Quarta-feira,
15/1/2003
Digestivo nº 116
Julio
Daio Borges
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INCLUSÃO DIGITAL
A última "Revista USP" (nš 55), ainda nas bancas, vem com um título sugestivo: "Revolução Virtual". Relativamente alentada (quase 200 páginas), indica um esforço de pesquisa portentoso - ou então um embuste. Na verdade, começa bem, abordando as novas tecnologias e comparando a internet à "Biblioteca de Babel", de Borges: qualquer informação que se queira pode estar lá, ao alcance da mão, mas, dada a vastidão das estantes, pode ser, ao mesmo tempo, inencontrável. Uma boa metáfora para o caos reinante na World Wide Web (ainda que ela esteja muito longe de fornecer todas as respostas). A "Revista USP" segue com projetos que desenvolveu internamente, utilizando as facilidades e os conceitos da Grande Rede. O texto aí passa de eufórico a protocolar, burocrático. Há também, claro, aquele espaço reservado às teorias da conspiração e às paranóias clássicas - retrocedendo até a Revolução Industrial e convertendo a internet numa nova manifestação do Big Brother (de "1984", o livro de George Orwell). Por demais alarmista, o artigo não cola. Há ainda alguém que fala sobre e-mail, um assunto fascinante e pouco explorado, mas na "Revista" convertido numa miríade de citações de autores de fora. Apesar da boa escolha de itens e subitens, a ruminação de idéias (dos outros) resulta em esterilidade. Por último, o melhor da festa: surpreendentemente, um trabalho intitulado "Odeio a Internet!", assinado por Ciro Marcondes Filho, professor titular da Eca. Embora a gozação esteja implícita, a argumentação é sólida e as investidas, agressivas. Fora o caráter pitoresco (como uma pessoa pode negar a internet a essa altura do campeonato?), os pontos de vista do professor iconoclasta são bastante convincentes - e mereciam ser conhecidos pelos navegantes da WWW. Marcondes principia a discussão atacando o e-mail e afirmando que é justo o oposto da carta: urgente, irrefletido, imediato. Despeja impropérios acerca dos chats (as salas de bate-papo), mesmo que sua originalidade, aqui, não se sustente (sempre o velho mito do "olhar", considerado "base da comunicação humana"). Para encerrar, o furibundo docente desqualifica o jornalismo on-line, em que as notícias se impõem num ritmo frenético, numa concisão insuficiente, enfim, numa atitude indigna e impensada. Ao contrário dos dossiês da "The Economist", contudo, a "Revista USP" não conclui nada. Ainda assim (ainda que as pontas fiquem desamarradas), aplaude-se o especial "Revolução Virtual". Afinal, quem não decifrar essa esfinge será, por ela, devorado.
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Revista USP |
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TAKE ME HIGHER
O rock morreu? O rock ainda existe? Se há uma banda que ainda pode responder a essas indagações, com conhecimento de causa, é o U2. Os irlandeses, que se consagraram no final da década de 80, sobreviveram aos anos 90 e, malgrado as preferências dos fãs, mantiveram-se férteis na aurora do novo milênio. Tamanha longevidade, no pop, e com a mesma formação, é praticamente inexistente. Algumas das lições do U2, no último decênio, estão em "The Best of 1990-2000", lançado nos estertores de 2002. Além de ter garantido sobrevida a um gênero moribundo, o rock'n'roll, o U2 apontou caminhos e foi vanguardista mesmo estando no mainstream, na crista da onda, desde, pelo menos, 1988, com "Rattle and Hum". A revolução, propriamente dita, começou no álbum seguinte a esse, "Achtung Baby" (1991), para o qual boa parte da sua audiência torceu o nariz. Com ele, Bono Vox e seus asseclas antecipariam as tendências eletrônicas, que contaminariam todos os gêneros, em dez ou mais anos. Desse disco fundamental, o "The Best" reproduz "Even Better Than The Real Thing", "Mysterious Ways", "One" e "Until The End Of The World". A essa seqüência de hits (haveria ainda outras), seguir-se-ia uma turnê audiovisual, com tecnologia de ponta e concepção ousada, a "Zoo TV" (1992). Nela, o U2 se renderia ao primado da imagem, propagando frases desconexas, cunhando slogans absurdos ("Watch more TV"), tomando atitudes disparatadas (vide as ligações para a Casa Branca) e recebendo personalidades controversas (como Salman Rushdie). Da experiência vertiginosa desse tempo, nasceria "Zooropa" (1993), composto "na estrada", em aproximações ainda mais incisivas com a disco music, conforme indicam "Lemon", "Numb" e "Stay" (também presentes no "The Best"). Mas essa estética teria de ser levada até o fim, o que culminaria com "Pop" (1997) - cujas faixas já apareciam propriamente embaladas para as pistas, convertendo Larry Mullen, o baterista, num autômato. "Discothèque", "Staring at the Sun" e "Gone" marcam, portanto, o canto de cisne de uma fase de muita inventividade, muita diversidade e também de muitos excessos. Basta ouvir as "sobras de estúdio", do referido "The Best", para saber porque o flerte com o som eletrônico tinha mesmo de acabar. Nesse sentido, "All That You Can't Leave Behind" (2000) despontou como um alívio - e o U2 se reconciliou com o público ávido apenas por guitarra, baixo e bateria. Enfim. Apesar do "Get Back", apesar do retorno às raízes, sempre que se pensar os anos 90, certamente se pensará no U2 - e na a trilha sonora que embalou o mundo.
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The Best of 1990-2000 | U2 | Todos os Lados do U2 |
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NOME AOS BOIS
Os Titãs são hoje uma instituição. A frase, proferida por um Nando Reis em tom depreciativo, momentos antes de sua saída do conjunto, guarda o seu fundo de verdade. Falar mal dos Titãs, não compreendê-los ou mesmo ignorá-los, é subtrair as duas últimas décadas da História da Música Popular Brasileira. Essa impressão se confirma muito pela recente biografia, lançada pela Record, e assinada por Hérica Marmo e Luiz André Alzer. A imprensa, quando abordou o livro, preocupou-se em levantar o pano das intimidades, das rivalidades e dos desentendimentos entre os integrantes do grupo. "A vida até parece uma festa" (2002), felizmente, é mais que isso. Lá estão, desde os primórdios do noneto (sim, originalmente um noneto) "Titãs do Iê-Iê" (sem o terceiro "Iê"), no colégio Equipe, até a saída de Arnaldo Antunes, a morte de Marcelo Fromer e o estabelecimento do quinteto (Miklos, Britto, Branco, Gavin e Bellotto). O destaque fica por conta dos "golden years", expressão cunhada pelos próprios Titãs para designar a formação clássica, responsável pelos álbuns iniciais, por "Cabeça dinossauro" (1986), "Jesus não tem dentes no país dos banguelas" (1987), "Õ blésq blom" (1989) e até pelo "Acústico" (1997), que pôs todos juntos novamente no mesmo palco, acompanhados pelo produtor Liminha. Numa espécie de um "mea-culpa" público, a banda assume os erros do passado, embora bata forte na crítica (que soube enxergar muitos deles na época). Fica claro que a auto-produção (em "Tudo ao mesmo tempo agora" [1991]) foi equivocada e que as parcerias com um dos papas do grunge, Jack Endino, produziu resultados duvidosos, salvo nos casos de "Domingo" (1995) e "A melhor banda de todos os tempos da última semana" (2001). A fase comercial (pós-"Acústico") tenta se justificar, mas o prato principal é mesmo as origens e os fins, os "anos dourados" da década de 80. O volume de pouco mais de 350 páginas faz justiça a uma figura menos consagrada mas, no entanto, central: Sérgio Britto, o titã preferido de Renato Russo. Destaca também as atividades paralelas de cada membro e conta, de quebra, parte da História do Rock Brasileiro. Ainda que não sejam tão geniais quando se quis propagandear, os Titãs despertaram muitos sentimentos naqueles que conviveram com suas composições. É para esses, portanto, mais que para todos os outros, que foi escrita "A vida até parece uma festa". Os mesmos que vão se enxergar em alguns capítulos ou páginas.
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A vida até parece uma festa: toda a história dos Titãs - Hérica Marmo e Luiz André Alzer - 402 págs. - Record |
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TERRA ESTRANGEIRA
Quem conheceu Walter Salles só a partir de "Central do Brasil" (1998) vai tomar um susto. Estamos falando do ciclo de documentários em exibição no Centro Cultural Banco do Brasil, de 14 a 26 de janeiro, dedicado a Waltinho e seu irmão, João Moreira Salles. Com curadoria de Amir Labaki (o homem por trás do festival "É Tudo Verdade"), a mostra faz um generoso apanhado: desde as primeiras produções para a tevê, no final da década de 80, até as últimas para cinema, no final dos anos 90 e início dos 2000. Há, portanto, desde a trilogia "Japão" (1986), "China" (1987) e "América" (1989) até "Notícias de Uma Guerra Particular" (1999) e episódios da série "6 Histórias Brasileiras" (2000). Embora seja sensível, a intenção que permeia mais de quinze anos de trajetória, da televisão à Sétima Arte, não se deixa facilmente traduzir em palavras. Para quem assistiu apenas aos longas de Walter Salles, há uma inclinação manifesta em mostrar o "outro lado" do Brasil, "o Brasil que o Brasil não conhece" - a mesma que aflora em, por exemplo, "Franz Krajcberg: O Poeta dos Vestígios" (1987), segundo o curador, um divisor de águas, onde os Irmãos Salles denunciam as décadas de desmatamento a que o País permaneceu cego e calado. Uma atitude que se reflete não só na abordagem de temas nacionais, mas também na discussão de problemáticas globais. É exemplar, nesse sentido, "América", que retrata de modo pouco lisonjeiro os Estados Unidos da América do Norte. Os Salles sustentam, assim, um discurso, coerente, mas que às vezes beira a militância, e até a histeria - contra os velhos demônios que assombraram a esquerda: a revolução industrial; a sociedade de massas; o império da mídia; etc. Se tecnicamente cada uma dessas realizações deixou sua marca, em termos de conteúdo, mais de uma década depois, perderam muito do ar de novidade. Os Irmãos Salles certamente estavam à frente de seu tempo, no sentido de que suas idéias são hoje um lugar-comum consagrado. Mas também, lamentavelmente, no sentido de que já estão até um pouco ultrapassadas. Enfim, concordando ou não, gostando ou não, já escreveram seus nomes nos anais da cinematografia nacional - o que, por si só, justifica revisitá-los.
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Irmãos Salles |
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BABY, YOU'RE NO GOOD
A seqüência de "A Máfia no Divã" surgiu como uma surpresa de verão. Ninguém esperava. De fato, o filme original, em que tudo se resolve, não deixa muita margem para uma continuação - e, por tabela, limita "A Máfia Volta ao Divã". De Niro, que parece querer desfazer sua imagem de carrancudo, solta-se ainda mais nesta segunda parte. Basta imaginá-lo enlouquecido, no presídio (onde o primeiro filme acaba), cantando, dançando e interpretando as peças de "West Side Story", musical de Leonard Bernstein. É provavelmente uma das maiores concessões dentro de uma carreira considerada rigorosa. Curiosamente, porém, De Niro convence muito mais quando embarca no velho mafioso durão, ridicularizado pelo seu entorno, do que quando banca o palhaço ou o machão desconsolado. O exagero de suas interpretações prejudica esta nova incursão da "Máfia no Divã", convertendo-a, por momentos, num infantil "para todas as idades". Billy Cristal é o mesmo de sempre. Nunca muda; seja no Oscar, seja nas telas - identificando-se habilmente com o homem comum, nem muito brilhante, nem muito estúpido. Algumas piadas, obviamente, se repetem. Até porque o público espera por isso. Há também um destaque maior conferido a personagens tidos, no original, como secundários. Um deles é Jelly, que agora tem muito mais autonomia, espaço e idéias próprias. O capanga submisso eleva-se a consultor para assuntos aleatórios. Igualmente o filho e a atual mulher (eles se casam no primeiro episódio) de Crystal. Ela aprimora-se nas suas crises de ciúme e ataques histéricos, e ele ensaia um "début" no hall dos mafiosos, para desespero do pai. O balanço, afinal, não é dos mais positivos. Quem viu "A Máfia no Divã", e se considera um aficionado, deve ver "A Máfia Volta ao Divã". Quem não viu nenhum, veja o primeiro. É o que basta.
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Analyse That |
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>>> "CHARGE DA SEMANA" POR
DIOGO SALLES
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Julio Daio Borges
Editor |
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