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DIGESTIVOS

Quarta-feira, 1/12/2004
Digestivo nº 203
Julio Daio Borges
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Cinema >>> Y así passan los días
La mala educación talvez não seja o melhor filme de Pedro Almodóvar em tantos anos, desde, pelo menos, Carne trêmula (1997), onde sua atitude incisiva e provocadora, nos temas da sexualidade humana, parecia ter sido substituída por uma estética sofisticada e pela assinatura de grande diretor. Almodóvar, ao menos no Brasil, desde 1998 deixava de ser um cineasta de "minorias" para abarcar um público relativamente amplo, cujo objetivo, ao freqüentar suas sessões, era encontrar um grande artista se expressando. Não que isso tudo tenha mudado com La mala educación, mas, desta vez, por causa de duas ou três cenas de sexo explícito entre homens, Almodóvar, como nos velhos tempos, espantou uma massa de espectadores que, antes, tinham se encantado com Fale com ela (2002) e Tudo sobre minha mãe (1999). Como se o jovem artista rebelde, ainda vivo dentro de Almodóvar, tivesse se colocado frontalmente contra sua consagração, nestes anos, e planejasse um ataque à sensibilidade dos bem-pensantes. Tirando esse fato, controverso, e que sozinho dividiu a crítica, La mala educación é mais um grande filme de Pedro Almodóvar. Com o mesmo cuidado plástico, com a mesma qualidade de trilha sonora, com a mesma grande atuação de nomes como Javier Cámara e Gael García Bernal. E neste longa, especialmente, com uma tremenda sacada metalingüística, onde o cinema fala do cinema, para o cinema e, principalmente, explica o próprio cinema. As cenas de sodomia, de sexo oral — e qual outra? — são mesmo necessárias e indispensáveis à trama? A resposta, na verdade, não importa — e se fosse para poupar uma multidão de gente chocada (e aviltada), a cena do menino cantando para o padre (e a sugestão de bolinação entre ambos) é muito mais forte do que o momento em que as personagens chegam às vias de fato... É, mais uma vez, uma pena que a discussão tenha se centrado apenas na componente sexual. O anticlímax de quando os dois protagonistas se apresentam, na "vida real", é um dos pontos altos nas salas de cinema há muitos anos — e quase passou em branco. [Comente esta Nota]
>>> La mala educación - Pedro Almodóvar
 



Literatura >>> Razão prática
Schiller, o dramaturgo alemão, vivia adoentado e numa miséria tão grande que não sabia se destinava seus parcos rendimentos à cozinha ou ao hospital. Foi em uma de suas crises que o príncipe da Dinamarca ficou sabendo de sua situação e, antes que Schiller fosse dado como morto, resolveu sustentá-lo por alguns anos. Em retribuição, o também pensador da estética alemã propôs uma troca de correspondência com o príncipe, onde iria rever o papel da arte depois do Iluminismo, da decadência da religião e das então novas teorias de Kant. O soberano dinamarquês topou, embora se confessasse ignorante em matéria de filosofia e talvez não um interlocutor à altura de Schiller, seu protégé agora. Quem nos conta esta e outras histórias é Ricardo Barbosa, doutor pela PUC-RJ e professor da Uerj, que foi até a Alemanha, até os Schillers Werke, para compor Schiller & a cultura estética, um pequeno e instigante livro de referência da Jorge Zahar. Schiller tardou meses para restabelecer contato com seu protetor, depois de ter feito o trato. Enviava cada carta e, em seguida, retrabalhava suas idéias e seus argumentos para republicá-los, finalmente, em Die Horen (As Horas), uma revista de que era editor. Ainda que tenham se estendido por mais tempo que o esperado, as missivas tomaram corpo e formaram, no fim, uma obra autônoma. Schiller, em dado momento, pede ao príncipe que lhe remeta, de volta, os originais das cartas, mas eles não estavam mais à disposição – e, até hoje, só restaram as cópias que o próprio Schiller tratou de providenciar depois de cada envio. O grande dramaturgo confessa que se sente à vontade para teorizar sobre arte – sendo um artista; e que acredita piamente na formação do homem através da sua sensibilidade e de uma educação do gosto (na estruturação de uma sociedade onde a espiritualidade e a política redefiniam seu lugar). E o príncipe tinha razão: as teorizações de Schiller são mesmo difíceis de acompanhar, mas uma vivência assim, tão interessante, não. [Comente esta Nota]
>>> Schiller & a cultura estética - Ricardo Barbosa - 72 págs. - Jorge Zahar
 



Artes >>> Rip Off Press
Gilbert Shelton assistia às aventuras dos Irmãos Marx e às cretinices dos Três Patetas, quando pensou: “Eu também posso fazer isso”. O ano era 1968 e nasciam os Freak Brothers. No Brasil, os Freaks são mais conhecidos de “ouvir falar” do que propriamente lidos. Até agora: até a chegada da edição caprichadíssima, em português, dos Fabulous Furry Freak Brothers, pela Conrad. Para o público tupiniquim, a ligação direta é com os personagens de Angeli e, mais remotamente, com a mal adaptada (e extinta) revista Mad brasileira. Felizmente, os Freak Brothers são bem mais que isso. É tentador reduzi-los ainda a uma fatia de tempo entre os beatniks, dos anos 50, e a ressaca hippie, dos anos 70. Acontece que, avançando por algumas dezenas de páginas, percebemos que o retrato comportamental sintetizado por Shelton transcende, em muito, a época – porque, desde maconheiros inofensivos até junkies terminais, seguimos convivendo com a fauna e a flora que nasceu, cresceu e frutificou nos psicodélicos anos 60. E os Freak Brothers são hilariantes. Qualquer pessoa que já tenha se dado com desocupados, permanentemente dopados e parcialmente “esquecidos”, vai se identificar com as trapalhadas, confusões, frias – e até entender melhor a “visão de mundo” de alguém que troca tudo (ou quase tudo) pela próxima “viagem”; alguém cuja única preocupação é o entretenimento egoisticamente ilícito; alguém com uma cabeça presa nos picos hedonistas dos tempos de Woodstock e afins. E os Freak Brothers, por mais simplistas e imediatistas que pareçam, servem para mostrar também que os anos 60 foram um pouco mais que o desejo, hoje emulado, de “estar alto”, de “ficar bem louco” e de “tentar pôr fogo na noite” (se é que se pode traduzir o verso antológico de Jim Morrison). Os Freak Brothers, enfim, revelam que os anos 60 acabaram – ou, então, para não desanimar os neo-hippies e os neo-drug-addicteds, que os anos 60 ficaram confinados a um álbum como esse de Gilbert Shelton. Por último, os Freaks, como publicação, servem de exemplo – porque, embora “consagrados” atualmente, começaram e se mantiveram no mercado underground dos Estados Unidos da América. É sintomático que reapareçam, no Brasil, reluzentes, enquanto aqui nunca se realizou, por exemplo, uma compilação decente da produção quadrinística do Pasquim (o “nanico” que, mal comparando, foi igualmente mainstream). [Comente esta Nota]
>>> Fabulous Furry Freak Brothers - Gilbert Shelton - 184 págs. - Conrad
 
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(Ter., 30/11, 18h30, CN)
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(Qua., 1º/12, 18h30, CN)
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(Seg., 29/11, 20hrs., VL)
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(Sex., 3/12, 20hrs., VL)
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(Dom., 5/12, 18hrs., VL)

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Julio Daio Borges
Editor
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