DIGESTIVOS
Quarta-feira,
18/7/2001
Digestivo
nº 41
Julio
Daio Borges
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Além do Mais
>>> Meaningless or Dishonest
Um pouco antes da Maria Antonia, do Mackenzie, e da Faculdade de Filosofia da USP, do outro lado da Consolação, na rua Caio Padro, encontra-se a Jive. Tanto quanto as referências urbanas para se chegar até ela, essa discoteca parece algum lugar perdido entre os Anos 60 e 70, no Brasil. Ainda mais nas noites de sexta-feira, em que reina o extinto ritmo inventado por Jorge Ben (Jor), Trio Mocotó e um ranço de Jovem Guarda: o Samba Rock. Discreta com seu toldo vermelho, na rua escurecida pela ameaça de apagão, a Jive não inspira muita confiança. O ambiente enfumaçado e rústico, porém, torna-se secundário diante da música: afinal de contas, onde é que se pode ouvir e dançar Mutantes, Jackson do Pandeiro, o Rei, Chico Buarque de Hollanda, Tim Maia e Beatles em português? Soa irônico que os hits hegemônicos de certas épocas precisem ser ouvidos em guetos, três ou quatro décadas depois. Mas é o que ocorre. O DJ, embora muito aclamado por seu público, tem de lutar para preservar canções e artistas que, há muito, saíram de catálogo, saíram do repertório, saíram da boca do povo. Entre eles, Luiz Melodia, que, na Jive, pode aparecer de supetão, contando de seu novo álbum, O Retrato do Artista Quando Coisa. Felizmente, ainda há lugares em que, para se ter diversão, não é necessário ser "teenager" ou "público-alvo" de alguma campanha milionária.
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>>> Jive - Rua Caio Padro, 47 - Tel.: 259-5569
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Música
>>> What's wrong with that?
A única frustração de Paul McCartney, como músico, foi não ter sido John Lennon. Em sua biografia, Many Years From Now, ele tenta provar que algumas das grandes idéias levadas a cabo pelos Beatles, em verdade, surgiram na sua cabeça (e não na de outro alguém). Pode até ser. Acontece que o gênio incisivo, que fez a nobreza decadente do United Kingdom chacoalhar as jóias, e depois tocou o mundo inteiro com seus apelos humanitários, foi John Lennon. Um homem tão feliz, tão realizado e tão amado quanto Paul McCartney jamais poderia oscilar entre o Céu e o Inferno, entre a lucidez e o delírio, tanto quanto o filho de Julia, marido de Yoko, pai de Julian, oscilou. Mas que culpa tem o autor de Yesterday, se ele não teve traumas de infância, foi marido para uma mulher só, e construiu uma vida familiar das mais invejáveis? Pois é, ele não tem culpa nenhuma. Assim sendo, não há mal nenhum em entragar-se às alegrias e às esperanças da coletânea de canções dos Wings, banda que acompanhou Paul McCartney. Intitulada Wingspan, compõe-se de dois CDs: um com hits (Band on the Run, My Love, No More Lonely Nights), e outro com história (Maybe I'm Amazed, Junk, Tug of War). Linda McCartney é a presença mais freqüente nas páginas e nas fotos do encarte. Talvez para mostrar que o compositor de Silly Love Songs é um sujeito para se admirar, indepentemente das obras-primas que também compôs.
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>>> McCartney.com
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Imprensa
>>> As coisas que podem ser comparadas podem ser trocadas
O professor Renato Janine Ribeiro esteve nas páginas do Estadão discutindo um novo curso que pretende inaugurar na USP, denominado "Humanidades". Preocupado com o dinamismo da época atual, que derruba as barreiras estanques entre as ciências exatas, humanas e biológicas, Renato Janine Ribeiro quer capacitar indivíduos para transitar livremente entre esses domínios, pelo manejo das respectivas "linguagens". O programa se dividirá em dois ciclos: um de formação (com Filosofia, História, Sociologia, Literatura, Artes, Antropologia e Psicologia); e outro de investigação (em que o próprio aluno definirá seu currículo, de acordo à pesquisa que for conduzir até o fim do curso). Ainda que permeada de cacoetes acadêmicos, a iniciativa é louvável, e surpreende enormemente que ela parta do seio da própria Universidade. Diante da volatilidade do conhecimento contemporâneo, a idéia de mesclar disciplinas e cadeiras específicas, produzindo um "pacote" mais genérico, mais universalista e, por que não dizer?, mais útil torna-se, para certas Faculdades, uma questão de sobrevivência. (Traduzindo: quando não for mais possível justificar a necessidade de se passar 4, 5 ou 6 anos adquirindo um diploma, o Ensino Superior, contraposto à dura realidade do Mercado, perde o seu sentido.) Renato Janine Ribeiro, ao repensar o papel da Universidade, abrindo essa discussão para a Sociedade, inaugura uma postura que deveria ser seguida em toda a cadeia do prostrado Ensino Público.
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>>> O Estado de S. Paulo
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Cinema
>>> Always keep them laughing
Ainda que se incorra em generalização apressada, é possível detectar, no cinema atual, uma corrente que visa produzir "estranhamento" no espectador. Primeiro, misturando os gêneros documentário e ficção, tirando da voz todas as nuances, como numa produção amadora. Segundo, colocando a trilha-sonora em último plano, em conflito flagrante com os diálogos, resultando num irritante ruído de fundo. Terceiro, suscitando emoções contraditórias na platéia, ao compor cenas que vão da comédia ao sarcasmo, à tragédia, ao humor negro, mandando as caracterizações das personagens para o beleléu. A Hora do Show, filme de Spike Lee Joint, é um bom exemplo disso. O diretor mais engajado dos Estados Unidos parece que desistiu definitivamente da idéia de "contar histórias", partindo irremediavelmente para o discurso. Acontece que, nem todos os dias, a disposição do público é a de assistir a uma "defesa de tese". De qualquer jeito, sua preocupação é mostrar como um "TV show" (seriado, programa, especial) tem o poder de polarizar a opinião pública, muito mais do que qualquer manifestação política. O longa conta a vida de um produtor, de uma secretrária e de dois artistas de rua, que têm seu mundo transformado graças a Mantan, um semanário televisivo de humor, em que negros são ridicularizados, conforme a tradição do showbiz. Uma mensagem válida, mas num meio, talvez, não tão adequado. Spike Lee Joint reclama de estrear em poucas salas em São Paulo. Depois do cerebral A Hora do Show, terá sua cota reduzida ainda mais.
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>>> http://www.bamboozledmovie.com/
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Gastronomia
>>> O Conselheiro também come (e bebe)
O Nero fica na Alameda dos Arapanés, em Moema, entre a Cotovia e a Eucaliptos. Inagurado há três meses, tem ainda a sua fachada retocada pelo pintor, que recebe os clientes antes até que o manobrista. O maître e os garçons são extremamente atenciosos e prestativos, mas um pouco desatentos. O que não compromete a casa, afinal, é comum topar com profissionais que se embananam com cardápios e pedidos, repetindo muitas vezes as mesmas perguntas ou esquecendo-se de detalhes importantíssimos. (Quando um freguês pede para mudar um coisa mínima, que seja, no prato ou na bebida, aquilo se torna fundamental para ele, e se não for realizado a contento, o restaurante está arriscado a jogar fora a comida e/ou o drink.) O Nero está querendo se estabelecer, portanto, cuida que as cadeiras sejam confortáveis, as toalhas, limpas, a cozinha, arrumada. Mostra-se versado em entradas, massas, carnes e sobremesas, fazendo jus à sofisticação de qualquer desses restaurantes metidos à besta. Não é o acontecimento gastronômico do ano, mas sua simplicidade e disponibilidade (nunca está cheio) consagram-no como alternativa às pessoas que se recusam a fazer fila e, depois, pagar com os olhos da cara. Vale, indubitavelmente, uma tentativa.
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>>> Nero - Al. dos Arapanés, 1456 - Tel.: 5561-0702
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Julio Daio Borges
Editor
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