DIGESTIVOS
Quinta-feira,
13/5/2010
Digestivo
nº 462
Julio
Daio Borges
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Imprensa
>>> O Pianista no Bordel, de Juan Luis Cebrián
Embora, na era da internet, os jornais tropecem cada vez mais, volta e meia sentimos falta da grande reflexão de que só os antigos jornalistas eram capazes. Com o papel imitando progressivamente a Web, os textos diminuindo de tamanho, as "notinhas" tomando conta de tudo e a habilidade de refletir à la longue se perdendo no ar, é um alívio — até quando? — encontrar um texto como o de Juan Luis Cebrián, aqui editado em livro pela Objetiva. Cebrián não usa o subtítulo "Jornalismo, democracia e nova tecnologias" para vender os lugares-comuns típicos de "gurus", palestras e cursos. Em dez ensaios propõe, efetivamente, reflexões originais sobre assuntos como o "quarto poder", as origens do jornalismo, a liberdade de imprensa, a censura, o "infotainment", a globalização e, inescapavelmente, a internet. Embora tenha feito a glória de El País na Espanha, Juan Luis Cebrián, ao contrário dos nossos jornalistas de papel, não leva a World Wide Web para o lado pessoal e consegue, como poucos homens de mídia em sua geração, analisar o fenômeno em todas as suas implicações. Talvez porque seja um grande realizador, e não precise mais lutar pela sobrevivência, Cebrián encontra o distanciamento necessário, jamais polarizando o debate com generalizações simplistas. Para completar, escreve muitíssimo bem. (A tradução, de Eliana Aguiar, merece o devido crédito.) Parafraseando Michael "TechCrunch" Arrington — que, recentemente, discorreu sobre a inutilidade dos "formadores de opinião da internet" criticarem o avanço incontestável do Facebook —, o velho jornalismo não vai se salvar ficando apenas na discussão de ideias. De qualquer forma — até para sair desse frenesi de velocidade, instantaneidade e brevidade —, a sociedade continuará precisando de ensaístas como Cebrián, nem que seja para entender o que está acontecendo. Juan Luis Cebrián, finalmente, pode ser considerado uma das últimas encarnações vivas do "jornalismo como o conhecíamos".
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>>> O Pianista no Bordel — Jornalismo, democracia e nova tecnologias
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Internet
>>> Publique eletronicamente ou pereça: Ken Auletta na New Yorker
Para variar, a discussão sobre o impacto do livro eletrônico — via Kindle, via iPad — ainda mal começou no Brasil, embora, nos Estados Unidos, já esteja pegando fogo. Ken Auletta — que dedicou um volume inteiro ao Google — resolveu se debruçar sobre o impacto do iPad, no universo do livro eletrônico, e escreveu a melhor reportagem sobre o assunto, na New Yorker. Auletta foge do óbvio e nisso está seu mérito. São, atualmente, duas visões de mundo, sobre o futuro do livro, que se chocam no palco dos novos leitores eletrônicos. De um lado, a Amazon, a maior livraria do planeta. Jeff Bezos, seu fundador, já declarou, por exemplo, que o livro físico está condenado, e, dentro da sua empresa, acredita-se que conseguir vender um e-book por US$ 9,99 — em plena era dos downloads — é um grande feito. (E é mesmo.) No outro corner, estão os publishers, as grandes editoras de livros de papel dos EUA, que consideram impossível sobreviver com edições eletrônicas a menos de dez dólares. Então surge Steve Jobs... — o mago do iPod, do iPhone... e do iPad! Jobs, que já viu a cara da morte duas vezes, estaria pensando, agora, em seu legado, conta a reportagem. E nada mais heróico, neste momento, do que salvar o velho mainstream editorial... Na queda-de-braço para tornar o negócio viável, as editoras queriam vender os e-books a dezessete dólares (16,99) e a Apple a quinze. Quem assistiu à demonstração da loja iBooks em janeiro, deve ter notado que o preço dos lançamentos estava em US$ 14,99. Um blogueiro mais atento, depois que todo mundo babava em cima do iPad, resolveu confrontar Jobs em plena descida do palco: "Por que você acha que alguém vai pagar esse preço quando pode comprar o mesmo livro na Kindle Store [que funciona no iPad] a US$ 9,99?". "Porque o preço não vai ser US$ 9,99", rebateu Jobs. E a Macmillan provou seu ponto, quando ameaçou sair da Amazon em fevereiro, caso não pudesse vender seus e-books acima de US$ 9,99. (Jobs ficou orgulhoso do feito.) Auletta sugere que esse maniqueísmo, contudo, é apenas uma parte da história. No meio do ano, o Google promete entrar na briga, com a sua "Google Editions", e 12 milhões de títulos eletrônicos — para serem vendidos em toda e qualquer plataforma. Auletta ainda deixa sugerido que o mercado editorial vai ter de diminuir os longos almoços durante a semana e tentar se entender com os "engenheiros" que criaram (e hoje dominam) a internet. Para encerrar a matéria, sugestivamente (como sempre), com a parábola de um agente literário não identificado: "Você pode até criar asas e tentar desafiar a lei da gravidade mas vai acabar caindo no chão da realidade".
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>>> The iPad, the Kindle, and the future of books
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Além do Mais
>>> Freud pela Companhia das Letras
Freud morreu em 1939. No ano passado, portanto, toda sua obra caiu em domínio público. No Brasil, a principal edição de seus trabalhos era a chamada "standard", com uma tradução, no mínimo, desatualizada. A Companhia das Letras soube preencher esse vazio, agora, com a reedição das obras completas de Freud em tradução nova. O responsável, pela empreitada, é Paulo César de Souza, igualmente tradutor das obras de Nietzsche pela Companhia. (Inclusive das versões de bolso, que se tornaram onipresentes nas livrarias.) A importância das ideias de Freud, para o século XX, é inquestionável. Isso não significa, contudo, que, como autor, ele seja "acessível". Os três primeiros volumes da coleção nova, cronologicamente, não correspondem aos primeiros escritos de Freud. O que talvez crie a sensação, no leitor, de — como se diz na gíria — "pegar o bonde andando". "Além do Princípio do Prazer" (no volume de cor verde), por exemplo, é um texto de 1920, quando A Interpretação dos Sonhos, a obra inaugural da psicanálise, é de 1900. Ou seja, duas décadas separam um texto fundador de outro, exigindo, do leitor brasileiro, um conhecimento mínimo dos conceitos psicanalíticos. "Introdução ao Narcisismo" (no volume de cor vermelha) está um pouco mais próximo das "definições" (é de 1914), mas, mesmo assim, soa árido para leitores desacostumados. O volume azul, com nenhum título muito conhecido, talvez deva ser escolhido primeiro, afinal "Princípios Básicos da Psicanálise" está nele, e resume bem as principais conquistas até 1913 (em menos de dez páginas). A exemplo da diferença entre textos "exotéricos" e "esotéricos" na Grécia antiga, Freud não parecia muito preocupado com o público leigo e escrevia para médicos iniciados. As belas edições da Companhia das Letras, naturalmente, não devem ser culpadas por isso. Mas talvez esta tradução acrescente uma nova dificuldade. "Ego" cedeu lugar a "Eu" (com "e" maiúsculo); "recalque" virou "repressão"; e "pulsão", agora, é "instinto" (entre outras mudanças). Algo que, inicialmente, pode facilitar a compreensão das novas gerações, mas que, certamente, vai irritar quem praticamente se formou com expressões como "ego, id e super-ego" (agora, "Eu, id e Super-Eu"?). Freud, com a convivência, torna-se menos difícil do que parece a princípio, contudo inovações no vocabulário nem sempre são bem-vindas, ainda mais depois de uma reforma ortográfica.
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>>> O Caso Schreber
Artigos Sobre Tecnica E Outros Textos (1911-1913) | Ensaios De
Metapsicologia E Outros Textos (1914-1916) | O Homem Dos Lobos
(1917-1920)
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Literatura
>>> Ficção Brasileira Contemporânea, por Karl Erik Schøllhammer
Depois de uma experiência traduzindo autores escandinavos como Ibsen e Kierkegaard, fora uma série de livros sobre literatura nos anos 2000, Karl Erik Schøllhammer, professor associado do departamento de Letras na PUC-Rio, resolveu encarar o tema espinhoso da "ficção brasileira contemporânea". Espinhoso porque muitos dos autores estão vivos, porque muita gente boa desistiu da crítica de literatura contemporânea e, inclusive, antologistas se arrependeram de reunir escritores, por causa das infinitas explicações, que têm de frequentemente dar, sobre critérios de escolha. Ainda que comece com a típica pergunta acadêmica "Que significa literatura contemporânea?", o volume é um dos mais legíveis sobre a matéria, principalmente quando entra no assunto (a partir do segundo capítulo). Schøllhammer, como pouquíssima gente antes dele, tem a coragem de colocar os pingos nos "is", quando, por exemplo, afirma: "Inicialmente, a 'Geração 90' foi um golpe publicitário muito bem armado". Continuando, sem piedade: "Olhando mais de perto, entretanto, é difícil encontrar semelhanças reais entre os participantes". E no capítulo dedicado ao "mercado": "Apesar da modernização do mercado editorial, sua realidade econômica é crítica. Desde 1998 até muito recentemente, nenhum setor da economia brasileira sofreu tanto quanto o mercado do livro". Para encerrar com: "O governo ainda é o maior comprador, responsável por cerca de 24% das vendas do setor, mas esse número está em queda contínua". Felizmente, Schøllhammer soube reconhecer fenômenos como a Geração 00, de autores como Daniel Galera e de editoras como a gaúcha Livros do Mal. Paciente, analisou mesmos autores que deixaram de sê-lo, como Diogo Mainardi (que, pouca gente se lembra, lançou-se como escritor). Enxergando, para completar, tendências (nem todas dignas de nota) com a do "microconto" e da recorrente "literatura marginal". Enfim, em menos de 200 páginas, Ficção Brasileira Contemporânea (Record, 2010) não é definitivo, mas toca pontos importantes, longe da condescendência da nossa "crítica" e de "eventos" literários os mais diversos. A verdadeira literatura brasileira — ou o que sobrou dela — agradece.
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>>> Ficção Brasileira Contemporânea
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Julio Daio Borges
Editor
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