DIGESTIVOS
Terça-feira,
10/10/2000
Digestivo
nº 4
Julio
Daio Borges
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Música
>>> Sem música, a existência seria um erro
Na terra, o lugar mais próximo do céu deve ser a sala de concerto. Ainda não inventaram, e nem vão inventar, tecnologia capaz de captar aquela atmosfera, transmitindo-a para além daquele momento. Quem assistiu a Daniel Barenboim e à Sinfônica de Chicago, na Sala São Paulo, pode confirmar truísmos como esses. A platéia nasceu e morreu com Mozart e Mahler, e a cidade finalmente pôde se orgulhar de ter apresentado um espetáculo digno dos centros mais civilizados do planeta.
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>>> http://www.chicagosymphony.org/
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Além do Mais
>>> Além do mais
Back to the primitive. Fuck all your politics. We got our life to live. The way we want to be. Massimiliano Cavalera ressuscitou, nervoso, como não se via e ouvia desde Roots. Primitive, novo disco da Alma Voadora, Soulfly, leva adiante o crossover entre rock e ritmos brasileiros. Sean Lennon divide com Max a autoria de Son Song, dedicada a Graziano Cavalera e a John Lennon. A arte da capa fica por conta de Neville Garrick, ilustrador dos álbuns de Bob Marley. Meia Noite empresta sua percussão e Tom Araya empresta seus vocais. O resultado, em CD, mereceu três estrelas e meia das quatro da revista Rolling Stone. Mas aqui no Brasil ninguém quer saber do único brasileiro na vanguarda da música no momento.
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>>> Revista Rolling Stone
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Literatura
>>> Tout le reste est littérature
Até que enfim podemos encontrar a coletânea de ensaios e resenhas de Daniel Piza nas livrarias. Daniel formou-se na escola da crítica, escola de Wilson, Shaw e Mencken. Imaginem, portanto, a solidão dele num país em que mal se lê as manchetes dos jornais e as legendas das fotografias. Teve de adaptar-se às engrenagens do jornalismo, que é o último refúgio dos intelectuais no Brasil. Deixou seguidores e leitores órfãos no Caderno Fim-de-Semana da Gazeta Mercantil. Hoje é editor-executivo do Estadão, enquanto assina uma coluna dominical no Caderno2. A coletânea, Questão de Gosto, reúne seus êxitos no reino da Literatura e das Artes Visuais, dentre outros. Ultimamente andou perseguido pela sombra de Antonio Pimenta Neves, seu incentivador. Toda a fumaça deve atrair a atenção para o seu livro, que é onde estão seus verdadeiros méritos.
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>>> "Questão de Gosto" - Daniel Piza - 392 págs. - Ed. Record
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Cinema
>>> O filme é uma merda, mas o diretor é genial
Depois de Tiros na Broadway, Poderosa Afrodite, Todos Dizem Eu Te Amo e Desconstruindo Harry, nem é preciso completar a frase. Woody Allen rendeu-se à estética em Celebridades. A fotografia, o preto-e-branco, a beleza do cast atropelam o roteiro, que não passa de uma tentativa de costurar situações inteligentes e grandes piadas. Celebrity é um título aleatório, pois não existe, no filme, qualquer reflexão maior sobre os 15 minutos de fama de Andy Warhol. Sempre nos espantávamos como Woody Allen conseguia domesticar superstars e seus contratos milionários. O feitiço falhou desta vez. Leonardo Di Caprio, Wynona Rider e Melanie Griffith pintam e bordam dentro dos estreitos limites que os consagraram. Lamenta-se por Kenneth Branagh, que se restringiu a uma imitação shakespeariana de Woody Allen.
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>>> Celebrity
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Teatro
>>> Vá ao teatro, mas não me leve
Shakespeare tem sido um dos autores mais aviltados em toda a História. Todo mundo que quer se fazer respeitar diz-se íntimo dele. Citam-no. Estudam-no. Deturpam-no. Ao final, ninguém mais sabe onde está Shakespeare. Talvez seja útil esquecê-lo por um tempo, para depois reencontrá-lo daqui a um ou dois séculos. Enquanto isso, resta-nos comentar versões experimentais, como essa da Megera Domada, com Marisa Orth. Um dos aspectos mais fundamentais desse texto, a transformação da bruxa em fada, fica em segundo ou terceiro plano, pois não se explica como tal milagre acontece. Descamba para a comédia, se é que alguém ainda acha graça em ver um bêbado com a bunda de fora. O espectador não está livre de ser requisitado a participar da encenação, e de se ver ridicularizado no palco.
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>>> Cultura Artística
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Televisão
>>> O pior cego é o que vê tevê
No Observatório da Imprensa, discute-se a função educativa da tevê. Muita gente cultiva a ilusão de que se possa aprender alguma coisa com televisão. O único conhecimento que se pode transmitir por esse meio é pontual. Informações complementares, imagens esparsas, trechos de depoimentos. Adendos. Tanto que, se não houver base sólida que permita, ao sujeito, apreender e reter esse conhecimento, ele evapora feito água fervente. Você já experimentou tentar lembrar daquele documentário que viu no mês passado? E que tal resumir as notícias que viu no telejornal de ontem?
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>>> Observatório da Imprensa
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Imprensa
>>> Armazém de secos e molhados
Emoção e Inteligência é a revista da editora Abril que oferece psicologia para leigos. Filha de Super Interessante, até que não é má, apesar da chamada sensacionalista deste mês. Dentro, matérias sobre violência e paixão, mentiras, esquisitices do ser humano, psicanálise via internet, terapia para bichos, lapsos de memória e timidez. Você pode saber, por exemplo, se é obsessivo, narcisista, dependente, borderline, paranóico, esquizóide, histriônico, evasivo, esquizotípico ou anti-social. Ou tudo ao mesmo tempo. Um artigo de Jorge Forbes, contra a maré da felicidade química, afirma que viver é coisa sem remédio.
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>>> Emoção e Inteligência
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Gastronomia
>>> O Conselheiro também come (e bebe)
O restaurante Viela fica na Horácio Lafer, no Itaim Bibi. O mural de fotos, com famosos, indica um passado cheio de glórias. Passado. Os quadros são de muito mau gosto, imitando às vezes Botticelli, às vezes alguma outra coisa mais moderna difícil de detectar. As massas parecem saídas direto do microondas, de tão arrumadas que estão no prato. O picadinho Viela, uma das especialidades da casa, compõe-se de arroz, filet mignon em cubos, ovo estrelado, tomates, cebolas e farinha querendo se passar por farofa. O pavê de chocolate é massudo e duro de cortar. Tais trivialidades não valem de vinte e cinco a trinta reais.
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>>> Viela - Rua Horácio Lafer, 640 - Tel.: 3845-5474
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Artes
>>> Um novo olhar sobre o cotidiano
A mostra Brasil, Psicanálise e Modernismo, dentro dos ciclos de Freud, no MASP, não chega a nenhuma conclusão. Mário de Andrade estuda, aplica e ataca a psycho-análise e seu progenitor, com a mesma ambigüidade que lhe é característica. Espanta que não tenha lido os originais de Sigmund em alemão, preferindo traduções em francês. Oswald profeticamente aponta Freud, Marx e Nietzsche como os cérebros mais influentes no século XX, embora não se tenha jamais encontrado nenhuma obra do Sigismundo em sua biblioteca. Flávio de Carvalho afirma tomar Freud como café-da-manhã, mas, em termos de modernismo, prefere encarnar o Policárpio Quaresma. Guarde os seus olhos para Durval Marcondes, o primeiro psicanalista de São Paulo, para as gravuras e desenhos de Lasar Segall, e para os quadros de Aurora Cursino dos Santos, uma interna do Hospital do Juquery.
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>>> Estadão
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Internet
>>> Viver não é preciso
Ivan Lessa, Van Ess, Assel Navi e Mario Sergio Conti estão trocando cartas no UOL e ninguém fala nada. Mais uma prova de que a mídia impressa está ficando obsoleta, se comparada à sua vertente virtual. Conti é o homem das lembranças ternas, Lessa é o cavaleiro do apocalipse. Cada um nos seus domínios. Ivan fala de esportes, Mario não acompanha patavina. Ivan desanca o Brasil, Mario enche a boca com a capital da Bahia. Ivan discorre sobre teatro, Mario, sobre o cinema que se está produzindo. Mario ecoa notícias de São Paulo, Ivan, o dia-a-dia de Londinium. A correspondência se acumula desde abril. É preciso fôlego para acompanhá-la. Às terças, quintas e domingos.
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>>> UOL Correspondência
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>>> MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
"Vai ter um monte de gente dizendo a mesma coisa. Você pode overlappar com um monte de gente dizendo a mesma coisa de maneiras diferentes."
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Julio Daio Borges
Editor
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