Quarta-feira,
12/11/2003
Digestivo nº 148
Julio
Daio Borges
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ARQUIPÉLAGO
E Diogo Mainardi estreou no Manhattan Connection. Primeiro, em Nova York; depois, no Rio. E a cada aniversário do programa, era quase uma obrigação lamentar a ausência de Paulo Francis (e sua pseudo-substituição por Arnaldo Jabor). Não mais. Primeiro, porque Jabor foi embora; segundo, porque Lucas Mendes, Caio Blinder, Lúcia Guimarães e Ricardo Amorim não precisam de ninguém mais. Nem de Diogo Mainardi. Nem de Paulo Francis. Lucas, por ser hoje o nosso mais elegante apresentador; Caio, por ter se tornado um arguto analista; Lúcia, por andar sempre na melhor companhia (e estar impecavelmente informada); e Ricardo, por ter se ajustado ao programa discretamente, sem gerar expectativas (e por saber a sua hora de entrar). Com a saída de Jabor, ficamos livres da “estática”. Com a entrada de Diogo, ela volta. E os jornalistas da nossa Conexão preferida, sempre tão cuidadosos, têm de encarar aquele princípio caótico, da desorganização, da instabilidade. Que Francis também tinha, é fato – mas do qual o programa não precisa mais. Os convidados bastam – para gerar alguma “novidade”; para, de vez em quando, subverter a ordem. Sem contar que os debatedores fora de Manhattan (caso de Diogo Mainardi, a partir de agora) quebram o ritmo do programa, colocando-se sempre à margem e esfriando as discussões mais acaloradas. E isso não é um problema de personalidade, mas de distância; e de uma tecnologia (a da videoconferência) que não alcançou o estado da arte. Diogo Mainardi é muito divertido para dizer, por exemplo, que deve haver algo de errado com Catherine Zeta-Jones (afinal ela se casou com Michael Douglas), mas será que o Manhattan Connection precisa de suas pitadas de escárnio e maldizer? Cabe ao telespectador julgar.
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Manhattan Connection |
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E EU NÃO GOSTO TAMBÉM DE TOLSTOI
Por que lemos Charles Bukowski? Por uma certa necessidade de consumir subliteratura? Para refrescar a cuca, como Wittgenstein (que, depois de dar uma aula, corria para ver os musicais de Carmen Miranda, aos quais atribuía uma função de “ducha”)? Talvez. Bukowski, despretensioso, pode ser combinado com alguma outra coisa, e aliviar a mente depois de determinadas leituras. Como nesse “O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio” (1998), que a L&PM agora relança em formato “pocket”, com as ilustrações de Robert Crumb. Trata-se do diário dos últimos anos de Bukowski, o qual começou por insistência de alguém (disseram para ele que era “importante”, e ele acreditou). É divertido, mais do que tudo. Versa sobre a conhecida ojeriza do escritor a seus pares; compara-os aos músicos (clássicos) e só pode concluir que são muito piores. Aborda também sua atitude esquiva com relação à fama, que ele parecia não compreender e muito menos desejar: foge dos que lhe pedem autógrafo, daqueles que apenas querem ver sua cara e principalmente dos falsos entrevistadores (deles sofre vários golpes). E como todo diário, não poderia faltar a parte confessional: Bukowski revela sua vontade de estar só e o quanto isso chega a deprimir sua esposa (aponta os Estados Unidos como a maior nação de “esposas deprimidas” do mundo). Narra, com muito humor, a ida a um show de rock (por insistência de sua companheira, e do roqueiro, que queria homenageá-lo) e observa que adoraria conhecer as letras das canções, se pudesse escutá-las. Embora os beatniks tenham inspirado os hippies, a ponte que se fez de lá para cá consagrou uma inverdade: a de que os primeiros apadrinharam os últimos. Bukowski, por exemplo, dedica alguns trechos de seus derradeiros escritos a condenar a vagabundagem; elenca uma coleção de pseudopoetas que, enquanto esperavam a inspiração, viviam da mesada da mamãe. Literatura, ele sabe, é labuta; ainda que não tenha produzido muita. Os “desleixados” da arte contemporânea parece que não leram direito seu guru. Eis aí mais uma chance.
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O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio - Charles Bukowski - 150 págs. - L&PM |
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PRIMAVERA
E o Teatro Municipal “ferveu” com o encerramento da temporada 2003 do Mozarteum Brasileiro, sob o comando de Frank Peter Zimmermann e Enrico Pace. O violinista alemão e o pianista italiano hipnotizaram a platéia com sonatas de Beethoven, Busoni e Strauss. O paulistano, em geral, desenvolve uma certa resistência para encarar o centro da cidade à noite. Há não muito tempo, o Municipal era tomado por hordas de “tomadores de conta”, que exigiam somas vultuosas para que se pudesse simplesmente estacionar o carro na calçada. Digamos que, com o advento da Sala São Paulo (também no Centro), essas práticas incivilizadas perderam lugar, e o Municipal agora conta com um serviço de manobristas que, embora demorado, funciona. Ainda que o Teatro estivesse consideravelmente movimentado, não estava abarrotado (como quando estréia um espetáculo metido a “moderno”, promovido pela “Folha”) – o que permitiu uma audição confortável e quase nenhum tumulto no intervalo. O que mais impressionou, no entanto, durante toda a execução, além da música, foi a afinidade entre Zimmermann e Pace, que, mais que precisos com relação à partitura, eram capazes de trocar gestos, olhares e troças, mesmo nos momentos mais acelerados e complicados das peças. Beethoven, que abriu o ciclo com a nº 5 (op. 24), funcionou como um aquecimento (como, aliás, sói ocorrer com quem vem à frente). Portanto, o lado grave e reflexivo do recital ficou por conta de Ferrucio Busoni, com a sua nº 2 (op. 36a), que desenvolveu um tema, seis variações (dele) e uma coda. A Strauss coube o fecho, inclusive o bis, com o valsar de notas e dos próprios músicos, que pareciam satisfeitos com o resultado e a apreciação. O público, nem é preciso dizer, se refestelou, e até esqueceu da fila de carros que, lá fora, o aguardava, ficando a lembrança do farfalhar da franja de Frank Peter Zimmermann.
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Mozarteum Brasileiro |
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Julio Daio Borges
Editor |
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