Quarta-feira,
25/12/2002
Digestivo nº 113
Julio
Daio Borges
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IMPRENSA EM 2002
2002 abre e fecha com Paulo Francis. Abre com o aniversário de cinco anos de sua morte e fecha com o lançamento da editora W11, que anuncia a reedição de toda sua obra. Para desespero de Francis, porém, o PT foi hegemônico no noticiário em 2002. Desde o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, até a eleição de Lula para a presidência da República. (FHC, inclusive, ajudou.) Foi, na verdade, a consagração da geração politizada de 1968. (Franklin Martins aí incluído.) Assim como o Pasquim, que voltou (21), inaugurando uma nova modalidade: o humor a favor. Julio Medaglia veio novamente proclamar que "a MPB é um côco". (Não foi desta vez, Ciro Gomes. Nem também a dos Trapalhões.) A "direita", apesar de ensaiar alguns passos, não emplacou no mundo, em 2002. Quem esteve mal das pernas também, mas ficou apenas na ameaça de tombo, foi a Globo. (Em sucessivas reportagens de "Carta Capital".) Monopolizou a Copa do Mundo, empurrou goela abaixo o Galvão, transmitiu o pentacampeonato, mas tomou um prejuízo como nunca antes. E por falar em hegêmonia e abuso, David Nasser voltou a ser assunto, em biografia, junto a "O Cruzeiro". O cenário das bancas de jornal, de alguma forma, se renovou em 2002. A "Cult" foi vendida e reformulada. A "Zero", inicialmente um revival oitentista, firmou o pé neste ano. A "Simples" abriu a embaixada da "Wallpaper". A "Nó Górdio" veio discutir filosofia, mas pelo pior lado: o burocrático. Já a "Ácaro", sobre literatura, acertou na mosca. E, saindo da esteira da antiga "República", "Primeira Leitura" destacou-se pelo trabalho de Reinaldo Azevedo. A sombra de 11 de setembro ainda pairou no ar, em 2002. Sobre uma Nova York transformada. Produzindo comportamentos e retomando a discussão sobre o Oriente. O jornalismo cultural veio também à tona em 2002 - mais por seus cultores (e diluidores) do que por seus continuadores. Em 2003, portanto: nem o medo, nem a esperança. Apenas a liberdade (como em 2002).
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MÚSICA EM 2002
O ano de 2001 se encerrou com o U2 e a sua "Elevation Tour" (em DVD). Este ano, por sua vez, se encerra com a retrospectiva recém-lançada pela mesma banda (em CD): "The Best of 1990-2000". Mas voltando ao começo de 2002, janeiro abriu esplendorosamente com Elis Regina e os "20 anos de saudade". Também com Ed Motta, e o seu "Dwitza", conquistando a Europa - e mantendo a tradição internacionalista da MPB. A Revivendo homenageou, e viu partir, o autor de "Ai, que saudades da Amélia", Mário Lago, aos 90 anos. A Biscoito Fino firmou o pé: primeiro, com o resgate (que não tem preço), por Humberto Franceschi, das gravações da Casa Edison; depois por fechar o ano com todo o brilhantismo da "Maricotinha ao Vivo". Passou ainda pelas obras de seus fundadores: Olivia Hime reeditou as poesias de Manuel Bandeira e, ao mesmo tempo, explorou as canções praieiras de Dorival Caymmi; Francis Hime, dentre outras coisas, viu suas partituras serem belamente executadas por 25 outros pianistas. Já a Trama lançou pelo menos três álbuns de monta: Paulinho Nogueira e a sua versão para as primeiras composições de Chico Buarque de Holanda; Pedro Mariano, em "Intuição", seu melhor momento; e Max de Castro, com a "Orchestra Klaxon". Ainda houve tempo para Jair de Oliveira, ex-Jairzinho, e para o selo Poptones. Intermediando os monstros sagrados e as novas gerações, esteve Lenine, sempre grande, com "Falange Canibal", pela BMG. Francisco Alves foi celebrado, em seu centenário, novamente pela Revivendo e por Luís Antônio Giron, que nos brindou com suas aulas de crítica musical. Nelson Motta, o homem das "Noites Tropicais", fez a trilha sonora da Casa Cor 2002. Seu amigo Sérgio Mendes teve relançado "Você Ainda Não Ouviu Nada!", com Tom Jobim e Moacir Santos. O choro fez aniversário, no seu dia nacional, e mereceu também uma compilação. Nando Reis saiu dos Titãs, Cássia Eller morreu e Ana Carolina se afirmou em turnê pelo Brasil. Adriana Calcanhoto se converteu ao minimalismo e o RPM tentou inutilmente mais um revival. Gilberto Gil comungou com Bob Marley, e Elvis esteve, mais uma vez, nas paradas. O rock segue vivo, graças a "Under A Pale Grey Sky", do Sepultura, e aos shows do Rush no País. A Kuarup fez 25 anos, a Rob Digital deu o ar da graça e a Revista do Rádio ressuscitou, para evocar nosso passado. E também para lembrar que temos ainda um grande futuro, sempre, em música.
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LITERATURA EM 2002
O ano de 2002 abriu com o relançamento das obras completas, e fundamentais, de Guimarães Rosa, pela Nova Fronteira. Grandes prosadores da língua, de ontem e de hoje, marcaram presença com novidades e reedições. Nélson Rodrigues foi contemplado com o seu "Baú", pela Companhia das Letras, que trouxe "Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo", "A Mentira", "Profeta Tricolor: os cem anos de Fluminense" e "Pouco amor não é amor". Ainda pela editora de Luiz Schwarz, tivemos o novo livro do mestre da narrativa curta, Rubem Fonseca: "Pequenas Criaturas". Dalton Trevisan, pela Record, sem muito alarde, teve o seu "Pico na Veia" lançado, brindando-nos com mais de duzentos instantâneos de lucidez. Já a editora Globo iniciou a desova da produção de Hilda Hilst, inicialmente "A Obscena Senhora D" e "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão", em caprichosas edições para colecionador. Ariano Suassuna, por sua vez, mereceu especial atenção da José Olympio, partindo de "O Casamento Suspeitoso" e "O Santo e a Porca", e chegando às livrarias com todo o seu teatro reencapado. 2002, no Brasil, foi também ano de Bienal do Livro e da controversa eleição de Paulo Coelho para a Academia Brasileira de Letras. No que se refere a autores internacionais, um dos acontecimentos mais vultuosos na Terra Brasilis foi a tradução e a publicação de "Nenhuma Paixão Desperdiçada", do eminente crítico George Steiner. O jornalismo de reportagem mereceu a coleção "Jornalismo Literário", da Companhia das Letras, que abriu com o imperdível "Hiroshima", de John Hersey. Mostrando que a produção nacional no gênero não faz feio, Sérgio Dávila registrou seu testemunho do 11 de setembro em "Nova York - Antes e depois do atentado". Tom Wolfe esteve entre nós, com "Ficar ou não ficar", sempre estimulante, e E.B. White veio dar lições de estilo com "Aqui está Nova York". Hemingway, mestre dos diálogos de Lobato, deu as caras por meio da Bertrand Brasil, começando de "Adeus às armas". Kafka, de seu canto, mandou outro clássico pelo prestimoso portador Modesto Carone: "Narrativas do Espólio". E lá da Antiguidade, Plutarco, com "Alexandre e César", em iniciativa da Ediouro. 2002 fecha com a promessa das Ilusões Armadas (e de Elio Gaspari) de balançar as estruturas [mesmo para quem ainda não leu e só se manifesta a respeito em 2003...].
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GASTRONOMIA EM 2002
A gastronomia em 2002 foi, mais uma vez, o reino dos renomados chefs. Às vezes parece, na grande mídia, que não existe "vida gastronômica" longe das panelas, dos temperos e dos banquetes daqueles que assinam os pratos mais cobiçados do Brasil. E não é só em São Paulo, no Rio também. Neste ano, eles voltaram a se pavonear no Boa Mesa 2002, que mais parecia uma feira de utilidades domésticas (UD). Compensaram, no entanto, as aulas, as demonstrações e os workshops. Alex Atala, o revolucionário tatuado e ruivo, ex-DJ e ex-pintor de paredes, foi capa da Veja em São Paulo. Embora, logicamente, a comida do D.O.M. (Deus Ótimo e Máximo) seja para isso mesmo e muito mais. Sérgio Arno consolidou seus negócios com a fábrica de massas (La Pasta Gialla), a atuação de seu buffet e as franquias de sua rede de rotisserias e restaurantes. Ainda assim, o rebelde filho do presidente da Arno, afirma que não se fica rico cozinhando. Mais discreto, fazendo uma intervenção ou outra na associação de alta gastronomia (Abaga) que ajudou a fundar, esteve Christophe Besse no comando do All Seasons. Também simples e muito prestativa, Leila Pires inaugurou o Restaurante do Instituto, no Tomie Othake, que não tem mais aqueles preços convidativos de antes, mas que continua impecável. E lá do Rio, Maria Victoria de Oliveira dirige o Montagu, com seu marido Rodrigo Leal, enquanto se envolve com eventos e vai se afirmando com estrela que desponta. Fora do universo dos superstars, indo de um extremo a outro, os fundadores do Fogo de Chão vêm construindo um império respeitável, só que na surdina, e nos Estados Unidos. O Bolinha segue firme e forte, nas mãos dos descendentes de seu fundador, e o Dalmo Bárbaro, sob a administração da viúva. O Govinda reinaugurou sua sede, com loja e muita festa, e o Da Fiorella reabriu suas portas em Moema. Veteranos como o Folha de Uva, Andy Beebys (do CBB) e o Compagnia Marinara deram passos importantes em 2002 mas sempre mantendo o low-profile. E se é verdade que os melhores perfumes estão nos menores frascos, o Crêpe de France, o Felix Bistrot e o Rainha do Norte estão aí para confirmar. Os japoneses marcaram presença com o Tegoshi e o Hiro, e a pizza, que não poderia faltar, com O Pedaço da Pizza. A explosão gastronômica certamente não corresponde a uma população de bolsos vazios e cintos apertados - portanto, 2003 deve ser de ajuste, mais que de crescimento.
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CINEMA EM 2002
Em 2002, o DVD finalmente se consolidou como suporte e tivemos o relançamento de importantes e definitivos clássicos. Entre eles: "A Malvada", "Tarde Demais para Esquecer", "A Luz é Para Todos" e "Como Era Verde Meu Vale". 2002 foi também o ano das mulheres no cinema. Lamentamos as quatro décadas da morte de Marilyn Monroe. Ao mesmo tempo, celebramos a homenagem que Catherine Deneuve lhe prestou, junto a outras divas, em "8 Femmes", de François Ozon. Até Almodóvar, um dos últimos mestres da atualidade, conferiu mais densidade a seus personagens masculinos, feminilizando-os. A emancipação foi assunto em "Infidelidade", com um Richard Gere atraiçoado, e o assédio sexual, em "Oleanna", um petardo atrasado de David Mamet. Até no cinema brasileiro, a vingança veio a cavalo, com "As três Marias". A nova revelação de Walter Salles, em "Abril Despedaçado", não foi Rodrigo Santoro, mas sim Flavia Marco Antonio, uma encantadora artista de circo. E a França se curvou (como o Brasil) ao jeito de ser de "Amélie Poulain". Engoliu a crueldade de Isabelle Huppert em "Merci pour le chocolat", enquanto fruiu a beleza de Anna Mouglalis (que, aliás, veio a São Paulo). Os cinéfilos brasileiros concordam que 2002 também foi o ano dos documentários: "Onde a Terra acaba", "Nem Gravata Nem Honra", "Janela da Alma", "Poeta de sete faces" - eis algumas das vedetes nas salas. E, claro, enchemos os nossos olhos no festival "É Tudo Verdade". Por exemplo, na homenagem ao jazz latino, em "Calle 54", de Fernando Trueba. Ou ainda no perfil de William Claxton, em "Jazz Seen", um dos maiores retratistas do século XX. Já a "26ª Mostra" teve como estrela maior Alexander Sokúrov, e a sua "Arca Russa"; também trouxe o primeiro ciclo completo, no Brasil, de Pier Paolo Pasolini. Em 2002, o cinemão deu as caras, batendo recordes, com "Senhor dos Anéis", "Homem-Aranha", "Homens de Preto II" e "Minority Report". A arte esteve nas mãos dos grandes de sempre: David Lynch, com "The Straight Story"; os Irmãos Cohen, com "O Homem Que Não Estava Lá"; Robert Altman, com "Gosford Park"; e Gus Van Sant, com "Gerry". O ano fechou (ainda) com a discussão sobre a Cosmética da Fome e o auspicioso volume de Lúcia Nagib, sobre os cineastas dos anos 90. Entre a ilusão e a diversão, vamos levando.
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Julio Daio Borges
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