DIGESTIVOS
Sexta-feira,
1/5/2009
Digestivo
nº 413
Julio
Daio Borges
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Música
>>> Coração Americano, 35 anos do Clube da Esquina
Depois de classificar três canções no 2º Festival Internacional da Canção (entre elas, "Travessia"), e depois de uma breve passagem por São Paulo, Milton Nascimento retornaria à sua cidade natal, o Rio de Janeiro, após uma vida inteira em Três Pontas e uma carreira meteórica de crooner, em Belo Horizonte. Mesmo estabelecido no Rio, nunca perderia o contato com a cena cultural da capital mineira e, para isso, teria sempre como guias os talentosos irmãos Borges, primeiro Márcio e depois Salomão, o "Lô". Como uma forma de reconhecimento, gravaria, por exemplo, "Para Lennon e McCartney" e "Clube da Esquina" (as duas com letra de Márcio e música de Lô), no disco Milton, de 1970. Mas Milton Nascimento enxergava, em Lô, mais que um adolescente que recém completara o segundo grau e, naquele início dos anos 70, resolveu convidá-lo para um álbum duplo, em que cada um comporia metade da obra. Era a centelha do Clube da Esquina (1972). Como "banda base", Milton convocaria o Som Imaginário, de Wagner Tiso, Tavito, Luíz Alves e Robertinho Silva; e, como exigência de Lô Borges, embarcaria também seu amigo, na mesma idade pré-vestibular, Beto Guedes. O apartamento de Milton no Rio, com sua agitação, atrapalharia o acesso às musas, logo, o núcleo de compositores decidiria buscar inspiração em Mar Azul, Niterói/RJ, onde comparecia ainda Ronaldo Bastos (que ficaria também encarregado da produção do disco) e para onde despachariam remotamente letras Fernando Brant e, claro, Márcio Borges. Depois de um ano na praia, os músicos seguiram, enfim, para os estúdios da Odeon, novamente no Rio, com o amparo dos guitarristas Toninho Horta e Nelson Ângelo e do técnico de gravação Nivaldo Duarte. Os arranjos de base ficariam a cargo de Wagner Tiso e os de orquestra, nas mãos de Eumir Deodato. Ah, fora a regência, em alguns momentos, de Paulo Moura, e a participação, em uma única faixa, de Alaíde Costa. Dessa coletividade, no mínimo, exuberante (e da qual é possível esquecer sempre algum nome), nasceria Clube da Esquina — Documento Secreto nº 5 (cujo subtítulo o artista gráfico Cafi cortaria fora da capa), um dos discos mais importantes da música popular brasileira, segundo gente como Tom Jobim, Edu Lobo e Caetano Veloso... Essa e outras histórias, de uma realização sem par, quem nos conta é Rodrigo James, na cronologia do livro comemorativo organizado por Andréa Estanislau, depois de mais de 30 anos do encontro, nas "esquinas da vida", entre Milton, Lô e todos os outros.
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>>> Coração Americano
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Literatura
>>> Ivan Junqueira desvendando Otto Maria Carpeaux
O poeta, tradutor e ensaísta Ivan Junqueira conheceu Otto Maria Carpeaux em outubro de 1962, quando este era consultor nas áreas de literatura e filosofia na versão brasileira da Enciclopédia Barsa, nomeado pelo editor-chefe Antonio Callado. Aos 28 anos, Junqueira era redator de verbetes e monografias. O projeto, depois de ingerências diversas, e da saída do mesmo Callado, seria abortado em 1963. Carpeaux e Junqueira voltariam a se encontrar apenas em 1966, no projeto da Delta Mirador, desta vez comandado pelo filólogo Antonio Houaiss. Embora verdadeiros enciclopedistas andassem pelo Rio nos anos 60, Carpeaux detestava ter sua cultura, justamente, classificada como "enciclopédica". Junqueira, no entanto, confessa-se eterno discípulo do mestre, detentor de um conhecimento que — admite hoje — jamais alcançará. E é sobre a formação de Carpeaux, ao mesmo tempo misteriosa e milagrosa, que Ivan Junqueira escreve um de seus melhores ensaios no recente Cinzas do espólio. Embora fosse opositor exaltado da ditadura militar, passando inclusive por esquerdista militante, Carpeaux adquirira sólida formação católica na Europa — a mesma que permearia, para sempre, sua visão de mundo. Otto Karpfen (originalmente judeu), ou "Otto Maria Fidelis" (depois da conversão ao catolicismo), era herdeiro da Casa da Áustria, do conservadorismo dos Habsburgos e, portanto, do Império Austro-Húngaro. Definindo o barroco como "o último estilo que abrangeu ecumenicamente toda a Europa", Carpeaux revelava sua formação barroco-católica. Junqueira detecta, em sua tendência para o "mistério" e para as "vertigens abismais da alma", uma provável dívida para com os místicos espanhóis, Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz. Ainda identifica algo de Sêneca, "o modelo do teatro barroco", segundo o próprio Carpeaux. Mas Junqueira não deixa de lado as influências de Hegel e, sobretudo, de Benedetto Croce. Com a ajuda de Mauro Ventura, conclui que, também para Carpeaux, arte era "símbolo" e não, apenas, "documento do real". Logo, sua crítica estética, mesmo objetivando valores morais, era tributária da tradição do romantismo alemão (que, igualmente, pregava a oposição entre "símbolo" e "alegoria"). Fora o barroco-católico e o romantismo alemão, haveria, ainda, um terceiro pilar na formação de Otto Maria Carpeaux: o "sentimento trágico do mundo" — que Schopenhauer e Nietzsche emprestariam das tragédias gregas e que obrigaria Carpeaux a reler, anualmente, as obras de Shakespeare e os mesmos dramaturgos gregos da tragédia. Analisando Sófocles e concluindo que o pessimismo levava à purificação da alma, Carpeaux reforçava, mais uma vez, sua visão de mundo barroca: onde o homem era naturalmente decaído, onde prevalecia a doutrina pessimista da natureza humana e onde se negava, consequentemente, a ordem cósmica estabelecida pelo renascimento... Ivan Junqueira perderia contato com seu mestre a partir de 1973, depois de participar, como colaborador, em mais um projeto de enciclopédia, o da Mirador Internacional, onde Carpeaux comandava as seções de literatura, filosofia e música. Otto Maria Carpeaux faleceria numa sexta-feira de Carnaval de 1978, depois de anos de silêncio, depressão e agonia. Mas suas lições permaneceriam — principalmente aquela segundo a qual "a literatura é a mais alta e complexa manifestação do pensamento humano".
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>>> Cinzas do espólio
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Imprensa
>>> A Revista de Cultura do Itaú Personnalité
Para quem não tem mais paciência de folhear as revistas ditas "de cultura" nas bancas de jornal, surgiu uma alternativa salvadora: a Revista do Itaú Personnalité. Produzida pelo núcleo de "customizadas" da editora Trip, que já foi responsável pelas revistas da Mitsubishi e da Gol, entre outras, a do Itaú Personnalité (o segmento private do Itaú) não decepciona, porque: primeiro, não se pauta pela agenda; segundo, não tem vergonha de ser highbrow (principalmente num mercado pós-Piauí); e, terceiro, foge corajosamente da celibritite aguda, perfilando verdadeiros nomes da cultura. Assim, para começar, tem Luiz Schwarcz, editor-fundador da Companhia das Letras, entrevistado por Oscar Pilagallo, criador da extinta revista Entrelivros. Segue com Marta Góes, autora de Um Porto para Elizabeth Bishop (e mãe de Antonio Prata), assinando perfil sobre Myrna Domit, filha da nossa elite mas preocupada com o mundo. Prossegue com Ana Paula Sousa, ex-editora de cultura de Carta Capital, revelando Fátima Toledo, a preparadora de atores por trás de Cidade de Deus e Tropa de Elite. E encerra com Carlos Haag, ex-editor de cultura do Valor Econômico, conversando com o eternamente lacônico Nelson Freire (complementado por uma entrevista com o documentarista João Moreira Salles). Entre outras matérias interessantes... Se, nos programas da rádio Eldorado, Paulo Lima, cérebro da Trip, vêm flertando com autênticos representantes do pensamento brasileiro contemporâneo, como Luiz Felipe Pondé e Contardo Calligaris, no núcleo de customizadas da sua editora vemos frutificar uma publicação que aposta seriamente na alta cultura, justo num momento em que os jornais morrem ao redor do globo e muitos se sentem, intelectualmente, órfãos.
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>>> Revista do Itaú Personnalité
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Julio Daio Borges
Editor
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