DIGESTIVOS
Quarta-feira,
18/12/2002
Digestivo
nº 112
Julio
Daio Borges
+ de 9100 Acessos
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Imprensa
>>> O afeto que não se encerra
Não se sabe se por escolha própria ou se por descaso das editoras, o Paulo Francis que conhecemos morreu restrito à sua última fase. Aquela de "Manhattan Connection" e de "Diário da Corte", no "Estado de S. Paulo". Como alguém que se arrepende de uma fantasia ou de uma pose, o Paulo Francis esquerdista dos anos 60 e 70 foi devidamente sufocado. E com ele a maior parte dos seus livros. (Cabe à crítica dizer se também a "melhor parte".) Há controvérsias; principalmente aquelas em que insistem em dividi-lo em dois - sem nenhum ponto de contato, como se não fossem a mesma pessoa. Contudo, não se sabe se à revelia do último Paulo Francis, o autor dos romances ensaia seu retorno triunfal, graças à editora fundada pela viúva, Sonia Nolasco, e por Wagner Carelli, um amigo comum. O nome é "W11" e o projeto, ao que parece, um sonho acalentado pelo trio (os dois mais Francis). O currículo de Sonia dispensa comentários: além de passagens pelo "Globo", pela "Gazeta" e pelo "Estadão", foi correspondente do "Pasquim" (o original) em Paris, tendo também escrito romances (já programados pela W11). Carelli esbanja igualmente competência: foi colaborador de Mino Carta em "IstoÉ", "Senhor" e "Carta Capital", tendo recentemente fundado as revistas "Bravo!", "República", "Sabor" e, mais recentemente ainda, a inédita "Oi". Tanta experiência só poderia dar numa coisa: a W11 não vai sobreviver apenas de alta cultura, inteligência da melhor qualidade e biscoitos finos. Qual a solução então? Dividi-la em várias. Eis a explicação por trás dos selos. São quatro: Francis, para o filet mignon; Religare, para psicologia e religião; Novo Paradigma, para "desenvolvimento pessoal" (auto-ajuda?); e W11 (ele mesmo), para o público infanto-juvenil. Instalada numa casa discreta à rua Vupabassu, em Pinheiros, já merece todas as loas pelas caprichadas edições dos dois primeiros romances de Paulo Francis: "Cabeça de papel" e "Cabeça de Negro". O primeiro com orelha de Daniel Piza e o segundo com orelha de Diogo Mainardi. Ambos com partes do ensaio (definitivo, segundo Francis) de José Onofre. O espectro que prometia puxar o pé dos políticos em Brasília, volta a assombrar seus leitores com sua presença ofuscante, graças à W11.
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>>> W11 Editores | Cabeça de Francis
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Artes
>>> Gibizon
Às vezes, é bom lembrar os quadrinhos e entender porque, em certa idade, aquele universo nos impressiona. "O livro negro do Radicci", assinado por Carlos Henrique Iotti, tem todos os elementos típicos (ou quase). A caricatura e a representação simplista do mundo dos adultos. (Principalmente no que se refere aos pais.) A presença de um (anti)herói jovem ou de comportamento juvenil, que desperta identificação imediata. As sugestões de sexo, aqui e ali, sem o custo que lhe é inerente e com uma facilidade inigualável no mundo real. A inclinação aventuresca do passarinho que, recém-saído do ninho, anseia pelos primeiros vôos. Com a vantagem de confortavelmente emular sua existência nas páginas de uma HQ, sem correr o risco de avariar uma asa, quebrar a cara ou espatifar-se no chão. Duro. A dureza pontiaguda e áspera da realidade. Mas o "Radicci" não é para tanto. (Ou é?). Também não é para tratados de sociologia sobre a imigração italiana no sul do País. A personagem de Iotti, que mereceu uma coletânea da L&PM, veio da Itália, reside numa colônia, faz a colheita da uva, com estranhamento também cruza a cidade, enchendo a cara de vinho de vez em quando e, no seu machismo, sofrendo repreensões da mulher. O autor alerta para a mudança de traço, do primeiro ao último quadro. Não é algo para se reparar. Mas preocupante é a falta de inspiração eventual, quando a piada conhecida ou o adágio popular substituem o esforço de criar uma nova história. Uma tira, inclusive, se repete nos mínimos detalhes. (Um desafio para os revisores.) Nos melhores momentos, o argumento gira em torno dos "tempos modernos" e da conseqüente inadequação de figuras do século passado. É Radicci tomando olés do computador, resgatando o filho de uma república de estudantes (modernosos) ou tendo de lidar com sua própria crise de meia idade. O português lembra o de Juó Bananere, sem a riqueza de vocabulário e sem a sofisticação da língua que Alexandre Ribeiro Marcondes inventou. Apesar das limitações que, obviamente, existem, o desenho de Iotti é simpático e dá para passar a noite à base de ocasionais gargalhadas. Radicci prova que o acento regional persiste e que nem só de HQs do Rio e de São Paulo vivem as bancas.
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>>> O livro negro do Radicci - Iotti - 169 págs. - L&PM
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Literatura
>>> Falho e maléfico
Chegou atrasado (e a crítica, talvez, mais ainda). Estamos falando de "O lucro ou as pessoas?", de Noam Chomsky, pela Bertrand Brasil. Foi um lançamento concomitante à Bienal do Livro, mas que ilustra como, em meses, certos temas se perdem no limbo. Para começar, o livro reúne artigos (e pode-se dizer que ensaios) do lingüista americano (mais ativista do que qualquer outra coisa, para o público do Brasil), de 1998 ou antes. O fato é que, se as suas imprecações contra Clinton, o Fast Track e o Consenso de Washington perderam muito do seu sentido na era W. Bush (mais arbitrária e preocupante em termos globais), o que dizer então disso tudo na era Lula? Um tempo em que os conceitos discutidos são os de "esperança", "medo" e "fome" - muito distantes, portanto, da pregação contra o "neoliberalismo" e a "globalização". A introdução é de Robert W. McChesney e, sem brincadeira, soa mais convincente que todo o palavrório de Chomsky. O autor é verborrágico e por demais panfletário. (Dizem que é uma autoridade em sua área de origem, mas se lá escreve assim também não pode ser.) Num truque típico de quem se sente vitimado pela mídia e pelos "poderosos", usa o seu discurso (o deles) entre aspas para depois, em cima de frases soltas, tirar suas próprias conclusões. O efeito produzido por isso é o seguinte: na pressa da leitura, esquece-se o que foi dito por um lado e o que foi dito pelo outro. A confusão é, obviamente, proposital. A argumentação dá voltas em torno do adversário até atordoá-lo e nocauteá-lo com facilidade. O ideal, em qualquer situação, é manter a cabeça sempre aberta para novos pontos de vista, mas, se é verdade que a esquerda tem em Noam Chomsky um de seus mais notáveis ideólogos, não vai se fazer ouvir, tão cedo, pelo "outro lado". A orelha é assinada por Fausto Wolff, como não poderia deixar de ser. Volta a pergunta que não quer calar desde 27 de outubro de 2002 (ou antes): qual vai ser o assunto dessa gente, daqui por diante, num país em que a esquerda é situação e, ante ela, até o presidente dos Estados Unidos da América se curva?
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>>> O lucro ou as pessoas? - Noam Chomsky - 192 págs. - Bertrand Brasil
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Gastronomia
>>> O Conselheiro também come (e bebe)
Douglas Kitagawa formou-se na Fau, em 1990. Depois de sete anos trabalhando com animação e computação gráfica, partiu para a gastronomia. Com a ascensão da rede China in Box, viu crescer sua fábrica de biscoitos da sorte, que hoje, depois de cinco anos, é a maior do Brasil. Não abandonou a arquitetura completamente, porém. Entrou para o ramo de restaurantes e atualmente toca, além da fábrica, dois estabelecimentos que têm a sua decoração, um deles recém inaugurado. O "Hiro", especializado em comida japonesa, fica no Runner Club, muito próximo à Cidade Universitária. Em sociedade com um tio (e, agora, uma prima, que vai assumindo a casa aos poucos), Douglas trouxe para o País o esquema "kaiten-sushi". Lembra o nosso rodízio mas, na verdade, é o sistema através do qual, no Japão (na Europa e nos Estados Unidos também), são degustados os sushis em toda a sua variedade. As porções, feitas na hora, giram numa esteira e os clientes sentam-se em volta, aguardando a sua vez de pegar. Cada um se serve à vontade, a seu gosto, e depois paga apenas pelos pratos que tiver consumido. Douglas explica que tal esquema é mais popular entre os japoneses de baixa renda, que não podem pagar por arranjos muito sofisticados. No "Hiro", no entanto, o apelo é outro: os sushis são elaborados, sim - embora o preço não seja tão salgado como se pode imaginar (fica entre três e cinco reais a porção). Além da novidade da esteira (rimando com a turma que sai da academia), o restaurante ainda oferece opções à la carte: os tradicionais combinados, enrolados, empanados e peixes. O Runner Club, apesar de muito alardeado, ainda não parece ter sido descoberto - o que torna a ida ao "Hiro" um programa muito agradável (há onde estacionar com facilidade e não se paga nada a mais). Que além dessa arte, importada e firmemente estabelecida, o Brasil também exporte lições de empreendedorismo, com as de Douglas Kitagawa, para o Japão.
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>>> Hiro - Rua Dr. Cândido Motta Filho, 731 - Tel.: 3766-7090
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Cinema
>>> Goldfinger
Hóspede nos melhores hotéis do mundo. Irresistível até para as mais belas mulheres. Extraordinariamente hábil com armas e máquinas. Objeto do investimento (em tempo e em dinheiro) de organizações ultra-secretas. Ainda por cima, herói das telas. Um currículo desse é de causar inveja ao homem médio. Ou não é? Isso explica metade do sucesso do 007. As limitações no trabalho e na vida real convencem o indivíduo de que ele nunca vai ser um agente secreto, um dom juan, infalível, com diamantes para dar e vender. Então entra no cinema e sublima todas as suas fantasias numa sessão de James Bond. Ah, mas essas constatações são óbvias demais para quem já as teve na cabeça. A novidade é que - mesmo assim (ou seja: mesmo com todo esse apelo, primaríssimo) - o último 007 convence, e até merece que se diga: "Olha, é toda aquela baboseira de mocinho e bandido de sempre, com os exageros incluídos - mas não é que a droga do filme conseguiu me prender?". Talvez valha a pena tentar explicar por que. Primeiro, pelos milhões de dólares. Está na cara que há interesse em reerguer o decadente personagem de Ian Fleming. Tudo bem, ele ainda é protagonizado pelo canastrão Pierce Brosnan: seu charme se converteu em vulgaridade e seus truques não convencem nem o espectador de "Xuxa e os Duendes" (2). A diferença é que, nesse episódio, o estúdio soube capitalizar em cima de todas essas deficiências. Mandou o cara para a Coréia do Norte, para Cuba e para a Sibéria - e fez de "Die Another Day" (esse é o título) uma mistura de "Discovery Channel" com seção turismo da revista "Nova". Depois, enfiou a Madonna no meio (a rainha do pop cujo toque de midas só não levanta a bola do marido-cineasta, Guy Ritchie). Ela compôs a música tema e participou do longa como esgrimista. Mais para frente - já que todos estão carecas de saber que aqueles absurdos de salvar o mundo com um pé nas costas não podem ser mesmo -, o diretor decidiu fazer piada com a coisa toda. Os diálogos são dignos de uma paródia de 007, ou de uma auto-paródia (só que bem feita). O roteiro, a qualquer momento, ameaça descambar para o hilariante. Ainda mais quando John Cleese, do Monty Python, como Q, invade a cena. Por fim, o carro invisível, o helicóptero que levanta vôo caindo de um avião, o pára-quedas que emerge de um precipício, o piloto de provas que escapa de um laser espacial - tudo isso - vira elemento para a comédia. Complementada, sempre, com altíssima tecnologia. Talvez não seja mesmo o entretenimento dos nossos sonhos - mas que dá para tirar uma lasquinha, dá.
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>>> Die Another Day
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Julio Daio Borges
Editor
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