DIGESTIVOS
Quarta-feira,
26/11/2003
Digestivo
nº 150
Julio
Daio Borges
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Internet
>>> Encontros & Desencontros
Parece que a Primavera dos Livros do Rio foi mais animada que a de São Paulo. Pelo menos, repercutiu mais. E olhe que era paga (a de São Paulo era grátis). Entre os destaques, houve o lançamento do projeto “Paralelos”, de Augusto Sales (mais um conselho editorial), por enquanto em forma de site, futuramente em papel (na verdade, em livro da Casa da Palavra). A idéia é “mapear” (o verbo é importante) a produção literária dos cariocas ou daqueles cujas obras giram em torno do Rio de Janeiro. Tem de ser escritor da nova geração. No fundo, os “Paralelos” estão preocupados com o “boom” da produção paulista e com a aglutinação dos autores do Sul, via, por exemplo, editora “Livros do Mal” (de Daniel Pellizzari e Daniel Galera). Estruturaram então uma reação; que não será bairrista, mas que pretende privilegiar os filhos da Cidade Maravilhosa. Tudo não passa, em resumo, de uma tentativa de preservar os nomes que despontaram na World Wide Web. Augusto Sales, o “Paralelo-mor”, é pai do site “Falaê”; os Daniéis (da “Livros do Mal”) participaram da lendária revista eletrônica “CardosOnLine”; Eduf e o pessoal da “Fraude” (que não foram citados, mas que estão nessa leva) foram para o Terra, rechearam as páginas da revista “Radar Interativo” e, agora, ramificam-se no portal da AOL. Todos querem sair desse purgatório que é a internet (como bem disse um escrevinhador, num debate promovido pelos “Paralelos” na tal Primavera). E são tantos (cada publicação reúne dezenas deles) que parecem aqueles filhotes de tartaruga que, recém-nascidos, correm para o mar; e que, de cada mil, apenas dois ou três sobreviverá. Alguém tem de preservá-los. Quem? Como não existe, para eles, Projeto Tamar, tem de ser os próprios. E estão se organizando em blocos. Do “Paralelos”, a maior revelação (ou nem tanto) é Lisandro Gaertner. Dos outros, é preciso pesquisar. Há muitos bons escritores. Mas, entre tantos “bons”, quem permanecerá? Talvez seja uma pergunta direcionada a outras gerações; e não à nossa.
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>>> Primavera dos Livros | Paralelos | Livros do Mal | Falaê | CardosOnLine | Fraude | Radar Interativo | Gonzo | Lisandro Gaertner | Bate-papo com escritores da nova geração
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Música
>>> Uma mulher a cantar...
Depois que morreu Tom Jobim (1994) e depois da enxurrada de interpretações que se seguiram a esse fato, cabe a pergunta: – Será que é possível acrescentar alguma novidade a uma canção assinada por Tom e Vinicius? A resposta, já cansada de tantas gravações e regravações, seria, obviamente: – Não. Mas Cida Moreira chegou para provar que estamos errados e que ainda é possível. Cantou “Se todos fossem iguais a você” (1956), no seu novo CD, pela Kuarup, “Uma canção pelo ar...” (2003). Cida tem aquele acento lírico, o mesmo que tinha Nina Simone, e que alcança picos de “androginia” (como alcança Ney Matogrosso). A abertura (de Tom & Vinicius) serve para convencer o ouvinte na loja; o resto, graças a Deus, não é uma homenagem a Tom Jobim (R.I.P.). Cida Moreira, na verdade, faz uma viagem sentimental pelo cancioneiro radiofônico que ouvia quando criança, comemorando, nesse sétimo álbum, seus 25 anos de carreira. Tem Adoniran Barbosa, Villa-Lobos, Noel Rosa, Waldir Azevedo, Chico Buarque e Heckel Tavares. Ainda foi resgatar, em “Modinhas Imperiais” (compêndio editado por Mário de Andrade), “Si te adoro”, uma composição de 1850. Vale destacar, ainda, “Quem é”, no disco em dupla com Vander Lee – a mesma que foi sucesso na voz de Carmen Miranda e Barbosa Júnior, em 1937. Não é “easy listening”, apesar dos evidentes momentos de humor. Cida Moreira, que é também atriz, aposta numa performance densa, quase reflexiva, que, às vezes, causa “desconforto”. Jamais passa despercebida. Em matéria de instrumental, não poderia estar mais bem acompanhada: Paulo Sérgio Santos (prata da casa, na clarineta e no clarone); Oscar Bolão (na bateria e na percussão); Renato Consorte (viola, violão, baixo e cavaquinho); Gil Reyes (arranjando, ao piano e também à clarineta); entre outros. “Uma canção pelo ar...” é indubitavelmente, em matéria de interpretação, um dos principais lançamentos de 2003.
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>>> Uma canção pelo ar... - Cida Moreira - Kuarup
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Literatura
>>> Auf! Auf!
Do espólio kafkiano, ainda faltava um romance para Modesto Carone completar seu trabalho de tradução. Trata-se de “Amerika” ou “O Desaparecido” (1912-14) que sai, agora, pela Editora 34, vertido para o português por Susana Kampff Lages, professora de alemão da Unicamp. Perto da realização exímia de Carone, hoje no catálogo da Companhia das Letras, chega a ser covardia julgar o resultado dessa versão de “Amerika” para o nosso idioma. Digamos que permanece aquele aspecto de “massa bruta” (talvez oriundo de Kafka), sem a elegância de quem conseguiu converter “O Castelo” (de mais de 400 páginas) em leitura saborosa na língua de Machado. Chegamos, inclusive, a duvidar das boas intenções de Max Brod (o testamenteiro histórico), pois “Amerika 2003” soa desconjuntado, com trechos realmente difíceis de se atravessar. Para o leigo, há curiosidades. Aos 29 anos de idade, Kafka lançou-se em direção ao seu primeiro romance, inspirado no Novo Mundo. Muniu-se de relatos de viajantes, de reportagens e de guias turísticos. Não teve dúvida: colocou uma espada na mão da Estátua da Liberdade; ligou Nova York a Boston por uma ponte (a do Brooklin); e encerrou tudo com um trem partindo animado para “Oklahama” (em vez de “Oklahoma”). E.L. Doctorow, que assina o prefácio da edição americana, jamais perdoou o nosso Franz. Na Alemanha, conta-nos a atual tradutora, são reproduzidas versões fac-similares dos escritos de Kafka. Como muitos são fragmentários, todos os que neles mexeram (a começar por Brod) desvirtuaram um pouco a obra. É o caso de se perguntar se o autor da “Metamorfose” não virou refém de antropólogos, profanadores de templos e escavadores de tumbas. Até que ponto vale escarafunchar seu baú e colocar textos inacabados em pé de igualmente com clássicos que o próprio Kafka quis preservar? A lenda em torno de seus cadernos (e da ordem expressa de que fossem queimados) é muito sedutora, mas não seria a hora de avaliar o seu “opus” sem esses detalhes estritamente biográficos?
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>>> O Desaparecido ou Amerika - Franz Kafka - 304 págs. - 34
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>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO*** RECOMENDA
(CN - Conjunto Nacional; VL - Shopping Villa-Lobos)
>>> Noites de Autógrafo
* O Desencantamento do Mundo - Antonio Flavio Pierucci (2ª f., 24/11, 18h30, CN)
* O Jornalismo dos Anos 90 - Luís Nassif (3ª f., 25/11, 18h30, CN)
* O Amante Brasileiro - Betty Milan (3ª f., 25/11, 18h30, CN)
* Curva de Rio Sujo - Joca Reiners Terron (4ª f., 26/11, 18h30, CN)
>>> Palestras
* Carandiru em DVD - Hector Babenco e Edu Abad (3ª f., 25/11, 19hrs., VL)
* Geração 90: entre continuidade e ruptura - Nelson de Oliveira, Heitor Ferraz, Juliano Garcia Pessanha, Marcelo Mirisola, Luiz Ruffato (4ª f., 26/11, 19hrs., VL)
>>> Cafés Filosóficos
* A devastação na relação mãe e filha - Melanie e Melitta (5ª f., 27/11, 19h30, VL)
>>> Shows
* Música das nações - Dimos Goudaroulis e Edmundo Hora (2ª f., 24/11, 20hrs., VL)
* Joe “King” Oliver - Traditional Jazz Band (6ª f., 28/11, 20hrs., VL)
* Instrumental Flamenco - Tito Gonzáles (Dom., 30/11, 18hrs., VL)
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Julio Daio Borges
Editor
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