Quarta-feira,
29/1/2003
Digestivo nº 118
Julio
Daio Borges
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NO HIDDING PLACE
Como uma engenhoca que aparentemente não deu certo, e cuja carcaça ainda serve para alguma coisa, vamos juntando os cacos do projeto que se tinha para a internet. Esse é o espírito do especial que a The Economist dedica, esta semana, à rede mundial de computadores. A revista parte das promessas não realizadas e tenta tirar algo de útil de cada uma delas, nem que seja uma lição de moral para o futuro (?). Assim, são lembrados, melancolicamente, os anseios por uma "nova civilização", em 1996, cuja matéria seria o ciberespaço. Também, logicamente, o boom e a bolha - mal comparando com o empreendimento das estradas de ferro, que igualmente, no início, quebraram os Estados Unidos, para, depois, construir uma nova era de prosperidade. Os ideólogos e os investidores da World Wide Web perderam os sonhos e as calças - e, mesmo assim, não querem largar o osso. A The Economist esteve entre eles, e quem a lia com alguma freqüência se lembra como ela saudou a fusão da AOL com a Time Warner - justamente o maior pesadelo da atual economia norte-americana. Para além da internet, o ocaso das (tele)comunicações, neste início/fim de século, permite conjecturar sobre onde essas coisas vão dar. Malgrado o destino fatídico da utopia digital, é patente que a locomotiva do Tio Sam perdeu o rumo - e arrasta as apostas do mundo inteiro para o seu particular buraco negro. Os EUA ditam as regras, o planeta as segue, concentra suas esperanças de um lado da balança e, de repente, o universo desaba solenemente - nós, junto com ele. E isso não tem nada a ver com o neoliberalismo. (Ou tem?). Nossos modelos estão fora de moda, a fábrica fechou as portas, e o estilista desistiu de confeccionar novas peças. Estamos à beira do abismo, sendo empurrados, e o único que conseguimos fazer é bocejar - de preguiça, de tédio, de indiferença. Nós quebramos, mas, e daí?, os Estados Unidos da América também quebraram. Então, tanto faz. Cada um salva o que pode: o que é seu. De fato, a internet não é uma má invenção. Acontece que não escolheu uma boa hora para nascer. Nem para morrer.
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Digital dilemmas |
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FILHO DE UM BOIADEIRO
Uma das mais severas críticas ao violonista prodígio Yamadú Costa, de pouco mais de 20 anos, têm como objeto justamente o seu virtuosismo. Luís Antônio Giron conta que Guinga, essa fênix do violão brasileiro, lhe teria dito: "Yamandú, não queira ser maior que a música - pois ela será sempre maior que você". A fera foi domada em seu primeiro disco solo, por Maurício Carrilho, mas, segundo os entendidos, ainda tem muito que aprender. À parte as questões de gosto, surge - na mídia - um violonista para fazer frente a Yamandú Costa. Trata-se de Leandro Carvalho, um paulista de 26 anos, apaixonado pela cultura brasileira legítima, que foi ao Recife fazer mestrado com Ariano Suassuna e que acaba de voltar da Holanda, onde passou dois anos estudando regência. Leandro é também um virtuose, embora não se assuma como tal e prefira ressaltar sua parcela de pesquisador. A ele, devemos o recente resgate de João Pernambuco, um dos pais espirituais de Villa-Lobos, em dois CDs de tirar o chapéu: "O poeta do violão" (1997) e "Descobrindo João Pernambuco" (2000). Passando por cima da eterna má-vontade que se tem em patrocinar a cultura, Leandro arregimentou um time de músicos e correu atrás, ele mesmo, de apoiadores. A história se repete, com o mesmo brilhantismo, em "Leandro Carvalho e o Brasil de João Pacífico", seu último lançamento. Nele, o objetivo foi resgatar a poesia de João Batista da Silva, combinando as declamações do próprio (antes de morrer, em 1998) à música de Levino Albano Conceição, outro mestre do violão à brasileira. Se no disco anterior, Leandro tinha o Quinteto de Cordas da Paraíba e Mônica Salmaso, como convidados, neste, ele tem Jair Rodrigues e o Tinoco (da dupla Tonico e Tinoco). Se queria provar que era mais que um músico habilidoso, conseguiu. E se os críticos de Yamandú Costa precisavam de uma boa razão para se curvar à nova safra de violonistas brasileiros, agora não precisam mais.
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Leandro Carvalho (contato por e-mail) | Descobrindo João Pernambuco | Leandro Carvalho dá voz a João Pacífico |
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CABEDAL
José Bonifácio de Andrada e Silva. A ele, a Editora 34 dedicou um dos volumes da "Coleção Formadores do Brasil" (o penúltimo). Mais lembrado como o Patriarca da Independência, José Bonifácio permanece, em 500 anos de História, como um dos cérebros mais privilegiados que o Brasil já produziu. Filho de comerciantes prósperos de Santos, teve seus estudos patrocinados em Portugal, onde impressionou a corte, que estendeu sua "bolsa" à França e à Alemanha. Quando voltou, falava e escrevia em 6 idiomas, enquanto lia em 11. Tinha estado na Paris da Revolução Francesa, em que travara contatos com cientistas como Lavoisier; especializado em mineralogia, tinha entre seus melhores amigos Wilhelm von Humboldt, que se converteu, mais tarde, no célebre educador alemão. Leitor onívoro e iluminista de primeira água, desembarcou no Brasil com a família, uma filha ilegítima, e uma biblioteca de mais de seis mil livros. Na longa carreira de funcionário público, galgou inicialmente postos devido a seu saber técnico. Foi, porém, na política que se realizou; domínio em que imprimiu uma marca indelével. (Outra lembrança que se tem relacionada a ele, hoje em dia, é o fato de que seus descendentes ocupam posições de destaque há quase 200 anos.) Mas nem tudo foram rosas junto ao jovem imperador do Brasil. Bonifácio, indubitavelmente, catalisou o rompimento com Portugal em dois momentos: no primeiro, conclamando os vice-presidentes das províncias (ele comandava a de São Paulo); e, no segundo, enviando embaixadores a prováveis aliados e transformando a Independência do País numa questão internacional. Graças às suas hábeis manobras, converteu-se em homem de confiança de D. Pedro I e, junto a seu irmão, Martim Francisco, num dos ministros do Império. A lua-de-mel, como se sabe, durou pouco - e José Bonifácio, traído, guardaria profundas mágoas de seu "Pedro", ainda que tenha sido indicado por ele para tutorar seu filho, Pedro II, quando abdicou do trono. Essas e outras histórias nos são contadas por Jorge Caldeira, autor de "Mauá: empresário do Império", cuja introdução vale o volume. Caldeira ainda relaciona os textos escolhidos de Bonifácio (para integrar a edição) aos momentos críticos da vida do nosso Pai Fundador. Em meio a citações de Virgílio e Cícero, temos um dos projetos mais completos para o País. Infelizmente - ao contrário do de seus pares na América do Norte -, não se realizou.
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"José Bonifácio de Andrada e Silva" - Jorge Caldeira (org.) - 272 págs. - Editora 34 |
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EM LINHA
Enquanto os sites jornalísticos do Brasil fecham ou ficam entregues à própria sorte, é de Portugal que nos chega alguma reação. Não são poucos os escrevinhadores brasileiros que procuraram garantir seu espaço também nas publicações de além-mar. Afinal, enquanto, no País do Carnaval, os periódicos eletrônicos vão se reduzindo a crias de revistas e jornais (de grande circulação), na terra de Camões as iniciativas nas "letras virtuais" persistem e, contrariando todas as expectativas, até se multiplicam. É o caso da ZonaNon (2003), ex-Non! (1996-2002), revista editada em Coimbra, por Rui Babiano, e que veio a lume em janeiro deste ano (!). No editorial, a aventura é amplamente justificada. Parece inevitável o romantismo de se lançar como um veículo "livre, autônomo e independente". Apesar dos contratempos financeiros. Babiano, com muita justeza, evoca a aldeia perdida de Asterix, na Gália: o único foco de resistência à ocupação do Império Romano. Mais ou menos como na internet, em que se tenta, segundo ele, fugir do universo da "opinião vigiada". Incrível como os empreendimentos com esse perfil acabam caindo na vala comum do ativismo político, à maneira da NovaE (no Brasil) e do diário La Insignia (na Espanha). Como se o desejo, às vezes irreprimível, de emitir opiniões e idéias fosse uma maneira de combater o sistema vigente (o capitalismo global, no caso). No deserto atual da World Wide Web, os últimos dos moicanos, ainda assim, se dão as mãos, para além das suas diferentes orientações - apenas para sobreviver ou ambicionar uma possível sobrevivência. Apesar de novos sites que surgem (e do intercâmbio entre aqueles que se unem), publicações vão se esvaziando e estendendo sua periodicidade ad infinitum - até parar de vez. Será esse o caminho? Não se sabe, mas infelizmente parece não haver outro. Ou a publicação abandona a sua vocação "outsider" e cede ao "establishment" (integrando-se a ele), ou perece numa luta inglória por apoio e reconhecimento. Se mesmo para quem compõe o "mainstream" do jornalismo lusófono a coisa não está sopa, o que pensar daqueles que formam o baixo clero da imprensa? Se essa explicação, contudo, fosse suficiente não estaríamos agora diante de um paradoxo gritante: a demanda não existe mais, mas a oferta (ainda que ameaçada e combalida) continua existindo. Ou seja: ignorando o senso comum, Deus continua querendo, o homem continua sonhando e a obra continua nascendo.
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ZonaNon |
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O QUE A VIDA NOS OFERECE
Com a liberação sexual e a independência da mulher, o tradicional modelo de família se estilhaçou. As esposas passaram a ter idéias próprias, vontades próprias e, pior, iniciativas próprias. O território do marido não é mais delimitado, foi invadido - e quem lá se fixou, ao menos pelo momento, não pretende arredar o pé. Nesse cenário, surgem alternativas de casamento (ou de uniões similares) que dêem conta da realidade atual. No cinema brasileiro, temos visto o tema ser discutido em produções recentes: "Pequeno Dicionário Amoroso" (1997) e "Amores Possíveis" (2001), para ficar em dois exemplos. E é nessa mesma esfera que atua "Separações" (2002), de Domingos de Oliveira, em cartaz no Espaço Unibanco de Cinema. Trata-se de uma comédia que começa e que termina em torno de uma mesa - e, durante a qual, ocorre, entre os casais, a conhecida "dança das cadeiras". O argumento gira em torno de Cabral e de Glorinha, casados há mais de dez anos, que, depois de alguns "casos" (de parte a parte), se vêem metidos numa crise conjugal. Ela, ex-mulher de um amigo comum, se envolve com um colega de trabalho - e se apaixona. Ele, abandonado e mergulhado numa tremenda fossa, cai nos braços - na seqüência - de uma aluna, de uma conhecida solteirona e de uma colega da filha. O filme principia realista (todo mundo trai; a fidelidade é uma quimera) e finda idealista (as duplas se reagrupam; aparentemente são felizes para sempre). Até aí, uma história como tantas - temperada talvez com as peculiaridades do romance à brasileira. Na verdade, o que justifica a ida ao cinema, em "Separações", é o próprio Domingos Oliveira, que, além de dirigir e escrever o roteiro, encarna o impagável Cabral, em seus rompantes melodramáticos e em suas tiradas de humor cínico. A impressão que se tem é que nenhum ator daria conta da personagem em toda a sua complexidade burlesca e em toda a sua prodigalidade de falas. Os próprios coadjuvantes admitem: é em torno dele que orbita a história. A ação é ininterrupta e, tal qual num folhetim, cada um é escravo das suas próprias paixões - até o desfecho final, em que as coisas se acertam e cada indivíduo encontra o seu lugar. "Separações", portanto, não traz soluções para os atuais conflitos a dois. Nem é essa a sua função. Ajuda, no entanto, a aceitar, e até a rir da própria condição.
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Separações |
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>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM FAZ ANIVERSÁRIO
* obrigado a você que me lê neste dia 29, data em que completo, coincidentemente, 29 anos de idade
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Julio Daio Borges
Editor |
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