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DIGESTIVOS

Sexta-feira, 29/12/2006
Digestivo nº 309
Julio Daio Borges
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Internet >>> Inspire me
A revista Pequenas Empresas Grandes Negócios talvez seja a primeira publicação no Brasil a estampar o novo boom da internet em sua capa e nestes termos. Está lá, em vermelho, ainda que, dentro, um desses especialistas afirme que a nova ameaça de bolha, nos Estados Unidos, está longe de se concretizar aqui no Brasil. Para uma imprensa que, desde a bolha de 2000, se negava a reconhecer que a internet pudesse ser lucrativa, ou que sequer continuasse a existir, já é um começo. Alguma coisa sobre a “segunda geração”, e naturalmente sobre o sufixo “2.0” (que deriva de “Web 2.0”), permeia a reportagem – muito embora a maior parte dos negócios apresentados pela publicação não reúnam, essencialmente, as principais características do novo boom. Pelo contrário, muitos dos cases são ainda sucessos tardios da “Web 1.0”, que, por falta de fôlego, oportunidade ou ocasião, não se concretizaram antes do estouro da primeira bolha brasileira. O Easyfoto (de 2005), por exemplo, talvez seja uma conseqüência do E-fotos (do início dos anos 2000). O Samba, outro exemplo, pode ser uma grande idéia – trocar, na conexão discada, o interurbano pelo “0800” – mas se baseia em provimento de acesso, que é um negócio de que a AOL, nos EUA, já saiu e de que o próprio UOL, mais dia menos dia, vai ter de sair. Já a invenção de Marcos Nader – o “carimbo eletrônico” – vem para minimizar a burocracia (não provoca, portanto, uma revolução), enquanto que o Superbid, por mais que dê voltas, remonta, quer queira quer não, aos sites de leilão (mesmo que seja mais focado que um eBay ou que um MercadoLivre). A grande novidade, por exclusão, talvez seja a Camiseteria, de Fabio Seixas – onde o cliente customiza seu produto, aí sim, à maneira da Web 2.0 (e do novo boom). Contudo, quem está atento à blogosfera brasileira, deve saber que Seixas é o autor do conhecido Versão TXT, blog do Rio. Em resumo: louva-se a boa vontade de Pequenas Empresas Grandes Negócios, para com a “internet 2.0”, mas seus jornalistas poderiam ter pesquisado um pouquinho mais. [Comente esta Nota]
>>> Pequenas Empresas Grandes Negócios
 



Música >>> Bisscchhhh!!
Discos de bateristas, quando existem, são chatíssimos. Solos intermináveis, uma verdadeira competição para enfiar cada vez mais ritmos (ou supostamente isso), fora a participação de outros solistas que, incitados ao virtuosismo, tornam a coisa ainda mais aborrecida. Edu Ribeiro, surpreendentemente, fugiu de tudo isso. No seu Já tô te esperando, CD solo e de estréia, pela Maritaca, não encontramos nada que, remotamente, lembre “um disco de baterista”. Talvez pelo fato de que Edu compõe, assinando quase todas as faixas, sempre com temas instrumentais. Seu parceiro de algumas composições, e que igualmente assina o encarte, é o violonista Chico Pinheiro – o que talvez explique, ainda, a riqueza de harmonias e melodias. Edu Ribeiro, no entanto, confessa que andou tendo aulas de guitarra, que topou com um tema no mesmo dia da concepção de seu filho – como se, consciente ou inconscientemente, lutasse com charme pela paternidade desse Já tô te esperando, tão elogiado e cheio de pequenos achados musicais. Além das rapidinhas, em que todo mundo se vira (como a própria “Já tô te esperando”, a faixa título, e “Cinco”, por exemplo), o destaque vai para as lentas e introspectivas, como “Galada” (atenção para Daniel D’Alcântara ao flugelhorn). Metafísica, também, “Pedacinho do Théo”, referência imediata ao filho do baterista, em que Toninho Ferragutti conduz ao acordeom. Interessantíssima, ainda, a bossa “El Rei dos Casamentos”, muito suave no trompete de D’Alcântara, apoiada no piano elétrico de Fábio Torres, sem cair nos clichês do gênero mas acrescentando algo ao cardápio daqueles que já viraram do avesso o Tom. Encerra “Anne e Iracema”, com um toque mais lírico, nada brega porém, em que o violão sobressai mais do que o normal, só que sem os excessos condenáveis. A falta de pretensão (e de expectativa) fez, como acontece às vezes, de Já tô te esperando um disco de baterista audível. Edu Ribeiro, cuja responsabilidade era bater com dois pedaços de pau em cima de algumas caixas, de repente ensina, a outros instrumentistas brasileiros, que um CD solo pode ser, sim, colorido e vibrante. [Comente esta Nota]
>>> Já tô te esperando
 



Artes >>> Espirituosidade e sensualidade
Em meio a chuvas e alagamentos, túneis inacabados e obras do metrô a céu aberto, falta de planejamento e caos urbano, São Paulo continua, milagrosamente, produzindo arquitetos. Como Isay Weinfeld. Se o nome não é familiar, para quem não é do meio, basta evocar o Clube Chocolate, a Forneria San Paolo e a Disco. Ainda o Hotel Fasano e a loja da Fórum na rua Oscar Freire. Mesmo que com funções completamente distintas, essas edificações levam a assinatura de Isay Weinfeld – e basta evocá-las na memória para perceber que existe nelas, apesar dos desvarios da Paulicéia, a unidade que caracteriza um estilo. Weinfeld, que é também autor de projetos de residências, de intervenções em fazendas e em casas de praia, mereceu um volume da coleção Arquitetura e Design, da Viana & Mosley editora, cujo texto é do jornalista Daniel Piza. Na introdução e no perfil de Piza, Weinfeld aparece como um sujeito despojado, que pode sentar e conversar até num balcão de padaria. Aparece, ainda, como admirador fervoroso de João Gilberto – seria sugestivo pensar na queda de ambos pelo minimalismo –, fora Radiohead (vanguarda roqueira que transcende o rock) e Blossom Dearie (uma intérprete quase obscura de jazz). E é um alívio percorrer as quase 70 páginas de imagens dedicadas aos trabalhos de Weinfeld. O recorte de suas realizações na metrópole, e em outros estados do Brasil, sugere que para a poluição visual, para o kitsch e para o subdesenvolvimento (econômico e cultural) pode haver esperança. Weinfeld aparentemente chegou naquele ponto ótimo em que pode abraçar só as causas que lhe interessam, recusando até clientes ou propostas que não se encaixam no seu portfolio. Num tempo em que a Bienal só provoca menos revolta que a política, em que arte, mercado e espetáculo são sinônimos, em que quase todo artista quer ser, no fundo, celebridade, Isay Weinfeld parece um alienígena recém-desembarcado. Que ele continue, então, criando mundos para salvar nossos olhos de retinas tão fatigadas. [Comente esta Nota]
>>> Isay Weinfeld
 

 
Julio Daio Borges
Editor
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