Luís Otávio Ribeiro, Daniel Weinmann e Diego Reeberg, fundadores do Catarse
Segundo a Wikipedia, crowd funding (também conhecido por crowd financing, crowd sourced capital, ou street performer protocol) representa a cooperação coletiva por uma rede de pessoas que investem recursos e dinheiro, normalmente pela internet, para patrocinar iniciativas atendendo a diversas finalidades, como o auxílio a vítimas de desastres, patrocínio de iniciativas de jornalismo-cidadão, softwares livres e até campanhas políticas.
No Brasil, a iniciativa do crowd funding na internet ainda é incipiente e são poucos os exemplos de projetos que comprovam a eficácia do sistema. Buscando mudar este panorama, um grupo de amigos fundou o primeiro site de crowd funding nacional focado no empreendedorismo cultural, o Catarse. Luís Otávio Ribeiro, Daniel Weinmann, Diego Reeberg, fundadores da empresa, contam um pouco da história do site, as dificuldades enfrentadas pela distância separando os envolvidos no projeto e dão dicas aos leitores que pretendem ter seus projetos aprovados pela curadoria do Catarse para captar recursos através da audiência do site.
1. O Catarse não é trabalho de uma pessoa só, certo? Quem são os criadores do site e como vocês se conheceram?
Diego ― Criadores do site são 3: eu, o Luís e o Daniel. Eu e o Luís nos conhecemos há 3 anos, somos colegas da mesma turma no curso de administração da FGV em São Paulo. A gente começará a cursar agora em agosto o último ano da faculdade. O Daniel, a gente conheceu por um contato em comum (Rafael Zatti, fundador do siteideias.me, plataforma de crowdsourcing). Eu havia conversado um dia, no final de setembro com o Rafael, via Skype, já que ele mora em Santa Maria, RS, sobre crowdfunding e crowdsourcing (ele, na época, blogava sobre o tema).
Nessa conversa falei pra ele que estávamos trabalhando pra trazer o modelo do Kickstarter para o Brasil. Poucos dias depois disso, houve um evento de empreendedores em Porto Alegre (o Daniel é de lá) onde o Rafael foi. Lá, eles se conheceram e o Daniel comentou sobre o interesse dele em crowdfunding para o Rafael, que acabou falando sobre a gente. Uma semana depois falei com o Daniel pelo Skype, três semanas depois a gente era sócio e, mais adiante (na primeira semana de novembro), começamos a trabalhar no Catarse.
Daniel ― Vale lembrar que hoje a equipe é formada por 6 pessoas. Em abril deste ano anunciamos a fusão com outra plataforma de crowdfunding, a Multidão. Então, o Catarse e a Multidão, agora, formam o Grupo Comum e tem como integrantes, além de nós três, o Rodrigo Maia, Thiago Maia e Pedro Struchiner (do Multidão).
2. O crowdfunding na internet brasileira ainda está em processo de amadurecimento. Qual o diferencial que vocês oferecem no Catarse para os criadores dos projetos em comparação com outros sites, como o Vakinha? E aos colaboradores?
Diego ― Primeiramente, em relação ao Vakinha, é o foco: O Catarse trabalha estritamente com projetos criativos, enquanto o Vakinha pode servir para angariar fundos para uma festa de casamento ou pra compra de um produto. Daí temos que os usuários do Catarse já sabem que tipos de projetos encontrarão no site.
O Vakinha também é um site fundado na ideia de que a arrecadação do dinheiro será praticamente toda proveniente de amigos e conhecidos. Por mais que, no Catarse, a maioria do valor venha dessa rede, muitas pessoas desconhecidas (dos donos do projeto) também acabarão apoiando.
O Catarse assume uma função de "vitrine de bons projetos criativos" que facilita a vida dos apoiadores de um lado, e dá destaque para os autores do projeto de outro. Como nós fazermos a curadoria dos projetos, geramos maior credibilidade para quem for apoiar (pois o projeto precisou passar por uma seleção para estar no site).
Luís ― Mas, lógico, essas diferenças são apenas em relação ao Vakinha. Depois que lançamos, surgiram alguns outros sites de crowdfunding com a proposta como a nossa (como a do Kickstarter, na verdade).
Acho que o grande diferencial é a qualidade e quantidade dos projetos e a comunidade que se relaciona com o site. Por termos bem mais projetos (e também mais projetos bem-sucedidos) do que outras iniciativas, o site tem uma base de usuários grande, já recebeu um volume de financiamento para os projetos bem maior que os outros sites e cresce em um ritmo acelerado. De qualquer forma, pra isso ter acontecido, acho que a curadoria tem um grande peso. Nós já recebemos mais de 400 projetos, mas apenas 41 entraram no site.
3. A influência do Kickstarter está muito presente no Catarse. Vocês também buscaram outras fontes para o modelo de negócio do crowdfunding, mesmo ainda não existindo um conceito para determinar os limites do que seria o "crowdfunding"...?
Diego ― O Kickstarter realmente foi a grande inspiração. A gente discutiu outros modelos, como o do IndieGoGo (que, por sinal, foi lançado antes do Kickstarster), que tem um modelo mais aberto, onde qualquer projeto pode entrar no ar, não há curadoria. O Ulule, site francês, que agora também existe no Brasil, também foi uma grande inspiração. E o Queremos, que produz shows no Rio de Janeiro utilizando o crowdfunding como ferramenta, também está presente nas discussões sobre modelo de negócios porque alia o investimento de pessoas físicas com o apoio de empresas.
4. O que um projeto deve conter para ser financiado pelo público através do Catarse? O processo de seleção tem critérios rígidos ou vocês aceitam projetos de todas as áreas?
Diego ― A gente aceita projetos de várias áreas, mas isso não faz com que o processo seja menos rígido. As três grandes áreas que trabalhamos são de projetos empreendedores, culturais e jornalísticos. Dentro disso, aceitamos projetos de artes plásticas, circo, dança, filmes, fotografia, música, teatro, etc. ― e também para projetos criativos que surjam em campos como alimentação, design, moda, tecnologia, jogos e quadrinhos.
Luís ― Para entrar no nosso processo de seleção, o primeiro passo é ver se o projeto está de acordo com as nossas diretrizes, ou seja: a) tem que ser um projeto finito; b) tem que haver recompensas associadas ao projeto; c) não podem ser causas de caridade. Outro ponto bem importante é conversar com o dono do projeto para conhecer a sua trajetória. A gente também tenta entender como a pessoa moverá sua comunidade (através das mídias sociais ou em contatos off-line) e como fará com que pessoas resolvam contribuir para os projetos. E, por fim, tem também a parte subjetiva, que está mais ligada à qualidade do projeto em si e tem a ver com o nosso gosto para coisas criativas.
Pode-se dizer que os projetos no Catarse são, em grande parte, um reflexo do gosto artístico dos seus sócios (e isso ajuda a gente a manter uma originalidade, já que outras plataformas não conseguirão copiar o nosso gosto).
Daniel ― Alguns pontos importantes sobre o que um projeto deve contar pra conseguir o financiamento: a) o principal, de longe, é o autor do projeto ter paixão por ele. Aí ele vai ter energia suficiente e capacidade para motivar pessoas a apoiarem sua causa; b) transparência e demonstrar habilidade e capacidade para executar o projeto são pontos bem importantes também; c) já ter uma rede estabelecida de pessoas que admiram o seu trabalho.
É bem provável que mais de 50% do que for arrecadado virá de contatos do autor do projeto, logo, se ele não tiver previamente uma rede de contatos que poderão ajudar ele nesse processo, vai ficar bem difícil de ele criá-la durante a campanha; d) saber se comunicar através das mídias sociais, dialogar com pessoas interessadas, divulgar o projeto para as pessoas certas é fundamental; e) elaborar recompensas únicas (difíceis de conseguir de outra forma); f) fazer um vídeo matador (curto, que explique o porquê ―razões e emoções― de você querer realizar aquele projeto).
Enfim, todo autor de projeto tem que se vestir de empreendedor, mesmo que cultural, para conseguir fazer um projeto de crowdfunding acontecer. O site ajuda (principalmente na organização dos pagamentos, em gerar credibilidade), mas o autor do projeto é o grande responsável por concretizá-lo.
5. O Catarse já está no ar faz algum tempo. Quais os erros mais comuns cometidos pelos projetos que não são aprovados para veiculação no site?
Luís ― Achar que pessoas desconhecidas vão contribuir com o projeto logo de cara. Primeiramente, o autor do projeto tem que trazer gente que já confia nele ou no seu trabalho para apoiar o projeto. Para um desconhecido, é muito mais fácil apoiar um projeto depois que 40 ou 50 pessoas já contribuíram.
Daniel ― Nesse mesmo ponto, algo a ressaltar é que, não necessariamente, a campanha deve começar no dia em que o projeto for ao ar. Se o projeto não possui Twitter, página no Facebook, talvez valha a pena ele começar isso 1 ou 2 meses antes do projeto ir pro ar, pra criar um público interessado naquela causa. A afobação em colocar um projeto no ar e captar dinheiro logo em seguida não é algo bom.
Fazer um bom vídeo também é um diferencial. Geralmente os projetos que ficam em destaque no site são aqueles que possuem uma boa qualidade do vídeo (sabemos isso porque são projetos que viram referência para nós e para outros futuros projetos). Percebemos que é um diferencial o projeto estar em destaque no site e que a maioria dos projetos que não foram bem-sucedidos não tinham vídeos maravilhosos.
Diego ― colocar mais de um projeto do mesmo autor no ar ao mesmo tempo também é algo que agora nos parece negativo. Isso aconteceu com um autor, onde os projetos ficaram basicamente pelo mesmo período no site. Por mais que os projetos não fossem estritamente iguais, é possível que algumas pessoas da rede dele tenham resolvido apoiar só um dos dois projetos, sendo que o dinheiro acabou repartido para os dois e nenhum foi financiado. Agora, nós não autorizamos que um autor coloque dois projetos ao mesmo tempo no site.
6. Vocês analisam a adequação dos valores solicitados com o gasto estimado do projeto? Existe alguma exigência ou orientação neste sentido para os candidatos?
Luís ― Quando há uma discrepância muito grande entre o valor pedido e o que a pessoa está se propondo a fazer, a gente interfere. Existe uma orientação. Escrevemos um post para quem pretende colocar um projeto no site, para que a pessoa verifique se estimou todos os custos do que precisa captar.
Diego ― A gente também barra o projeto que requer um valor muito alto e que seria inviável para financiar via crowdfunding atualmente (já que o mercado ainda é pequeno). Ainda mais se o dono do projeto não tiver uma rede muito grande para financiar o seu projeto.
7. O colaborador pode acompanhar no Catarse o andamento dos projetos que foram bem-sucedidos na arrecadação de fundos?
Diego ― O autor do projeto tem um espaço de atualizações (que funciona como um blog) onde ele pode postar novidades sobre o andamento dos projetos. Mas existem autores que preferem continuar essa comunicação via e-mail. É uma escolha deles. A gente não exige nada, mas estimula que esses canais de comunicação sejam utilizados, já que os apoiadores do projeto são pessoas importantíssimas não só por terem financiado aquele trabalho, mas por ajudarem na divulgação dele. E, lógico, também é uma grande satisfação para quem apoiou um projeto saber que ele está acontecendo de verdade.
8. Há alguns meses, Francis Ford Coppola deu uma entrevista ao site 99 percent dizendo: "Talvez os estudantes estejam certos. Deveria ser legal o download de músicas e filmes. Eu sei que vou ser fuzilado por dizer isso. Mas quem disse que arte deve custar dinheiro? Consequentemente, quem disse que artistas devem ganhar dinheiro com a arte?". Qual a posição de vocês, do Catarse, quanto a esta questão da distribuição pela internet de conteúdo protegido por direitos autorais? O Coppola estaria exagerando só porque consegue viver há muito tempo do lucro de uma vinícola em vez do que poderia conseguir com o cinema?
Diego ― Somos a favor de que, se o artista achar que seu trabalho deve ser protegido por direito autoral, ele deve ter essa opção. Acredito que não deva haver ninguém obrigando a dizer que um lado é certo e que o outro é errado. Mesmo assim, a gente acredita que é muito mais inteligente o artista distribuir de graça o conteúdo do seu trabalho, e ser remunerado por serviços. Uma banda que disponibiliza seus CDs de graça na internet, mas ganha dinheiro lotando casa de shows talvez seja o modelo ideal. E isso não é de hoje, né? O The Greatful Dead fez isso durante 30 anos.
Daniel ― Aliás, a gente não só acredita nisso como aplica na prática. O próprio software do Catarse é open source. Após o site ter sido desenvolvido, disponibilizamos ele para que qualquer pessoa no mundo possa desenvolver seu próprio site de crowdfunding. Pode parecer contraproducente, liberar de graça um trabalho de alguns meses que os concorrentes podem usar. Mas consideramos que isso seja mais do que benéfico. Em vez de nos preocuparmos com os concorrentes, tem agora um monte de gente boa mundo afora ajudando a construir um software ainda melhor. E o Catarse passou a ser conhecido internacionalmente por essa iniciativa pioneira.
9. A discussão do momento é a Lei Rouanet. Com a controvérsia sobre a tentativa de aprovação de fundos para o blog da Maria Bethânia, se algum artista consagrado aparecer com um projeto para o Catarse, vai ser aprovado para contribuições dos visitantes?
Luís ― Desde que o projeto passe pela nossa curadoria, sim, sem problemas. O objetivo do Catarse é que mais projetos possam acontecer de forma independente. E o dinheiro aqui não está sendo deslocado do governo, mas sim de pessoas que querem ver aquele projeto acontecer e de interagir com ele, independentemente de o autor do projeto ser alguém consagrado nacionalmente ou não. Pode ser que o artista queira realizar um projeto de uma maneira mais independente ou também que ele queira ter um vínculo mais direto com o público, duas boas razões para ele colocar um projeto para captação via crowdfunding.
10. Para terminar... Financiamento público ou privado para a cultura? Vocês acreditam que o Estado deve interferir patrocinando qualquer artista? É justo que num País onde se formam tantos analfabetos funcionais todo ano, o Estado abra mão de parte dos tributos para pagar cachês milionários, muitas vezes para quem já ficou rico com a música, cinema e afins?
Luís ― A gente acredita que um Estado menos intervencionista é melhor não só para a cultura como para toda economia. E, assim sendo, que o investimento seja mais bem pensado, o que pra mim seria fomentar atividades que gerem projetos artísticos sustentáveis (que não fiquem necessitando de financiamento público eternamente).
Daniel ― Pra mim parece muito mais interessante que as pessoas possam definir o que deve ser financiado ou não. Acho que a diversidade de trabalhos que seriam executados dessa forma seria interessantíssima. E também vejo isso muito alinhado com um movimento de empreendedorismo no setor cultural que vem emergindo nos últimos anos, o que é importante. E as plataformas de crowdfunding são ótimas ferramentas para colaborar com isso.
Luís ― É incrível ver que alguns projetos no Catarse aconteceram porque várias pessoas ficaram encantadas por uma história, um trabalho, e se dispuseram a apoiá-lo financeiramente. Incentivar esse tipo de iniciativa nos parece mais democrático, transparente e ainda gera um valor maior pra todo mundo.