Noga Sklar — arquiteta, turma de 76 da Santa Úrsula — é vanguardista, desde os anos 80, quando participou da criação da Polén Design, do bar Graal e do SubClube (todos no Rio de Janeiro). Trabalhou com Ron Arad em Londres, ainda nessa década, e começou a escrever no final dos anos 90.
Depois de conhecer seu marido através da internet, lançar um blog, um romance e um livro de crônicas (todos nos anos 2000), fundou, com ele, a KindleBookBr — a primeira conversion house do Brasil, especializada no formato da Amazon.
Nesta Entrevista, Noga Sklar fala das vantagens de se publicar em formato eletrônico. Também do que considera o "presente" (e, não, o futuro) do escritor. Revela que recebe mais em direitos autorais hoje do que antes recebia. E prevê grandes transformações nas edições em papel, nas editoras "pré-Kindle" e mesmo nas livrarias... — JDB
1. Eu descobri, pela internet, que você esteve na vanguarda, desde os anos 80, no Rio... — acha que o espírito vanguardista pode ter te levado ao Kindle?
Foi mais o que há por trás de um "espírito vanguardista", eu acho: a inquietação, a curiosidade e a disposição de ralar, desvendar a novidade. E, no caso do Kindle, algo mais precioso: milhares de livros ali, na hora, bem ao alcance da mão, por um preço acessível e sem sair da minha casa no mato...
Há um preço por se estar na frente: é preciso convencer muitas pessoas de que o que a gente faz não é só criativo e competente, mas necessário, essencial à sobrevivência profissional do cliente (risos).
O que me lembra como foi optar por trabalhar em casa, há 20 anos: todo mundo acreditava que eu estava "desempregada" e eu só produzindo, confortável e desencanada.
Mas foi o "100% digital" da sua pergunta que me possibilitou a realização de um sonho antigo: dar à luz (no caso, à tela) livros de qualidade, desde a capa até a impecabilidade do texto — começando pelos meus, claro —, e poder colocá-los no mercado em igualdade de condições com as grandes editoras. Tudo isso... através do computador — imagine —, podendo estar ativa 24 horas por dia (se for preciso), permanentemente em contato com clientes e colaboradores...
3. O editor do Verdes Trigos — com quem a sua editora KindleBookBr tem uma parceria — me contou que seus livros vendem mais eletronicamente do que em papel, é verdade?
É verdade, sim. Veja: como autora, eu sempre lutei contra a maré. Há quem diga que a minha postura literária — absolutamente aberta, transparente e confessional — é uma ameaça à sanidade nacional...
E, embora de livro em livro eu venha paulatinamente subindo no ranking, nunca me encaixei de fato nas regras do "comercial", nem tive a distribuição que merecia (que qualquer bom autor mereceria também)...
Mas, na Kindle Store, a história é outra. Só de estar lá você tem à disposição o melhor esquema de marketing on-line de que se tem notícia, e encontrar seu leitor só depende de você, do seu carisma, da sua simpatia: é aí que a coisa pega, não é? (Brincadeira.) E depende do seu apelo literário, claro. Você pode pegar qualquer leitor pelo interesse da "amostra grátis", e nem precisa ter um Kindle para se ler um Kindle book: qualquer um pode baixar o software no PC (é grátis), ou no iPhone, iPod etc.
E do clique à compra é um pulo: quer dizer, um mero toque, esteja você onde estiver, na praia, no bar, no trabalho, no trânsito engarrafado, na sala de espera do cinema, no banheiro da sua casa, sabe como é...
E o fato é que, como blogueira, me sinto à vontade no mundo on-line — põe aí uma ênfase na palavra "mundo", pois é isso mesmo: estando on-line você está no mundo, livre de todas as amarras territoriais (bem, de quase todas) — e, no meio eletrônico, estou no meu elemento, entende? Sei como a coisa funciona e, além do mais, agora a gente ficou livre do atravessador, ops, distribuidor...!
4. Você me disse, pelo telefone, que não leu mais nenhum livro em papel depois do Kindle. Não tem medo de ser chamada de "xiita", pelos defensores do tato, do paladar, do olfato?
Mas eu sou xiita ao contrário! Como vou me aborrecer? Eles, que são dinossauros, que se entendam, não? E, cá entre nós, não estou interessada em comer, tocar ou cheirar livros, mas na leitura do que eles contêm... Aliás, uma questão de gosto, de paladar mais apurado (risos).
5. Achei interessante você chamar a "ficção autobiográfica" de "estilo contemporâneo", no seu CV. Acredita que é um tipo de "ficção" quase natural hoje em dia (digo, numa época em que as pessoas estão se expondo mais)?
Julio, vou ser curta e grossa: literatura não é jamais "natural". É sempre trabalhada, cuidadosamente elaborada, uma arte. Não acredite em nada diferente disso. Agora: a experiência vivida foi desde sempre a melhor, mais confiável fonte de assunto para bons livros, só que antes ninguém confessava isso (pronto, confessei). Contemporânea é a postura mais transparente, mais exposta, como você disse. Adoro, porque sempre fui assim...
6. Eu fiquei interessado na história sua e do seu marido, norte-americano — vocês se conheceram através da internet etc. No início, era vergonhoso; depois, virou "normal"; agora, é literatura?
Acho que já respondi na pergunta anterior. Modéstia à parte, a literatura está no talento de quem escreve, e, quanto mais vergonhoso o relato, melhor, não? Eu disse vergonhoso, não "envergonhado". Olha aí, um exemplo: embora o dicionário afirme que sejam uma mesma coisa (o amor nunca é vergonhoso, só envergonhado, às vezes — e é isso que atrapalha tudo...).
Mas é bem verdade que o treino intensivo da comunicação "por escrito", praticado na internet por quase todo mundo hoje (até para namorar), é um bom "primeiro passo" para quem já leva jeito. Ou nasceu com o desejo da escrita, coitado (mas aí já virei clichê, não é mesmo?). Escrever é um vício; uma delícia. Quase tão bom quanto se sentir vivo.
7. Você editou suas crônicas em livro, no Kindle. Tendo passado, nesse intervalo, pelo blog. Acredita que o futuro do escritor é misturar — como você — jornalismo, internet e livro eletrônico?
Aí você misturou tudo, vamos separar.
O jornalismo é uma praia diferente, tem aquele compromisso formal com a realidade, embora hoje em dia, a gente sabe, muita coisa que se publica não tem um dedo de verdade, o que é uma pena, polui e corrompe a internet, que é apenas um meio, não uma mensagem.
Já o blog é um caderno de testes e anotações do jeito que sempre existiu, só que agora público, prático, interativo e aberto para palpites. O que não exclui o trabalho extenso para transformá-lo em livro, através da seleção de textos, das habituais centenas de releituras e dos cortes que delas resultam: apenas o enriquece, dá uma nova dimensão e uma boa mãozinha na divulgação.
O livro eletrônico, por outro lado, facilita bastante o acesso do autor a seu público leitor, por questões de custo, agilidade, disponibilidade, etc. Nada disso exclui o editor, mas amplia, democratiza o processo de publicar e diminui o risco financeiro de fracassar, o que para ambos, autor e editor, é um alívio, eu acho. Dá mais vontade de arriscar.
Isso tudo, aliás, não é, como você disse, o futuro do escritor: é o presente.
8. O que acha que vai acontecer com as editoras de livros de papel?
Vão continuar a ser editoras de livros: todo escritor precisa de editor. Mas pode cortar o "de papel", isto é, vão ter que se adaptar para sobreviver, ampliar sua visão e eliminar o apego a formatos.
O processo de edição continua igual, com a mesma atenção dispensada ao enredo, à revisão, à originalidade, etc. Só o output é que é diferente: em vez de mandar o livro pronto para a gráfica, basta enviá-lo por e-mail para a agência de conversão, um novo tipo de empresa especializada que responde à constante necessidade de atualização do mercado editorial.
É claro que haverá, neste momento, um importante investimento inicial para converter os catálogos existentes: a KindleBookBr está aí pra isso.
Já "risco de vida", em curto prazo, correm as gráficas e os distribuidores: o livro de papel, embora eu não acredite que tão cedo desapareça como querem os mais radicais, vai virar raridade, com certeza. Outra coisa condenada à extinção é o estoque físico. Todo livro impresso o será "sob demanda", só depois de comprado e pago, conferido na tela e a pedido do cliente, isto é, do leitor.
9. E as livrarias, o que você acha que vai acontecer com elas?
Vão se adaptar também, né? Tendem a virar pontos de encontro, locais de palestras, festas de lançamento de livros (mas, peraí, o autor vai assinar o quê?), debates literários, essas coisas: sua sobrevivência diária vai depender diretamente da qualidade do cafezinho (risos).
Ou da impressora instalada in loco para a imediata produção, a pedidos, do objeto livro: um item caro, raro, precioso e tradicional (digno de museu). E para isso, sejamos francos: basta um quiosque num corredor de shopping, não é mesmo?
10. O livro eletrônico pode ser a volta da remuneração de quem escreve (que se viu desvalorizado depois que a internet tornou quase tudo "grátis")?
Tô esperando que sim, e faz tempo, cansei de dar de graça, se é que você me entende. Já estou louca para disponibilizar meu blog de crônicas no Kindle, por exemplo, só para assinantes, mas bem baratinho, claro: um real por cabeça todo mês (multiplicado pelas 577 mil visitas mensais do Digestivo, faz a conta aí)...
E já que tocamos no delicado (e vergonhoso) assunto do dinheiro, compare os 35% de royalties pagos mensalmente ao autor pela Amazon com os magros 7 ou 8% pagos pelas editoras tradicionais (duas vezes por ano).
Nós, na KindleBookBr, fazemos jogo limpo, transparente, contemporâneo: cobramos pelos serviços de edição e conversão, mas repassamos os royalties integralmente.
E é justamente na remuneração ao autor que está a grande revolução do livro digital, já anunciada no mês passado pela Amazon (para se defender da feroz concorrência e da pressão dos preços): a partir de junho deste ano, os direitos na Kindle Store engordarão para 70%, imagine. E nós, da KindleBookBr, continuaremos repassando tudo, como sempre — fazemos questão.
Longa vida ao autor, o verdadeiro e justo destinatário, de fato e de direito, do tão suado lucro literário — é no que acreditamos.
Querida Noga, parabéns pelo pioneirismo! O livro digital é realmente o presente. O futuro está chegando cada vez mais rápido e o mundo digital vem possibilitando maior abrangência na comunicação. Não podemos perder essa chance!
Talvez a tarefa de encontrar leitores seja a mais difícil (independente da forma em que um autor seja publicado, ou se torne público), não pela exigência do carisma ou da simpatia, mas porque é necessário ir atrás deles, estar disponível em uma dimensão que extrapola a escrita literária. O marketing exerce a função de poupar o autor de ir ao encontro dos leitores com uma exigência de cativá-los, pois a coisa ocorre de modo inverso, os leitores são atraídos para as obras, ou para os autores, como costuma acontecer, já que ainda se pensa a boa escrita como algo natural, vocacional, fruto de algo misterioso que só alguns possuem, mas isso também afasta as pessoas, mesmo que haja carisma e simpatia no ser real que escreve coisas irreais, ou até mesmo confessionais, como os leitores preferem, porque assim acreditam estar conhecendo o escritor. Mas a evolução faz parte da vida, as pessoas se adaptam às mudanças. Os sentidos se ajustam às novidades, encontram novos meios para apreciá-las.
Parabéns pela reportagem, tanto para a Noga como para o Julio! O assunto é pertinente, claro, objetivo, e muito atual; de fato, o livro digital é o futuro, não o presente ainda, mas chegará lá. Até porque as editoras convencionais se colocam no patamar de deuses, não dão bola para os autores brasileiros, ou pelo menos só dão para os conhecidos, para o Paulo Coelho e outros mais chegados... nem sempre os melhores que existem entre tantos excelentes escritores que não têm nenhuma chance ou oportunidade.
Se não dão oportunidade para os novos, como saber se são bons e que venderão? Já as editoras por demanda são, salvo excessões, arapucas e "caixas registradoras"; cobram e não dão praticamente nada para o pobre autor, que, sem divulgação, distribuição, vê seus livros empoeirando-se nos cantos dos quartos da sua casa.
Então, que venham as editoras digitais, talvez, assim, o Brasil passe a divulgar mais seus escritores, novos e antigos, vendedores ou não. Importa mesmo é a literatura.