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Quarta-feira, 12/9/2001
Digestivo nº 49
Julio Daio Borges
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+ 1 Comentário(s)




Imprensa >>> O dia em que a Terra parou
Waaal. (Por onde andará Paulo Francis, o homem que teria um dos mais fundamentais comentários, para o Brasil, neste momento trágico?) Primeiro, foi a notícia. Com o seu caráter contabilista e numérico: - "Mais um atentado no Primeiro Mundo? Nos Estados Unidos?". Depois, foi a televisão. Com suas imagens apocalípticas e seus correspondentes dignos de Guerra dos Mundos (de Orson Welles): "O que vocês estão vendo são cenas de guerra. 11 de setembro de 2001, um dia para se guardar na memória." Em seguida, foi o rádio. Com suas coberturas transatlânticas e suas analises sucessivas: "As embaixadas dos EUA, no globo, estão sitiadas. A ordem é para que nenhum americano saia mais de casa. Prevê-se uma crise de liquidez." Mais tarde, foi a internet. Com suas manchetes simultâneas e seus e-mails catárticos: "Para doar sangue, ligue 1-800-GIVE-LIFE. Para doar dinheiro, ligue 1-800-HELP-NOW". Por fim, foi a televisão, mais uma vez. Com edições memoráveis, pronunciamentos e personagens exibidos worldwide: "Oh, my God! Oh, shit! Move, move! Eu vi as pessoas se jogando das janelas. Nós vamos perseguir e punir os responsáveis por esse ato aterrador e covarde." (Um minuto de silêncio.) Pois bem. O que dizer - além da presente constatação dos fatos? A catástrofe é humana, ninguém questiona. Mas os olhos se voltam para os Estados Unidos, agora. Por maior que tenham sido o ódio, as críticas e a reprovação ao "american way of life", em todos esses anos, ninguém acreditava que os EUA pudessem "falhar". Mesmo que a Terceira Guerra Mundial não irrompa, ninguém previa um desastre de tal magnitude, em "tempos de paz". A última vez foi em Hiroshima e Nagazaki, pode-se dizer. Por força e obra dos mesmos Estados Unidos da América. Além da carnificina, o conflito atual parece evocar o eterno embate entre Oriente e Ocidente. Inerente e irredutível na Humanidade, em todos os tempos. Como a violência. A diferença, portanto, é de escala (por mais chocante que isso possa soar). Os Estados Unidos se converte numa bomba-relógio, prestes a detonar. Quando isso ocorrer, as "twin towers" serão apenas a metáfora do império que desabou em escombros. Como a civilização que se conhece agora. [Comente esta Nota]
>>> http://www.cnn.com/
 



Cinema >>> Not many people have a Destiny
A imagem de T. E. Lawrence, que tem chegado ao público médio, é a de um escritor habilidoso que relatou suas conquistas e desventuras na Arábia. Assistir a Lawrence da Arábia em DVD, portanto, torna-se uma experiência altamente reveladora, porque não é bem essa imagem que fica depois de três horas de projeção. O próprio libreto diz que "dramatizar é simplificar" e que "simplificar é (necessariamente) deixar algo de fora". O longa de 1962 privilegia o herói, o guerreiro, o líder com um "quê" de messiânico. Lawrence não anda sobre as águas, mas suporta as maiores provações que o deserto pode proporcionar: fome, sede, alucinações, morte. O intelectual, o erudito, o autor dos Sete Pilares da Sabedoria fica, assim, "de fora". Ao menos, ele não condiz com o sujeito do filme (não à toa, parece escrever "por hobby", ou nas horas vagas entre uma batalha crucial e outra). Isso tudo para dizer que a escolha do diretor David Lean e dos roteiristas Robert Bolt e Michael Wilson foi corretíssima: o homem, T. E. Lawrence, e seus feitos como tenente, major e coronel são muito mais impressionantes do que qualquer clausura literária. A dimensão de seus sentimentos e de sua tragédia - como lorde inglês que se converte aos barbarismos e à crueldade dos árabes - fica muito mais evidente na ação, no empunhar de um revólver ou de uma faca, do que em quaisquer reflexões pessoais mais intrincadas. É uma espécie de sina da Sétima Arte (e de todas as artes que lidam com a representação): não há como "encenar" o ato de pensar, um "insight" ou qualquer coisa que o valha. A grande dramaturgia só se atinge pela colagem de "peças narrativas" de alto impacto e não pelas horas de solidão num quarto escuro - mesmo em Shakespeare. Lawrence da Arábia, pelo visto, transcende de longe o que se podia esperar de um grande épico produzido nessa época de realizadores monumentais que não volta. Peter O'Toole é, sem sombra de dúvida, um dos maiores atores de sua geração. E contracenar com Anthony Quinn (em sua melhor fase), Alec Guinness (um príncipe oriental insuperável) e Omar Sharif só podia dar no que deu. Três horas de algumas das mais belas emoções humanas. [Comente esta Nota]
>>> Lawrence of Arabia
 



Além do Mais >>> Cieci, Sordi e Muti
Riccardo Muti e a Orchestra Filarmonica della Scala di Milano deram um "show" de regência e virtuosismo, no início de setembro, na Sala São Paulo. Mais uma vez, a cidade contou com um espetáculo à altura do que se faz de melhor no Velho Continente, em matéria de música. Muti e seus "performers" sacudiram o teto e balançaram o chão, desde abertura com Rossini e Guilherme Tell até o encerramento com Verdi e La Forza del Destino (sendo o regente um especialista e um entusiasta do compositor italiano). Houve quem acusasse os executantes de apelar excessivamente para o sentimentalismo e para as tonalidades dramáticas (afinal, trata-se de uma "formação" acostumada e desenvolvida à base de grandes óperas). Enfim. Se o maestro "se acaba" em gestos, e a orquestra o acompanha em grandiloqüência, são inevitavelmente tachados de "excessivos". Já, se todos "se contêm" e o resultado só se faz ouvir entre aqueles que procuram "o mínimo e o escondido", aí então são todos recriminados por sua "frieza" e "indiferença". Francamente, fica difícil agradar aos "paladares" da crítica tupiniquim que - em décadas - nunca teve uma temporada decente de música erudita, mas que - de repente - se viu emitindo juízos e pareceres, como se houvesse "crescido" entre os grandes nomes e as grandes obras. Francamente. Por suposto que Riccardo Muti esteve acima de qualquer polêmica "nativa", concentrando seus esforços em destrinchar a última realização de Tchaikovsky, sua Sexta Sinfonia, a "Patética". Essa composição assumiu sua verdadeira vocação para réquiem, na Estação Júlio Prestes, posto que Muti, as cordas e os sopros esticaram e intensificaram as frases líricas até o limite, induzindo o espectador a uma meditação sobre a vida e a morte (mesmo que ele não soubesse que o autor falava justamente disso). São por momentos como esses, pelo controle e pelo pulso firme, que a platéia soube ovacionar quem realmente mereceu (embora os críticos nada tenham visto ou ouvido). [Comente esta Nota]
>>> http://www.teatroallascala.org
 



Música >>> Lento y muy marcado
O Duo Assad, composto pelos irmãos violonistas Sérgio e Odair, é praticamente desconhecido do grande público, no Brasil. Uma injustiça verdadeira, que se comete contra dois dos maiores embaixadores da música brasileira fora do País. A Warner Music parece que abriu os olhos para esse notável absurdo e resolveu lançar o Duo Assad também na sua "terra natal", como se comprova através do CD Sérgio And Odair Assad Play Piazzolla, já disponível nas prateleiras das lojas especializadas. Mas "Piazzolla"? - qualquer pessoa com o mínimo de ouvido deve se perguntar, complementando com a seguinte frase: - Piazzolla era argentino! Pois bem. No fundo, Piazzola e suas composições é só um motivo, um mote, para se explorar toda uma genealogia do violão brasileiro que, nesse disco, remonta à tradição hispânica (moura), de marcar o ritmo com batidas no corpo do instrumento, até o cromatismo e os arpejos de um chorinho sofisticado, lembrando Raphael Rabello. Dados os "limites", é de se supor o alcance quase infinito e o apuro técnico (possivelmente incomparável) da dupla em questão, trazendo rubor à face da grande maioria dos auto-proclamados "músicos" de MPB. Complementando os arranjos (de extremo bom gosto), juntam-se ao Duo Assad, um tocador de bandonéon (Marcelo Nisinman) e dois violinistas (Nadja Salerno-Sonnenberg, um sobrenome cheio de influências, e Fernando Suarez Paz, provavelmente um exemplar portenho). O álbum não é "easy listening", principalmente para quem não está acostumado aos compassos arrastados e aos cortes abruptos do último revolucionário do tango. De qualquer jeito, vale o esforço de compreensão e de concentração, pois não é todo dia que um compact disc desse naipe brota assim do chão (e da generosidade das grandes gravadoras, vale ressaltar). [Comente esta Nota]
>>> Warner Music
 



Gastronomia >>> O Conselheiro também come (e bebe)
O Weinstube fica no Club Transatlântico que, por sua vez, fica na Chácara Santo Antonio (aquela porção nobre da cidade, próxima à Marginal Pinheiros, em que se instalaram multinacionais e executivos do chamado mundo civilizado). É um restaurante alemão, como o próprio nome indica, decorado com o carvalho da Floresta Negra e oferecendo a melhor carta de vinhos germânicos de São Paulo. A idéia do Club Transatlântico é mostrar que, gastronomicamente falando, a Alemanha é muito mais do que bebidas como o Liebfraumilch de garrafa azul e comidas como a lingüiça branca e o joelho de porco. Além do ambiente intimista, que lembra as antigas adegas européias, o Weinstube oferece uma extensão mais informal e descontraída: o bistrô Alstercafé. No couvert, o destaque fica por conta do pão com alcaravia, uma semente que produz um gosto agridoce e peculiar (a ponto de gerar encomendas exclusivas por parte da clientela). Na entrada, é possível saborear o arenque (em toda a sua contundência) ou a salada verde com iogurte (uma opção mais suave). Como prato principal, sugere-se o escalope de peito de peru (ao ponto), combinado com legumes, e o tradicional "abacaxi". Ou então o fígado de aves à caçador, um prato considerado exótico mas que fez a fama dos chefs Rudolf Lenk e Tassilo Drosdek. Dentre as sobremesas, as vedetes são: a clássica torta holandesa (imitada a torto e a direito) e a Rote Grütze (uma coleção de sumos de frutas vermelhas com cobertura de creme de leite). O local - apesar de movimentado durante os almoços de dia-de-semana - é silencioso e amplo, ideal para dividir uma cerveja de trigo ou um chopp alemão com os amigos. O Club Transatlântico promove, além de eventos de business, uma programação cultural e guarda, entre suas paredes, uma preciosidade: um pedaço do muro de Berlim, um dos marcos do fim do século passado. [Comente esta Nota]
>>> Weinstube - R. José Guerra, 130 - Tel.: 5181-8600
 

 
Julio Daio Borges
Editor
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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
29/10/2001
16h37min
O Duo Assad é bem anterior a Rafael Rabelo, daí ser difícil acreditar na influência. O fato é que o Odair tem realmente uma pegada pela direita (a mão mais inclinada e carpada do que os músicos clássicos) que lembra a técnica dos chorões. Quanto aos disco, há também o magnifício Saga dos Migrantes, mais sonoro e agitado que este que vocÊ analisa. Talvez por não serem compositores tão brilhantes quanto instrumentistas, todos os discos do Duo são áridos. Sugiro os 3 discos do Duo Barbieri-Schimidt, o disco do Mahogani e todos os discos de Paulo Belinatti, o melhor compositor para violão vivo na atualidade. Quanto ao grande público, bem!!! Belle e Sebastian.
[Leia outros Comentários de José Maria Silveira]

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