DIGESTIVOS
Segunda-feira,
24/6/2013
Digestivo
nº 492
Julio
Daio Borges
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Imprensa
>>> Jornalismo Pós-Industrial, uma pesquisa da Columbia, com Clay Shirky
Jornais, como o Jornal da Tarde, morrendo (ou minguando, como o Estadão). Jornalistas, fundadores de veículos como o Jornal da Tarde, morrendo também (como Ruy Mesquita). Ainda Roberto Civita (da Veja). Demissões na Folha de S. Paulo. Demissões no Valor Econômico. Demissões na Abril. O jornalismo impresso vai mesmo acabar? E o cenário, no Brasil, pode piorar ainda mais? Pode. "Antes de melhorar, irá piorar ainda mais ― e, em certos lugares (sobretudo em cidades de médio e pequeno portes), piorar muito". Quem responde é Tow Center for Digital Journalism da Columbia Journalism School, em uma pesquisa sobre "jornalismo pós-industrial", de 2012, com a participação de Clay Shirky. Para quem não lê em inglês, a Revista de Jornalismo ESPM acaba de publicar uma tradução. E as notícias não são boas. A "velha ordem" foi "lançada por terra". Em outras palavras: "Não há como reestruturar o jornalismo no formato praticado ao longo dos últimos 50 anos". Pois: "O apoio da publicidade, principal fonte de subsídio desde a década de 1830, está desaparecendo". Ainda: "Não há, na crise atual, solução capaz de preservar o velho modelo". Ou seja: "Ainda que se estabilize, dificilmente a indústria voltará a registrar a mesma rentabilidade de antes de 2005". Por que isso aconteceu? A pesquisa lança mão de algumas teses. Uma delas é: "De uma hora para outra, todo mundo passou a ter muito mais liberdade". O que isso significa (na prática)? "Produtores de notícias, anunciantes, novos atores e a velha 'audiência'... todos podem se comunicar, de forma restrita ou ampla, sem as antigas limitações de modelos de radiodifusão e da imprensa escrita". Uma premissa da pesquisa, justamente, é: "O bom jornalismo sempre foi subsidiado". Ocorre que: "A publicidade tradicional era rentável porque ninguém sabia ao certo como funcionava". E hoje: "Serviços como Facebook, YouTube e Twitter publicam muito mais conteúdo do que a produção somada da mídia profissional no mundo todo". Logo: "Quando a demanda gera oferta a um custo pouco acima de zero, o efeito nos preços é previsível". Conclusão: "A receita por leitor trazida pela publicidade on-line nunca chegou nem perto da tradicional e no caso de plataformas móveis é ainda pior" (para quem achava que o celular, ou o tablet, seria a salvação). E ainda: "Paywalls, micropagamentos, aplicativos móveis e assinaturas digitais não surtiram efeito ou ficaram aquém das expectativas". Não resta nenhuma esperança? A pesquisa aposta no seguinte: "Jornalismo exercido fora de uma redação tradicional por gente livre de pressões comerciais e protocolares típicas do ofício". Afinal: "As condições técnicas, materiais e métodos empregados na apuração e divulgação das notícias até o fim do século XX já não se aplicam". E: "A maioria dos jornalistas, e das instituições jornalísticas, foi incapaz de tirar proveito da explosão de conteúdo de potencial interesse jornalístico trazida pela expansão da comunicação digital". Sobrou: "Pouco espaço para o típico generalista". Temos, finalmente, de fazer a travessia: "De um mundo no qual a informação era escassa para outro no qual há fartura de informação". Futuro: "A perpétura iteração". Passado: "Deslocamento de placas tectônicas". Presente: "Uma revolução". Veredito: "Executivos (de jornal) tiveram 75 trimestres consecutivos para se adaptar" (desde 1994). Sentença (para quem resistir às mudanças)... É preciso responder? Réus: Veículos e jornalistas. Vale lembrar que são citações da pesquisa produzida pela Columbia Journalism School. Com a participação de Clay Shirky, de Here Comes Everybody. Algum dinossauro, claro, vai dizer que tudo isso "não vale para o Brasil". Mas o passado recente tem mostrado que vale: JT, Estadão, Mesquista, Civita, Veja, Folha, Valor...
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>>> Post Industrial Journalism: Adapting to the Present (PDF) | Movimentos tectônicos (conclusão em português) | Revista de Jornalismo ESPM
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Música
>>> Dias de Luta, de Ricardo Alexandre
Os anos da bossa nova mereceram um livro de Ruy Castro. Já as memórias de Nelson Motta, que atravessam desde a bossa nova até os anos 90, de Marisa Monte, se consagraram como Noites Tropicais. Ruy Castro pensa como Paulo Francis, que ouvinte de rock é "animal invertebrado" (quanto mais de rock brasileiro). E Nelson Motta fala en passant do rock brasileiro dos anos 80 ― mas o foco de suas memórias é, naturalmente, ele mesmo, e seus empreendimentos musicais. Faltava um livro que se consagrasse como "a biografia" do rock brasileiro dos anos 80. Mas Ruy Castro jamais iria escrevê-lo. Fernando Morais, outro dos nossos grandes biógrafos, prefere historicamente temas políticos, a não ser quando o assunto é Paulo Coelho. E Nelson Motta ― aparentemente ― já havia esgotado o que tinha a dizer sobre o tema. Acontece que, para surpresa geral da Nação, a biografia do rock brasileiro dos anos 80 já foi escrita. E, publicada ― em 2002. Sim, há mais de uma década. Guilherme Bryan e seu alentado volume pela Record que nos perdoem, mas estamos falando de Dias de Luta ― O Rock e o Brasil dos Anos 80, de Ricardo Alexandre. Sim, o mesmo autor de Nem vem que não tem ― A Vida e o Veneno de Wilson Simonal (2009).Um clássico instantâneo sobre um "elo perdido" entre a bossa nova, a jovem guarda, o tropicalismo e a MPB. A biografia definitiva sobre o maior cantor brasileiro desde João Gilberto. Mas voltemos a Dias de Luta... No bojo de tantos lançamentos, no início dos anos 2000, entre blogueiros-escritores (e escritores-blogueiros), o livro de Ricardo Alexandre terminou eclisado. Foi publicado pela DBA e Alexandre, circunstancialmente, misturou-se com outros "autores iniciantes". Acabou confundido com ficcionistas muito barulhentos e pouco representativos (da propalada Geração 90 e depois). Ocorre que Dias de Luta é um grande livro. E sua reedição, agora pela Arquipélago Editorial, é a chance que temos, como leitores, para nos redimir. Para quem não egole o tema do rock, e menos ainda o rock brasileiro, Dias de Luta não é apenas sobre música. Tem um escopo cultural mais amplo, desde teatro e cinema até rádio e televisão. E tem um escopo social, desde a "abertura", a chamada redemocratização, até a primeira eleição direta e a era Collor. Dias de Luta tem o cuidado jornalístico de um Ruy Castro e tem ― ora, vejam ― os depoimentos de Nelson Motta (!). Além de contar a melhor história dos anos 80 até agora, Ricardo Alexandre juntou os méritos de Chega de Saudade e de Noites Tropicais. Desde a vanguarda do Lira Paulistana e Rita Lee como fenômeno pop, Dias de Luta parte do Vímana, e do rock brasileiro progressivo (sim), até os mesmos anos 90, de Marisa Monte e Sepultura. Passando, evidentemente, pela Gang 90, por Lulu Santos, a Blitz, os Paralamas, João Penca e seus Miquinhos, Kid Abelha, Magazine, Ira!, Barão Vermelho, Ultraje a Rigor, Titãs, Legião Urbana e RPM. Entre outros. Ricardo Alexandre tem a paciência de esmiuçar o movimento punk de São Paulo (do primeiro Ratos de Porão), o rock gaúcho (de Engenheiros do Hawaii) e até o hip-hop (de Thaíde e DJ Hum). E para a música em si, Alexandre tem o olhar generoso de quem não julga peremptoriamente, levantando o papel de cada um na construção da cena, sem esquecer das "armações", das "máfias", das "panelinhas" e dos excessos típicos do rock'n'roll em qualquer época. O texto é informativo, guardando uma ironia "na medida". A divisão em "primórdios", "ascensão", "auge" e "queda", digamos assim, transforma o livro num verdadeiro ensaio de interpretação. E os capítulos, no tamanho certo, encadeiam a leitura até o final. Para quem viveu, os anos 80 foram mitológicos. Mesmo que discutíveis, esteticamente falando. Dias de Luta é o melhor esforço no sentido de reviver essa época, apresentá-la às novas gerações e entender o passado recente, com desdobramentos até hoje. E, em termos autorais, os livros de Ricardo Alexandre são tão importantes quanto os romances de Daniel Galera.
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>>> Dias de Luta ― O Rock e o Brasil dos Anos 80
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Cinema
>>> Caro Francis, documentário de Nelson Hoineff
Paulo Francis deixou um buraco na imprensa brasileira, que nunca mais foi preenchido, desde sua morte há 16 anos. Além do perfil de Daniel Piza, houve alguns "ensaios" de biografia, mas nada muito representativo. Houve, ainda, reedição dos livros do próprio Francis, até a publicação de um inédito, para variar, polêmico. Biógrafos de porte no Brasil não creem que Franz Paul Trannin da Matta Heilborn renderia uma biografia, mas Nelson Hoineff dedicou ao titular do Diário da Corte um documentário. Caro Francis, embora anunciado nos primeiros anos da década de 2000, só estreou em 2009. E, agora, está disponível na internet. Como o roteiro tem a colaboração de Daniel Piza, o foco é no chamado "late" Francis: o "de direita", colunista de O Estado de S. Paulo e de O Globo, comentarista da TV Globo e fundador do programa Manhattan Connection. Ainda que Caro Francis dê algum espaço para o admirador de Trótski, que foi preso durante a ditadura e que fundou O Pasquim, o documentário consagra a ideia de que Paulo Francis morreu no auge da carreira, depois da conversão ao capitalismo, da adesão às Organizações Globo e do beneplácito de Roberto Marinho. São novidade os depoimentos de Boris Casoy nesse sentido. Também as histórias de Hélio Costa, que ajudou a construir a personagem do comentarista do Jornal da Globo, que rendeu imitadores como Chico Anysio. Surpreende, ainda, a presença de Fernanda Montenegro, evocando o jovem crítico de teatro (que ofendeu Tônia Carreiro, para, na maturidade, se arrepender e se retratar mais de uma vez). A conclusão de Caro Francis é triste, e se perde um bom tempo com o processo que, na versão de muitos, levou-o à morte. Outra novidade é o depoimento de Joel Rennó, na época presidente da Petrobras, que moveu o clamoroso processo contra o jornalista nos Estados Unidos, no valor de 100 milhões de dólares. Pensando assim, quem ― senão um bilionário ― não morreria do coração ao sofrer um processo desse vulto? Destaca-se, também, a justificativa do médico pessoal de Francis, Jesus Cheda, que, na pressa de voltar ao Brasil para o Carnaval, diagnosticou uma bursite, quando o jornalista estava virtualmente infartando. Há espaço, ainda, para Caio Túlio Costa, então ombudsman da Folha, cujas observações levou Francis a romper com os Frias e debandar para o Estadão... No que se refere ao "late" Francis, o documentário é, portanto, bastante completo. Sonia Nolasco encerra com as declarações mais pungentes, sobre os últimos momentos de Francis, antes da chegada dos paramédicos (ainda que reconheça ter aceitado a morte, finalmente, depois de mais de sete anos). Paulo Francis mereceu um revival, nos últimos tempos, com um especial do GNT, no ano passado, o lançamento de uma coletânea de seus artigos na Folha e uma matéria, no mesmo jornal, sobre o futuro de sua biblioteca, que continua intacta em Manhattan. Numa entrevista reprisada por ocasião da morte de Ivan Lessa, o filho de Elsie e Orígenes Lessa, relembrou, mais uma vez, Paulo Francis, por insistência da Alberto Dines, no Observatório da Imprensa. O grande desafio de Franz Paul Trannin da Matta Heilborn é, como sempre foi, conquistar as novas gerações, quando não mais está diariamente no Jornal da Globo, semanalmente no Manhattan Connection, às quintas e aos domingos no Estadão e n'O Globo. Quando os próprios jornais estão ameaçados no Brasil, sobreviver, para qualquer jornalista ― vivo ou morto ― é um desafio e tanto.
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>>> Caro Francis
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Além do Mais
>>> Górgias, de Platão, por Daniel R.N. Lopes
Filosofia não é só uma questão de tradução. Claro, é importante dispor de textos, digamos, "canônicos" em nosso idioma. Ocorre que tão importante quanto a "versão brasileira" é o comentário. No caso de Platão, os textos podem ser lidos, em português, sem dificuldades. Mas sem uma introdução e sem notas... mais da metade da compreensão se perde. Reza a lenda que Platão abandonou seus versos aconselhado por Sócrates. Desistiu da carreira de trágico, mas acabou um grande dramaturgo escrevendo... diálogos filosóficos (!). Para quem vivia em busca da "verdade", a arte, a poesia, eram representação da realidade ― portanto, "simulacros". A verdade não estaria na arte, segundo Platão, por mais que essa nos fosse sedutora. Mas, como manifesta Sócrates ― a personagem maior do "teatro" de Platão ―, a verdade estaria nos discursos. Nos diálogos. No lógos. Assim, Platão subverteu a herança dos poetas trágicos, inspirados em Homero, para escrever diálogos. Foi maior que os trágicos? Foi maior que Homero? São perguntas sem resposta. Ou até perguntas que não fazem sentido, já diria Wittgenstein. A verdade é que o "teatro" de Platão, mais que encenação, é carregado de significados. Desde a entrada das personagens em cena até a sua saída, até a conclusão (ou o fim do diálogo às vezes sem conclusão), toda e qualquer refutação ou mesmo pergunta, de Sócrates, tem a sua razão de ser. E as personagens vão discutindo filosofia, aparentemente, como numa conversa. Grande parte da complexidade do vocabulário filosófico, exigindo léxicos e mesmo dicionários, surgiu depois de Platão. De Aristóteles, por exemplo, não temos diálogos. Temos, apenas, o que o Estagirita escreveu para os já iniciados em filosofia. De Platão, pelo contrário, dispomos dos diálogos ― que eram veículos para disseminar a filosofia entre não-iniciados. Portanto, a enganadora simplicidade dos diálogos de Platão esconde mais de dois mil anos de interpretações... Com a preocupação de explicar o que parece simples, a editora Perspectiva trouxe uma edição do Górgias, diálogo de Platão, com tradução, introdução e notas de Daniel R.N. Lopes, doutor em grego clássico pela Unicamp. O livro é, no dizer do tradutor, "fruto parcial" de sua pesquisa de doutorado, entre 2003 e 2007. Contudo, não tem nada de acadêmico (no mal sentido da palavra). O volume é legível, a escrita flui e qualquer pessoa alfabetizada pode tirar proveito da introdução e do mesmo Górgias. A inteligibilidade não descarta a complexidade dos raciocínios, que são árduos. O Górgias não é dos primeiros diálogos de Platão. É uma obra de transição. Mais ambiciosa que as primeiras. Lançando conceitos que seriam trabalhos em realizações mais vultuosas, como A República. Diz o lugar-comum que o Górgias trata da retórica, mas é muito mais que isso. Da retórica, que seria uma maneira de convencer os interlocutores de virtualmente qualquer coisa, passa-se a uma discussão sobre a justiça. Afinal, a retórica poderia ser usada, como uma arma, para cometer injustiças. Mais ou menos como muitos advogados, em nossa época, são acusados de fazer. Além de duvidar que a retórica possa nos levar à verdade, Sócrates, inclusive, questiona que o "rétor", o praticamente da retórica, professe algum tipo de saber. Pois convencer alguém de alguma coisa, eventualmente, implicaria em ostentar um saber que não se tem. O que Sócrates acharia da propaganda hoje? E do marketing? E das celebridades? Se para Sócrates, e Platão, a fama era "o perfume dos atos heróicos", qual classificação daria para o conceito de fama atual? Às vezes parecemos tão longe dos antigos valores... (Ou, por sua corrupção, talvez perto de retomá-los.) Sócrates, igualmente, foi criticado. Nem precisamos lembrar que o condenaram à morte. No Górgias, uma personagem sugere que Sócrates deveria "abandonar a filosofia" e "se voltar a coisas de maior mérito". De Sócrates, restou a filosofia. E, dessa personagem, o que restou (além de uma participação em um famoso diálogo de Platão)?
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>>> Górgias, de Platão, por Daniel R.N. Lopes
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Julio Daio Borges
Editor
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