DIGESTIVOS
Quarta-feira,
23/2/2011
Digestivo
nº 476
Julio
Daio Borges
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Internet
>>> O valuation (absurdo) do Facebook
Mark Zuckerberg também ficou conhecido por ser "o mais jovem bilionário da História". (Já o era aos 25 anos.) E o Facebook passou de "mais uma rede social" (em 2004) para "a" rede social (2010): The Social Network. Hoje quase ninguém mais se lembra do Orkut, que já foi febre no Brasil. Muito menos do Friendster, a primeira de todas. E, menos ainda, do MySpace, que conseguiu seduzir até um velho dinossauro como Rupert Murdoch. O fato é que o assunto "Facebook" está à beira da exaustão — o que muitos especialistas apontam como o auge da valorização do site (antes da queda). Além do livro e do filme, já havia sinais, desde que o Facebook ultrapassou o Google em visitação, nos EUA, atingindo, posteriormente, 500 milhões de usuários no mundo. O Twitter, que pretendia 1 bilhão de usuários, contentou-se com uma aparição no programa de Oprah Winfrey, o máximo de exposição em sua carreira, igualmente, meteórica. (E o Google tentou comprar o Twitter; e o Facebook acabou comprando o FriendFeed...) A especulação deixa de sê-lo, contudo, quando o Goldman Sachs anuncia que vai comercializar as ações do Facebook, numa das maiores IPOs da História. E, para provar que é bom negócio, o Goldman investe do seu próprio bolso (no Facebook). Muita gente estrilou, por dois motivos. Primeiro porque o Goldman foi "resgatado" pelo governo, durante a crise de 2008. Logo, não poderia estar, novamente, envolvido num investimento de risco (envolvendo, em última instância, o dinheiro dos contribuintes). Em segundo lugar, porque investir o próprio dinheiro (até onde esse dinheiro pode ser "próprio") não significa muita coisa, afinal o Goldman vai lucrar muito mais, se o Facebook efetivamente for "a maior IPO da História". Quem lança essa tese é Douglas Rushkoff, um analista sobrevivente (desde a primeira bolha de internet, em 2000). Rushkoff não compara o Facebook com o MySpace (outro fiasco), nem com o Orkut (que só trouxe processos ao Google), nem com o YouTube ou o PayPal, valuations "recentes", mas, sim, com a America Online. A AOL foi, se é possível lembrar, "maior que a internet", antes da internet. E a AOL se fundiu com a Time Warner, quando estava no auge, numa tentativa desesperada de aproveitar a onda e adquirir ativos do chamado "mundo real". Rushkoff lembra que a fusão foi um desastre, que acabou sendo desfeita, e que Steve Case, outrora gênio da internet, teve de se contentar com aparições em eventos como os do blog TechCrunch (aliás, vendido para a mesma AOL, que subsiste...). Toda a discussão retorna ao encontro memorável entre Jason Calacanis e David Heinemeier Hansson, da 37Signals, que encarnavam, respectivamente, o capitalismo das bolhas, "estilo" Facebook, e o "capitalismo real", estilo "economia real". Hansson argumentava que valorizações estapafúrdias não ajudavam os negócios na internet, criando expectativas incomensuráveis, eternamente condenadas à frustração. Já Calacanis contra-argumentava que investidores bilionários, ou até simples milionários, queriam negócios cada vez maiores, e que as bolhas faziam, sim, parte do jogo. Não se sabe, exatamente, quem serão os ganhadores e os perdedores, nesta rodada, mas as apostas, no Facebook, já giram em torno de 50 bilhões de dólares...
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>>> Facebook hype will fade
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Literatura
>>> Obras Escolhidas de Descartes, pela editora Perspectiva
De Descartes, na escola, sobrou o plano cartesiano. Ou, talvez, a maneira cartesiana de escrever. Introduzindo, desenvolvendo, concluindo. Em francês, os chamados récits... Mas Descartes é muito mais que isso. Basta dizer que, na Filosofia da USP, ele tem prioridade em relação a todos os outros filósofos. Seu "método" tornou-se uma chave, para se compreender, ainda hoje, filosofias as mais diversas. Marilena Chaui, até pouco tempo, ficava encarregada das aulas espetáculo a respeito de Descartes. Afinal, suas obras estão para a História da Filosofia assim como o Renascimento está para a História da Arte. Descartes misturou o empirismo, da ciência moderna, com o pietismo da escolástica, criando uma nova metafísica, pautada pela dúvida sistemática. Tendo quase encontrado Galileu pessoalmente, surpreende que Descartes seja tão respeitoso para com a religião (Diderot, igualmente, observa). Como alguns cientistas até hoje, Descartes considerava que a ciência e a religião ocupavam domínios distintos, que não se interpenetravam... A presente edição, de suas Obras Escolhidas, pela editora Perspectiva, não deixam nada a dever à edição canônica de La Pléiade, da editora Gallimard. Nela, estão, claro, o Discurso do Método, as Meditações (incluindo Objeções e Respostas), As Paixões da Alma, as Regras para a Direção do Espírito, além da Geometria e da Correspondência Selecionada. Chamam a atenção, ainda, os excertos da "primeira biografia", nas páginas finais do volume. Através dela, ficamos sabendo que Descartes "sempre recusou toda espécie de títulos" (embora carregasse o atributo de "Senhor de Perron"). Chegou "atrasado" em relação ao "chanceler" Bacon (Diderot também concordaria). Não tardou a ser transformado em "Cartesius" (versão latina de seu nome). E desconfiou do silogismo aristotélico desde os bancos escolares. Aprendeu a dividir as coisas "ao máximo", "para melhor resolvê-las". Renunciou aos livros, mais de uma vez. ("Não pretendia reformar outra coisa a não ser seus próprios pensamentos".) E procurava a verdadeira ciência "no grande livro do mundo". Escolheu "um gênero de vida que estivesse em conformidade com sua vocação". E "que fosse cômodo para a realização de seus propósitos". Acabou concluindo que "todas as extremidades nas ações morais" eram "viciosas"... Enfim: Descartes, cuja influência nunca deixou de ser sentida, está, de novo, entre nós ;-)
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>>> Obras Escolhidas de Descartes
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Música
>>> Wrong Way, de Conrado Paulino
Existe aquele ditado preconceituoso: "Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina". (Segundo Ed Motta, os críticos brasileiros não sabem fazer nem ensinar, mas, aí, já é outra história...) O fato é que Conrado Paulino sempre foi um mestre. E todo mundo lembra dele na época áurea do CLAM (a escola de música do Zimbo Trio). Assim, seu primeiro CD, em estúdio, parece que não tinha ficado à altura do domínio que Conrado possuía da técnica do violão. Sem falar no seu profundo conhecimento de música popular brasileira. E de jazz. O CD soava um pouco insosso, talvez "produção" demais... A banda, em vez de acompanhar, ofuscava seu brilho. As participações, que inicialmente encorpariam o registro, parece que, além de não acrescentar muito, desequilibravam o conjunto. Portanto, foi sábia a sua decisão de, no segundo disco, resumir quase tudo ao violão solo. O título Wrong Way dá margem a várias interpretações, mas poderíamos arriscar que Conrado resolveu se expor, sem firulas, com, no máximo, alguma percussão. E o resultado, finalmente, está à altura do mestre de gente como Camilo Carrara, Chico César, Tomati e Fernando Corrêa. É muito difícil, tendo esmiuçado o cancioneiro do Brasil, tendo feito praticamente a autópsia do nosso songbook, ainda encontrar, nele, alguma inspiração e saber recriá-lo, à sua maneira, acrescentando novidade ao panorama. A chave talvez esteja no que sugere Fábio Zanon, no encarte: "(...) a mistura de Joe Pass com Baden Powell". Argentino, Conrado incorporou o samba de Powell, como provavelmente nem os instrumentistas americanos que "acompanharam" João Gilberto e a bossa nova conseguiram. E Pass é quase uma novidade, para os nossos ouvidos, porque, justamente desde a bossa nova, violonistas brasileiros quase não estudam mais jazz. Wrong Way abre com "Isaura", que, em sua desconstrução, é puro Pass. Já "Olha para o Céu" (Jobim), a segunda, talvez seja Baden, mas calculado, fino, sem forçar as cordas e sem fazer estrilar o violão. "Dindi" soa meditativa, à la Sinatra-Jobim, enquanto "Feitio de Oração" soa faceira, justa homenagem a Noel e Vadico. Conrado foi corajoso em encarar "Manhã de Carnaval", que João Gilberto basicamente esgotou, e foi sábio ao introduzir "Todo o sentimento", deixando Chico Buarque e Cristóvão Bastos como alguns dos únicos contemporâneos na lista. Outro é Caetano Veloso, que comparece com "Luz do Sol" e que Conrado sofistica, muito além do polemista, rivalizando com a versão de Gal Costa. O toque de humor, depois de tanta reflexão, fica por conta de "Ai ai ai ai ai", de Ivan Lins e Vitor Martins. "Samba da minha terra" ressurge, à altura de Caymmi, fechando, na seção "bonus tracks". Se nos fosse permitido comparar discos, este Wrong Way, na linha do tempo, se aproximaria do álbum que Paulinho Nogueira, no início da década passada, dedicou à primeiras composições de Chico Buarque. Conrado, como Nogueira, soa exato, maduro e definitivo. E se esse "way" (caminho) for "wrong" (errado), que a nossa música siga cada vez mais "na contramão" ;-)
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>>> Wrong Way
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Gastronomia
>>> O Serafina, de Nova York, para São Paulo
Entre jovens amanhecidos "zapeando" em seus iPads, mesas cheias de mulheres independentes se confraternizando e amigos no último encontro antes do final de ano, ninguém poderia imaginar que o Serafina, que desembarcou na alameda Lorena em agosto, é um sucesso absoluto, tendo pago o investimento, sinalizando com outros futuros. A fórmula nunca é simples — se é que ela existe — mas, no caso do Serafina, a receita para funcionar tão bem parece ainda mais um enigma. A presença feminina, no coração dos Jardins, talvez explique muita coisa. O assessor nos informa que o cardápio é predominantemente "feminino", com massas e saladas. Mas não basta. Ficamos sabendo, ainda, que a entrada é convidativa, com mesas se estendendo até a calçada, numa sugestão de bar, "praia de paulista"? Mais adiante, poderíamos arriscar, a atmosfera de Comer, Rezar, Amar, com Julia Roberts podendo desembarcar a qualquer instante, na companhia de Javier Barden. O Serafina não é tão implacável quanto uma cena de Sex and the City, com mulheres duronas, sobrevivendo às agruras da solteirice. É — como talvez se deva conceder ao mesmo assessor — "feminino", colorido, "florido", cheio de vida. Um restaurante da moda? Provavelmente, sim. Mas a verdade é que ter "personalidade" em excesso também cansa. De modo que podemos estar caminhando para uma gastronomia menos "artística", sob o domínio dos todo-poderosos chefs, e a obrigatoriedade de se submeter às suas criações mais estapafúrdias. De repente, queremos a experiência de uma boa massa, sem transgressões, uma salada, sem reinvenções, e uma sobremesa, sem vapores, escumas, transubstanciações. Queremos um restaurante! É pedir muito? O Serafina nasceu, em Nova York, de uma promessa, de dois velejadores, que se viram presos numa tempestade. Completou 15 anos em 2010 e, além de São Paulo, tem filiais na Philadelfia e no balneário de Hamptons. Na nossa capital, ocupa um casarão de 1908, está sob o comando do chef Ricardo di Camargo, pertencendo aos brasileiros Marcelo Alcântara, Rubens Zogbi e Paulo Torre, e ao italiano Davide Bernacca. Nos Estados Unidos, além de Leonardo DiCaprio e Tom Cruise, Hillary Clinton é uma das frequentadoras mais assíduas. Não espantaria, portanto, se Dilma, um dia, sequestrasse a indefectível Secretária de Estado dos EUA e juntas, no Serafina, fossem conversar sobre as boas coisas da vida...
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>>> Serafina São Paulo
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Julio Daio Borges
Editor
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