DIGESTIVOS
Segunda-feira,
27/5/2013
Digestivo
nº 491
Julio
Daio Borges
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Imprensa
>>> Estadão: 'não mudar' para mudar
Faz tempo que o Grupo Estado anda mal das pernas. Na verdade, os grandes grupos de mídia começaram a apanhar nos anos 90, quando a promessa da TV a cabo, no Brasil, não se realizou. Nos primórdios da internet brasileira, os grupos Folha e Abril se uniram para consolidar o UOL (Universo Online). Já o Grupo Estado preferiu simplesmente reproduzir o conteúdo de seus jornais, Estadão e JT, numa estratégia oscilante entre abrir e fechar os sites (para assinantes). O "modelo para a internet" do Grupo Estado, diziam, era o do jornal El País (que, apesar da visão de Juan Luis Cebrián, vai de mal a pior). Na década dos 2000, mantendo a postura ambivalente em relação à internet, o Grupo Estado criou o caderno "Link", um dos melhores em papel, e, numa campanha desastrada da agência Talent, feriu os brios dos blogueiros brasileiros (que se sentiram chamados de "macacos"). O mesmo Grupo que criou o portal para anúncios de imóveis, ZAP, líder em sua categoria, apostou suas fichas no "jovem" Limão, do qual ninguém se lembra mais. Acreditando que os esportes iriam dominar o Brasil da Copa e da Olimpíada, o Estado mudou a frequência da própria rádio (a Eldorado), jogando-a para o final do dial, numa parceria com a ESPN... que foi descontinuada em 2012. Recentemente, o Grupo Estado, numa declarada "revisão de portfólio", interrompeu o circulação do Jornal da Tarde, depois de sua descaracterização progressiva (numa tentativa de competir pela atenção da "nova classe média"). Uma das justificativas do fim do JT era, inclusive, o fortalecimento do Estadão... Agora, o Estadão é dizimado em seus cadernos. (Morrem, entre outros, o "Link" e o "Sabático".) E entre idas e vindas de uma "consultoria", para quem a família Mesquita entregou o comando do Grupo, surgiram boatos de que o Estado seria vendido para as Organizações Globo. Mas isso foi antes do sucateamento da Eldorado, antes de o Jornal da Tarde se desintegrar e antes do emagrecimento do Estadão... Mesmo no nível dos leitores, quem vai preferir comprar um jornal que diminuiu de tamanho (pelo mesmo preço do concorrente ― que continua igual)? E no longo prazo: quem assinaria um jornal que entrega menos cadernos, menos informação portanto (pelo mesmo preço da concorrência ― que não se desmantelou)? É o pior momento do Grupo Estado. Não que os grupos de mídia, baseados em "grandes" jornais, estejam se dando melhor fora do Brasil... A sobrevivência dos anglófonos ― e mesmo a propagandeada expansão da Economist ― se apóia no fato de que a internet expandiu sua audiência, que era local, para uma escala global. (Não vale para os lusófonos.) Mesmo assim, em língua inglesa já se previu a extinção dos dinossauros de celulose antes de meados deste século. Murdoch ― outrora um bilionário excêntrico que vivia adquirindo veículos em papel ― separou suas empresas "de entretenimento" das "de informação". E até Warren Buffett arrematou títulos em papel, é verdade, mas ele só quer local news. (Sem chance para os jornalões.) E os jornalistas de papel do Brasil? Os mesmos que estufavam o peito e atacavam as "cassandras" da internet, no final dos anos 2000, abaixaram a cabeça quando o JT expirou e, agora, reconhecem que as "notícias", sobre o Estadão, não são boas... (Foi alguém da própria família Mesquita que revelou que a "cabeça dos jornalistas" não é muito melhor que a dos "donos de jornal"...) Aliás, num editorial de uma das reformas gráficas, o Estadão concluia que, em meados dos anos 2000, "mudava para não mudar". Só que o certo seria dizer que o Grupo Estado não mudou (o suficiente)... para mudar (de novo) agora.
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>>> Estadão, Estado, Estadinho
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Cinema
>>> Eu Maior, o filme de Fernando, Paulo e Marco Schultz e Andre Melman
No final do século passado, falava-se muito na Era de Aquário. Depois dos hippies e do orientalismo, na segunda metade do século XX, entrou na moda um certo "esoterismo" que, às vezes, flertava com o charlatanismo (convenhamos). Muitas religiões tradicionais, pelo seu lado, degeneraram em fundamentalismo, que, após o 11 de Setembro, tornou-se inimigo de Estado. O ateísmo, como militância, preencheu novos espaços, apoiado, sobretudo, na credibilidade da ciência, que, desde o Iluminismo, tantos progressos nos legou. E, no Brasil, a ascensão dos evangélicos, e da "nova" direita medievalista, não tem nos ajudado... O fato é que se trocou a palavra religião pela palavra "espiritualidade". Ser "religioso" pode soar pejorativo hoje; ser "espiritualizado", não. Freud dizia que o homem não pode viver sem religião. Talvez estivesse falando de espiritualidade. A verdade é que os questionamentos, no homem, não param. Independente das crises das instituições, iremos, em algum momento, nos perguntar de onde viemos, para onde vamos, por que estamos aqui e pelo que desejamos viver, afinal. Nesse contexto se insere o documentário Eu Maior, de Fernando, Paulo e Marco Schultz e Andre Melman. Não é um filme religioso, mas é pleno em espiritualidade (no melhor sentido da palavra). Seu approach "ecumênico" é um de seus maiores trunfos. Porque, em Eu Maior, estão tanto homens de ciência, como Marcelo Gleiser e Ari Raynsford, quanto religiosos, como Leonardo Boff e a Monja Cohen. Estão, igualmente, um psicanalista, como Flávio Gikovate, um médico, como Paulo de Tarso Lima, um músico, como Benjamim Taubkin, e uma atriz, como Letícia Sabatella. Ainda, best-sellers como Rubem Alves e Mário Sérgio Cortella, uma líder comunitária, como Vanete Almeida, e até um palhaço, como Márcio Libar. Para terminar, uma política, como Marina Silva, um surfista, como Carlos Burle, e um transexual, como Greta Silveira. (A lista completa pode ser encontrada aqui.) O grande mérito dos realizadores de Eu Maior foi costurar depoimentos de personalidades tão díspares, talvez antagônicas, num todo que "flui" junto com a beleza das imagens. Não existe pregação, ninguém deseja "convencer" o espectador de suas crenças. Ao mesmo tempo, uma essência ― humana, demasiado humana? ― permeia o documentário. Mais importantes que as respostas são as perguntas. E mais importante que o destino é a jornada... (Soa familiar?) Outro mérito de Eu Maior é, muito delicadamente, funcionar como um "contraponto" aos valores que norteiam o mundo atual. Durante a projeção nos esquecemos do materialismo, do universo das aparências, da sociedade de consumo... Como se uma outra humanidade fosse possível... Mas, de novo: sem ideologias... E, com todo o direito, alguém pode se perguntar: "O que desejam os realizadores, afinal de contas?". Aparentemente, não é dinheiro, não é fama, nem é glória. Os mais cínicos vão dizer que, depois do sucesso de Eu Maior, isso mudará... Será? O filme foi exibido em premières para patrocinadores (inúmeras "pessoas físicas") e convidados. Acontece que Eu Maior provoca uma espécie de "efeito viral": um desejo de querer compartilhar o documentário com outras pessoas sensíveis, que conhecemos, e que podem gostar. Deve seguir, agora, a rota dos festivais de cinema. E tem tudo para arrematar desde "ursos" até "leões". Vencida essa etapa, estreia nas salas do Brasil. E, finalmente, ganha a internet. Depoimentos já podem ser assistidos no YouTube (para quem duvida). Se a distribuição e o marketing não falharem, Eu Maior servirá de inspiração, inclusive, para novos documentários no mesmo formato. E last but not least: o que seria o "Eu Maior" do título? Deus? O inconsciente coletivo? A resposta, obviamente, não está no documentário. Mas gostaríamos de acreditar que é a própria humanidade. Tanto a nossa "humanidade", por vezes em segundo plano, quanto a humanidade inteira, a quem o filme se destina... Que Eu Maior realize seus objetivos.
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>>> Eu Maior
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Literatura
>>> Diálogos de Platão, pela editora da Universidade Federal do Pará
É incomensurável a importância dos Diálogos de Platão. Primeiro, por serem o retrato mais fiel de Sócrates ― segundo o Oráculo de Delfos, o "mais sábio dos homens". O Sócrates "histórico" ― que é, segundo Otto Maria Carpeaux, "o protótipo do Cristo" ― foi-nos legado por Platão. Também por Xenofonte, em Memoráveis, e também por Aristófanes, na sua comédia As Nuvens ― mas, sobretudo, por Platão. Em segundo lugar, a importância dos Diálogos se reflete na linha divisória que classifica os pensadores gregos antes de Sócrates, justamente, como "Pré-Socráticos". Assim como o surgimento da escrita delimitou a Pré-História, Sócrates delimitou a História da Filosofia. Contrapondo-se à visão mitológica do mundo, da vida e da mesma História, os "filósofos" ― ou seja, os "amigos da sabedoria" (φιλόσοφος) ―, fundaram uma nova forma de conhecimento, uma nova ética e uma nova sociedade, pautada pela razão. O "lógos", em grego (λόγος). Em terceiro lugar, porque os Diálogos não são "apenas" a melhor representação de Sócrates, mas também porque, atrás do grande dramaturgo que é Platão, está originalmente o método socrático e, posteriormente, a filosofia do próprio Platão. Ou seja: além da sua qualidade histórica e literária, digamos assim, os Diálogos são o exemplo mais fiel da ferramenta desenvolvida pelo próprio Sócrates, em suas investigações filosóficas ― e o registro das conclusões da maturidade do pensador Platão. A lista de "porquês", na realidade, se estende indefinidamente, pelos mais de dois mil anos que os Diálogos atravessaram, fascinando gerações. Logo, um tradução em português, direto do grego, é, como dizem, mais que um acontecimento, é um ato de civilização. Pois esse feito teve lugar, entre nós, pelas mãos de Carlos Alberto Nunes. E, agora, a editora da Universidade Federal do Pará relança todos os Diálogos de Platão em edição bilíngue, com capa dura, sob a coordenação de Benedito Nunes e Victor Sales Pinheiro. Cada volume acompanha um comentário, do próprio Carlos Alberto Nunes, ou dos coordenadores. Os primeiros são: O Banquete, ou "Do Amor"; Fédon, ou "Da Alma"; e Fedro, ou "Do Belo". O Banquete é um clássico, onde são proferidos discursos sobre o amor, pelos vários participantes. Entre eles, o general Alcibíades, um dos grandes da Antiguidade, "biografado" por Plutarco ― e amante de Sócrates. O mestre de Platão, é claro, fica com a conclusão do diálogo. Já o Fédon, também um clássico, narra os momentos finais de Sócrates. Como quase todo mundo sabe, o mestre foi acusado, julgado e condenado à morte em Atenas ― por não respeitar os deuses (até "introduzindo deuses novos") e por corromper os jovens ― e, ao contrário do que se poderia imaginar, aceitou a sentença e cumpriu a pena com uma serenidade imperturbável. Nos seus últimos instantes, Sócrates se dispõe, justamente, a provar a "imortalidade da alma" (um tema caríssimo à filosofia), a descrever a "vida após a morte" e a reafirmar sua postura inabalável ante a comutação da sentença. Enquanto seus discípulos choravam, diante do inescapável fim, Sócrates ralhava com eles, dizendo que já havia colocado as "mulheres" e as "crianças" para fora, e que eles tinham de ser "homens" (!). Recebendo o veneno de um carcereiro, que igualmente chorava, Sócrates ingeriu-o sem pestanejar. E foi se deitar à espera da morte, que, como um sensação de um "frio", subia dos pés à cabeça em questão de minutos. Suas últimas palavras foram: "Críton, devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida!". Em seguida, estremeceu... Seu olhar ficou parado... "Críton fechou-lhe os olhos e a boca", descreve Platão. Completando: "Tal foi o fim do nosso amigo(...) do homem, podemos afirmá-lo, que, entre todos os que nos foi dado conhecer, era o melhor e também o mais sábio e o mais justo". Ler os Diálogos de Platão é uma experiência de vida.
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>>> Diálogos: O Banquete, Fédon e Fedro
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Internet
>>> Porta dos Fundos
Os vídeos, na internet, têm uma história. No princípio, era o verbo. E, graças à Web, os links. Graças ao Mosaic ― o primeiro "navegador", de Marc Andreessen ―, chegaram as imagens. Depois do advento da Netscape ― do mesmo Andreessen, em sociedade com Jim Clark ―, a internet se popularizou como nunca. E Bill Gates entrou na guerra, com o Internet Explorer. Embuti-lo no Windows lhe custou uma condenação, na virada do século. Mas, mesmo assim, a Netscape nunca mais foi a mesma. Nesse meio tempo, surgiram players como a Amazon, e portais, como o Yahoo!. No Brasil, quando o Terra entrou na briga com o UOL ― turbinado pela Telefônica ―, alguns pensaram que a internet seria a nova televisão. E dá-lhe montar estúdios. E dá-lhe contratar Lillian Witte Fibe. Em vão. Ainda reinava a conexão discada. (Tirem as crianças da sala.) Os vídeos eram produzidos, mas jamais carregavam na tela do usuário final. 1 (um) megabyte era "uma loucura" para transmitir via linhas telefônicas. Surgiu a "banda larga" no horizonte. Em meados dos anos 2000, nascia o YouTube. Originalmente uma inspiração no Hot or Not, que "ranqueava" fotos. O YouTube queria "ranquear" vídeos que os usuários "postavam". Ledo engano. Os rankings ficaram para trás. Graças à sua tecnologia, em flash, o YouTube se converteu na plataforma para o vídeo na Web. Começou um nova era. O YouTube se popularizou de tal maneira que: ou era adquirido por um dos gigantes da internet; ou quebrava ― tamanhos eram os custos de "hospedagem" e streaming ("transmissão"). O Google, depois de desistir do próprio Google Vídeo, adquiriu o YouTube. E ele deu prejuízos milionários durante anos. Até dar lucro. Para o Google? Talvez. Mas, certamente, para um novo tipo de arrivista. Não era, como nos primórdios da internet, o detentor de uma homepage. Também não era, ao longo dos anos 2000, o blogueiro ou blogger. (Nem o detentor de um fotolog.) Era o videomaker ― apenas para utilizar uma expressão fora deste contexto ―, que usava a hegemonia do audiovisual para se lançar... só que na Web. No Brasil, como sempre, demorou mais do que nos EUA. Só agora, na década dos 2010, temos gente como Felipe Neto. Famoso por criticar a série Crepúsculo e por merecer a ira de uma adolescente do Sul do Brasil. (Talvez ela fosse até melhor do que ele.) Enfim, todo este prelúdio para falar trupe do Porta dos Fundos. Na clareira aberta por Felipe Neto ― e quejandos ―, um grupo talentoso de comediantes se estabeleceu, no YouTube ".com.br", com episódios semanais, para milhares de assinantes. OK, poderíamos ainda falar dos comediantes "stand-up". Dos Danilos Gentilis da vida, dos Rafinhas Bastos, dos CQCs, das Terças Insanas, da MTV e dos Marcelos Adnets. Mas isso tudo mundo já sabe. A novidade, digamos assim, do Porta dos Fundos é, justamente, não recorrer à fórmula gasta do "stand-up comedy". Praticamente, não há monólogos. São cenas ou, melhor, situações, com roteiro muito bem elaborado, produção cuidadosa, diálogos bem encenados e atuação profissional. Podemos arriscar que, além de todo este "pano de fundo" da internet, há uma inspiração que vai desde os esquetes, clássicos, do grupo Monty Python até a melhor fase da TV Pirata (Casseta & Planeta é, igualmente, uma fórmula desgastada). Com tanta inteligência e originalidade, aliás, seria uma pena se a trupe do Porta dos Fundos se rendesse ao apelo fácil da TV comercial. Queiramos que não. Dizem que as receitas do YouTube, para o tipo de audiência que eles alcançam, é satisfatória. Esperamos que seja mesmo. Caso contrário, vale assistir ao Porta dos Fundos enquanto eles ainda não se renderam à MTV ou à TV Bandeirantes ou à própria TV Globo. Nossa sorte, no fim das contas, é que o YouTube não foi adquirido pelas Organizações Globo.
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>>> Porta dos Fundos
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Julio Daio Borges
Editor
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