves to death)? Eu não sou blogueiro, muito menos profissional, mas, usando o Twitter (por exemplo), sinto que poucas coisas são tão excitantes — de reportar — como a vida real. Para você, é igualmente verdade?

Concordo com você que a Xongas do JT já era um blog. Imagine a situação: um sujeito com o cargo de diretor de criação numa agência de publicidade importante, usando a hora do almoço três vezes por semana para escrever uma crônica de 3,5 mil toques que precisava estar pronta antes das três da tarde para ser ilustrada... Foi ali que eu achei a minha voz de blogueiro, que só fui usar anos mais tarde. Como cronista, de vez em quando eu ainda usava uma voz neutra de narrador (às vezes até saía uma ficçãozinha). Mas, ao transmitir uma viagem ao vivo, você não tem como não se entregar.

O valor do que você escreve está justamente em exprimir como aquele lugar está mexendo com você naquele momento. Além disso, minha experiência mostra que os insights que eu tenho durante a viagem são muito melhores do que qualquer coisa que eu venha a produzir depois — então blogar ao vivo, no meu caso, é uma técnica, não um estorvo.

Abri o blog no Zip.net, na virada de 2004 para 2005, para transmitir uma volta ao mundo de um mês (escrevi umas coisas ao vivo na Cidade do Cabo e em Tóquio, de que me orgulho bastante). Em meados de 2006 me mudei para o WordPress, num período em que viajei pouco, mas me vi no centro de uma comunidade de viajantes — muitos deles acabaram abrindo blogs por causa do meu. Depois que fui para a Abril, em novembro de 2007, voltei a viajar mais e a blogar ao vivo da estrada. Mas dá muito trabalho.

Ano passado passei três meses na Europa (parte de um apê que eu vendi; não, não foi a Abril que pagou...) e foi raro o dia em que consegui sair de casa antes do meio-dia, uma da tarde, por conta da manutenção do blog.

6. Ainda no blog, eu gostei da ideia do "Perguntódromo"... Porque, na internet, é o que a maioria das pessoas faz mesmo. Aqui, no Digestivo, é direto... Às vezes parece que o sujeito pega o título de um texto e transforma em pergunta (só pelo prazer, sádico, de nos infligir a pergunta)... Brincadeiras à parte, seu penúltimo livro tem esse formato também, afinal são 100 Dicas para Viajar Melhor (e uma lista de perguntas que eu prefiro indicar via link). E, na Época, você passou da "velha" Xongas para esse formato, já clássico, de perguntas-e-repostas (FAQs). A impressão que dá é que todo mundo tenta veicular as próprias ideias, no começo, mas, com o passar do tempo, rende-se aos "perguntelhos" mais insistentes... Fale-nos dessa experiência. Até porque, no seu caso, tem um outro lado interessante: o "Perguntódromo" pode se revelar, igualmente, uma fonte inesgotável de respostas...!

Numa de suas reformulações editoriais, a Época não quis ter mais coluna de humor, então eu naturalmente acabei sendo aproveitado como especialista em viagem. Devido ao espaçamento entre uma coluna e outra (agora eu escrevo uma vez a cada três semanas), penei para encontrar um tom e uma sequência lógica de assuntos, então pedi para seguir o formato da coluna do Max Gehringer. A coisa funcionou e virou o padrão do espaço (eu revezo com o Marcio Atalla, que fala de saúde e forma física, e o Mauro Halfeld, de dinheiro).

O Perguntódromo, que eu inventei no viajeaqui, é uma gambiarra para suprir falhas da ferramenta, que é muito antiga. É um jeito de fazer um fórum sem a estrutura de fórum. A vantagem é que — como está na capa do blog — é muito frequentado, e os consulentes (he he he) ganham respostas rapidinho. A desvantagem é que as perguntas e as respostas não são armazenadas em nenhum lugar pesquisável, e acabam se repetindo à exaustão.

De vez em quando, eu perco a paciência com os preguiçosos (que não pesquisam o suficiente antes de perguntar), e com os fraudulentos (acredito que uns 10% das perguntas sejam falsas). Então, hoje eu tenho me desobrigado de responder a todas as perguntas; resolvi que vou usar mais meu tempo para gerar o conteúdo que responda às perguntas mais frequentes e seja fácil de achar, no site ou via Google.

7. Falamos muito nos formatos, na sua carreira como autor de guias e até na sua estreia — mas eu queria voltar, ainda, um pouco. De onde vem esse seu, digamos, vício em colecionar destinos? Porque eu conheço muitas pessoas que viajam — e, entre essas, muitas pessoas que tem a viagem, em si, como prazer —, mas você parece respirar viagens e, a meu ver, só volta para a civilização (ou para um lugar que chame de "casa") porque não tem mesmo outra forma... Do contrário, emendaria um destino no outro, transmitindo via blog, editando livros pelo caminho, atualizando o site (e a coluna) quando sobrasse um intervalo... De onde vem esse gosto? É de família? É de algum parente distante? Os Freires — digo, os originais — sempre foram como você (com o pé, virtualmente, na estrada)?

Acho que é genético. Meu pai era sergipano; minha mãe, gaúcha de Passo Fundo. Meu pai, bancário, desabou no Rio Grande do Sul, querendo encontrar um jeito de ir para a Argentina, porque queria ganhar a vida tocando piano (ele adorava tocar tango). Conheceu a minha mãe, casaram-se seis meses depois, e nos primeiros 30 anos de casamento mudaram de cidade 16 vezes. Tenho uma irmã catarinense, um irmão sergipano, uma irmã brasiliense e outra gaúcha.

Nasci em Porto Alegre, e até os doze anos morei também em Aracaju, no Rio e em Brasília. Comecei a trabalhar aos 18 anos, e nas primeiras férias que tirei com o meu dinheiro, no verão de 1983, fiz um crediário na Varig e emiti uma passagem Porto Alegre-São Luís-Fortaleza-Natal-Recife-Maceió-Aracaju-Rio-Porto Alegre (João Pessoa ficou de fora porque não havia vôo de Natal...).

Em 85, antes de emigrar para São Paulo, fiz um mochilão de quatro meses pela Europa. Já em São Paulo, em 86, acabei juntando os trapos com o Nick, que também é um cara apaixonado por viajar, e começamos a ir juntos para lugares exóticos. Hoje ele e a minha irmã Cristina (a brasiliense) são as únicas coisas que me prendem a São Paulo. Se eu pudesse, ficava o tempo todo fora. Digamos assim: nem sempre que estou feliz, estou viajando. Mas, sempre que estou viajando, estou feliz... :-)

8. E eu não poderia deixar que seu estilo escapasse de uma pergunta. Também te admiro porque — embora tenha passado por jornais, revistas e até portais — conseguiu manter seu estilo ileso, publicando sempre nele (independente do meio) e brigando muito (imagino) para ele não se perder pelo caminho... Claro, você tinha bons amigos desde o começo — como o Washington e a Pinky — , mas, mesmo assim, qual foi a receita para preservar sua "primeira pessoa" e poder depurar, ao mesmo tempo, esse estilo desde 1998? Afinal, a primeira pessoa está morrendo na imprensa-impressa (junto com a própria); e a primeira pessoa está perdendo a graça na internet (porque hoje os estudantes são praticamente alfabetizados nela)... Enfim, como ser "pessoal" no meio da "impessoalidade" (velha mídia) e como ser "pessoal" no meio da "falta de privacidade" (nova mídia)?

Rapaz, acho que, como eu caí de pára-quedas (vou resistir ao acordo do Houaiss até o último instante possível) no jornalismo, as pessoas me deixam ser do meu jeito mesmo. Se eu tivesse começado na imprensa pelas vias normais, certamente eu teria sido "reformatado". Mas, no geral — as exceções são tão raras que não dá nem para eu me queixar —, eu nunca precisei brigar para manter meu estilo no jornalismo, não. Pelo menos não como na publicidade, onde cada vírgula do que você produz é questionada por gente que não sabe nem o que é vírgula... :-)

Quanto à questão da personalidade/privacidade, eu acho que escrever na primeira pessoa na velha mídia ou blogar na nova mídia não é muito diferente de participar de um Big Brother: você cria um personagem, bem parecido com você, mas um pouquinho melhorado. De vez em quando — sobretudo no calor da internet —, você entrega um pouco mais do que gostaria. Mas, no fim das contas, eu acho que saio no lucro. Minha "persona blogueira" é muito mais extrovertida do que eu jamais serei na vida real.

9. Falamos, de certa forma, do jornalismo. Queria aproveitar e pedir para que você falasse, também um pouco, sobre a publicidade. Sei que foi seu trabalho (mesmo) por mais de duas décadas e que você não emite muitas opiniões a respeito — mas, talvez por isso mesmo, fosse interessante ouvir uma opinião sua.... Eu não sou publicitário, mas vejo, como todo mundo na área de comunicação, uma mudança, que é majoritariamente puxada pela internet — aquela história de ninguém mais ser "consumidor passivo de mensagens", de todo mundo (incluído digitalmente) ser "emissor", das marcas terem caído "na boca do povo"... O que você pensa dessa história toda? O jornalismo, a meu ver, enfraqueceu-se muito com a revolução on-line — hoje o jornalista se realiza apenas se conseguir passar a mensagem dele adiante... Você acha que vai acontecer a mesma coisa com a publicidade?

No meu ententer, o que mudou da publicidade do "meu tempo" para agora é que, no "meu tempo", o que aparecia eram as campanhas. Uma marca caía na boca do povo porque a sua campanha de propaganda era memorável, repetível, gostosa de assistir. Hoje o que aparecem são as marcas, independentemente do que estejam dizendo de forma específica na TV ou em qualquer meio. As marcas se comunicam de maneira mais orgânica e pulverizada — a coisa perdeu a graça para quem faz e quem assiste. Acho que antigamente você se rendia a uma marca que fazia uma comunicação inteligente, engraçada ou emocionante. Hoje a comunicação ocorre de maneira mais subliminar — você não identifica de onde veio o impulso para você gostar daquela marca.

O lado positivo é que hoje é muito difícil para a publicidade "fabricar" a imagem de uma marca. Ou a marca vem bem pensada "de fábrica", ou vai fracassar...

10. A última pergunta é meio "tradicional" aqui, mas eu queria misturar com toda essa sua experiência multimídia. Indo direto ao ponto: se você fosse começar essa jornada de mais de dez anos, em 2009, faria tudo de novo — livro, revista, guia, site, blog, "problog" etc.? Sei que não existe uma ordem certa, e que cada formato proporciona um tipo de aprendizado, mas, se fosse aconselhar alguém, escolheria alguma plataforma em especial? E qual deve ser a formação de uma pessoa que vai se dedicar à área de turismo (como você sempre se dedicou)? O que acha, por exemplo, das faculdades? Trocaria, sei lá, sua formação em publicidade por uma específica em turismo? (Nunca te chamaram para dar aulas?) Resumindo a ópera: o que te ajudou e o que te atrapalhou — o que você indicaria e o que você deixaria para trás?

Como você disse, cada formato proporciona um tipo de aprendizado. Eu não desdenharia nenhuma oportunidade nas plataformas impressas. Mas manteria, paralelamente, uma casa própria na internet. É fácil, é grátis — e se você encontrar sua turma, pode aprender uma ou outra coisa que as redações não vão te ensinar. Quanto à faculdade — eu não aprendi nada na Faculdade de Comunicação, então trocaria aqueles anos por qualquer curso... Não conheço o currículo das faculdades de turismo, então não tenho autoridade nenhuma para opinar. Mas não sei se eu seria um bom professor, não... :-)

Para ir além
Viaje na Viagem


Julio Daio Borges
São Paulo, 2/3/2009

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
4/3/2009
09h40min
Parabéns.
[Leia outros Comentários de Maria Lina]
4/3/2009
12h51min
Excelente entrevista! Mas sou até suspeita, pq sou fã do Ricardo Freire desde que descobri o "VnV" há alguns anos...!
[Leia outros Comentários de Adriana Cavalcanti]
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