Quarta-feira,
5/11/2003
Digestivo nº 147
Julio
Daio Borges
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SENDO HUMANO
Fukuyama ficou conhecido por proclamar “O fim da História” (livro homônimo, de 1989), a exemplo de Hegel, em 1806, que não via mais “nada de novo”, desde o estabelecimento dos princípios da Revolução Francesa (1789). Caíram do cavalo os dois. Mas vamos ao primeiro, que é quem, aqui, mais nos interessa. Francis Fukuyama teve de rever os seus conceitos ao notar (chamaram-lhe a atenção) que, se a Ciência não parava de avançar, como a História poderia ter estancado? Havia aí uma contradição. Então Fukuyama escreveu novo livro (retomando do ponto onde parou), que acaba de chegar ao Brasil pela Rocco: “Nosso futuro pós-humano” (2003). Conforme sugere o subtítulo, o professor de economia política da Johns Hopkins University explora os “avanços da biotecnologia” e suas conseqüências para a humanidade. Um livro, portanto, “interdisciplinar” (como hoje se proclama) e ambicioso. Tanto que não se sustenta. Tomando por base a lista de agradecimentos do autor, supõe-se que precisou de um pequeno exército para implementar suas pesquisas e abarcar o todo, como se propôs. Fukuyama começa bem, partindo de duas tenazes desafiadoras: “1984”, de George Orwell (que, para ele, não se concretizou) e “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley (que, com as novas drogas da “felicidade instantânea”, está mais próximo de se realizar). A discussão comportamental é empolgante, porque, efetivamente, com o emergir do “politicamente correto” estamos criando uma sociedade andrógina, e sem graça. Para tudo hoje, existe um atenuante; e, sem os “excessos”, a raça humana vai acabar entediada. Infelizmente, porém, Fukuyama embarca numa digressão interminável sobre os prós e os contras – num futuro distante –, embrenhando-se pela legislação e por longos tratados internacionais. O belo ensaio do início então se converte num calhamaço jurídico de pouca utilidade fora dos EUA. Segundo uma tendência atual, que exige do leitor uma espécie de pinça literária, a leitura se justifica até as primeiras 100 páginas (as outras 150 podem ser descartadas).
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Nosso futuro pós-humano - Francis Fukuyama - Rocco - 268 págs. |
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RUIM ISSO
Oswald, embora continue incensado no altar dos sacrifícios do Modernismo brasileiro, não se libertou das dúvidas que pairam sobre sua obra. Muitos consideram que não escreveu romances de verdade, e que sua poesia, como colocou Manuel Bandeira, não passa de brincadeira sofisticada. Neste momento, podemos revisitá-lo, graças à reedição de “Pau Brasil” (1925), pela editora Globo, que dá o acabamento final às suas obras completas. Os poemas mesmo não tomam mais que “uma sentada” do tempo do leitor; agora, as notas de esclarecimento de Haroldo de Campos, na via oposta, consomem uma semana de meditação profunda. Afinal, Oswald foi o herói dos Concretos – o que lhe trouxe grande prejuízo com a ascensão destes, e a permanência forçada de uma “vanguarda” que já não era. Cinqüenta anos. Mais até. Os mesmos que se encerraram, só recentemente, com a morte de um dos Três (Haroldo, “once again”). O erro dos Modernistas (deixemos pra lá os Concretos), como todos sabemos, foi romper com toda e qualquer coisa antes deles. Um “ato de rebeldia” que gerou duas conseqüências. Primeira: na limpeza, varreu da sala até Machado de Assis (por exemplo). Segunda: no desejo de “libertar” a arte brasileira de seus excessos, partiram para uma simplificação quase infantil (vide os quadros de Tarsila), que não se sustentou, passados os “loucos anos” 20. De “Pau Brasil”, fica a sátira da nossa História (desde Caminha) e a prosa (sim, a prosa) que abriu caminho para a geração de 30 (Drummond et alii), enterrando de vez o beletrismo (ainda que isso redunde em certo “concretinismo” depois). Uma curiosidade, no volume, consegue ser ainda mais divertida que as “pilhérias” de Oswald: trata-se do comentário que Mário de Andrade escreveu a respeito do livro mas não publicou. Versa sobre a eterna inveja que pairava entre os dois. Como as dúvidas sobre o valor do “opus” oswaldiano, não se solucionou.
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Pau Brasil - Oswald de Andrade - Globo - 230 págs. |
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A FALTA QUE VOCÊ ME FAZ
Não há dúvida de que quem abriu caminho para as guitarras distorcidas na música brasileira foi o selo Banguela (criado pelos Titãs), cujo maior expoente foi a banda brasiliense Raimundos. É possível, claro, identificar movimentos de música barulhenta “avant la lettre”, como o incipiente “punk rock” brasileiro e o “heavy metal” tupiniquim de repercussão internacional, que tiveram representantes como Sepultura e Ratos de Porão. Não sobrou muito dessa gente toda, que levantou muita poeira até meados dos anos 90, mas que se descuidou, e a massa desandou. Os Raimundos, que eram vistos como promessa por roqueiros ancestrais como Rita Lee, se desintegraram (o vocalista, inclusive, se tornou evangélico). Do Ratos de Porão, a televisão brasileira herdou um apresentador: o descabido João Gordo. E o Sepultura passou por disputas dinásticas (briga entre irmãos); e por mais que Andreas Kisser tenha circulado, o conjunto nunca mais se recuperou. Mas ainda sobraram “rebarbas” e alguns empresários continuaram apostando no filão. Rádios como a 89FM insistiram no viés e bombardearam seus ouvintes com grupos como Charlie Brown Jr. – que, por mais desafinado e “chorão” que seja, teve música reestilizada por Zeca Baleiro e, em 2003, se tornou o queridinho da MTV (intimidando talentos autênticos como Los Hermanos). Em resumo: essa “tradição” que se manteve, aos trancos e barrancos, no mínimo alfabetizou uma geração inteira de músicos, produtores e técnicos de som – que, desde os anos 60, nunca souberam (e hoje sabem) gravar rock’n’roll. A ponto de estreantes como o Killi, uma banda paulistana conduzida por uma garota, soar impecável – mesmo para padrões de conjuntos internacionais (que, como eles, seguem os passos dos Ramones). E o ciclo se fechou. Em meio a letras “naïf” (nem poderia ser diferente), o Killi recupera a honestidade perdida lá atrás. Será a aurora do “rock brasileiro” no século XXI?
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Contando os dias - Killi - F Records |
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* Cale-se - Caio Túlio Costa (2ª f., 18h30, VL)
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Julio Daio Borges
Editor |
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