Quarta-feira,
3/3/2004
Digestivo nº 164
Julio
Daio Borges
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ENTRE KANE E OS MALDITOS DA BEAT GENERATION
Quem circulou durante o fim de semana pela Praça Vilaboim, em meados de 2003, podia dar a sorte de encontrar Fernando Morais, no bar do Yellow Giraffe, bebericando uma caipirinha e revisando originais. Descia de uma moto incrementada e ninguém diria se tratar de um escritor. Interpelado, se assumia como tal, e até fazia piadas sobre um possível “Chatô Reloaded” (estávamos na época do segundo “Matrix”). Naquele então, ele organizava a coletânea que acabou redundando em “Cem quilos de ouro: e outras histórias de um repórter” (Cia. das Letras, 2003). Na nota de abertura, conta que a idéia de Luiz Schwarcz (seu editor) era reunir algumas de suas reportagens para a coleção “Jornalismo Literário” (a mesma que já teve Joel Silveira e, mais recentemente, Zuenir Ventura). Involuntariamente, porém, acabou saindo um livro de memórias – e essa é uma das maiores graças de “Cem quilos de ouro”: os chamados “making-ofs”, encomendados por Schwarcz, que precedem cada capítulo. Num tempo em que os esportes radicais não estavam em moda, Morais foi percorrer a Transamazônica de ponta a ponta. Num momento em que o ex-presidente Collor vivia o ostracismo pós-impeachment, enclausurado na Casa da Dinda, Morais foi acompanhar seu dia-a-dia e colher seu depoimento. Numa noite em que Otto Lara Resende e Rubem Braga ainda eram vivos, Morais foi ouvir o que tinham a dizer sobre Assis Chateaubriand e dividir com eles, mais Moacir Werneck de Castro, um uísque e um lugar no fusquinha. Esses são alguns dos melhores textos. Há também a faceta política do autor de “A Ilha” (1976): visitando logicamente Cuba; cobrindo a Frente Sandinista; e se embrenhando numa república perdida no meio da África. Assuntos que envelheceram como o jornal diário, mas que merecem ser revisitados pelos ecos que deixaram no ar. Fernando Morais, junto com Ruy Castro, forneceu as bases para a moderna biografia brasileira. Seguir seus passos é quase uma obrigação para o jornalista contemporâneo.
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Cem quilos de ouro: e outras histórias de um repórter - Fernando Morais - 328 págs. - Companhia das Letras |
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DON'T SAY NO BECAUSE I INSIST
Seria, no mínimo, temerário afirmar que Jack Nicholson (que se consagrou desde jovem: “A Pequena Loja dos Horrores” [aos 22 anos] e “Sem Destino” [aos 32 anos]) está nos seus melhores papéis justamente agora: depois dos 60 anos. Esteve aí “Confissões de Schmidt” (2003), que não nos deixa mentir, e está, neste momento, “Alguém Tem que Ceder” (“Something's Gotta Give”, 2003), onde o velho Nicholson contracena com Diane Keaton (igualmente sessentona). O roteiro começa original (considerando-se, obviamente, os padrões atuais), com um sexagenário que, por 40 anos, só “saiu” com mulheres de menos de 30 (de idade). Como indica o cartaz, desta vez ele cai do cavalo (primeiro com um infarte), terminando por se apaixonar pela mãe da moça (evidentemente Keaton, a ex-parceira célebre – nos anos 70 – de Woody Allen). O cenário é uma casa de praia nos arredores de Nova York, e a “dança do acasalamento” – entre a dupla que, inicialmente, se odeia – compensa o resto da sessão (que se estende, exageradamente, por mais de duas horas). As cantadas via “chat” (por meio de “notebooks”), dentro da mesma casa; o posterior encontro, durante a madrugada, de “pijamas”; e as caras e bocas até o beijo (e o sexo) redentor – arrasam com as mediocridades presentes em 100% das atuais comédias românticas (ainda que o final seja, terrivelmente, convencional: com direito a reconciliação em restaurante francês em Paris). As cenas entre os dois dispensam inclusive os coadjuvantes: Keanu Reeves, que – não mais adolescente – não consegue modular os seus graves, e que ganha apenas o posto de galã bobalhão (mais ou menos como o nosso Gianecchini); e Amanda Peet (a filha de Diane Keaton na fita), que se envolve com Nicholson no princípio, mas que só consegue apresentar uma carinha (e um corpinho) de modelo inexpressiva. Algumas décadas atrás, “Something's Gotta Give” (que nem música do Frank Sinatra tem) seria acusada de “alienada” (face aos problemas do mundo e do Brasil). Hoje é um refresco, e uma aula de atuação, para quem não agüenta mais tiroteio, terror psicológico e atores de ocasião.
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Something's Gotta Give |
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CHEIO DE DEDOS
Babado forte. Ex-colaborador do Segundo Caderno de “O Globo” processa pesquisadora norte-americana detentora de um blog. Ou: Guinga, notório violonista e compositor de MPB, aparta briga entre seu biógrafo e uma admiradora dos EUA que compilou, em primeira mão, sua discografia completa. Ou ainda: Daniella Thompson publica troca de e-mails entre ela e Mario Marques, por conta de um crédito não devidamente atribuído no livro “Guinga – os mais belos acordes do subúrbio” (2002). É uma polêmica que dura anos e que rende mais um capítulo recentemente. De um lado, a seqüência de mensagens eletrônicas divulgada no site de Ms. Thompson. Nela, o “crescendo” da animosidade entre dois correspondentes, como é comum em internet: “a discografia do Guinga é de minha autoria, você reproduziu no seu livro sem a minha autorização”; “foi um erro típico de primeira edição, que será devidamente corrigido na segunda”; “a segunda edição ainda não saiu e, antes da primeira, você sabia e – volto a repetir – não me pediu autorização”; “pedi, sim, você é que não se lembra; aliás, quem é você para me cobrar?”; “seu mentiroso”; “sua anônima”. Do outro lado, obviamente, Mario Marques (o jornalista e biógrafo), que afirma, em artigo no “Observatório da Imprensa”, ser tudo invenção da blogueira gringa (principalmente a troca de e-mails) – que, segundo ele, se aproveitou de seu nome para se projetar, causando-lhe danos morais, profissionais e financeiros. Mario Marques reclama do calvário por que vem passando, graças à internet – que propagou, a seu ver, uma mentira, amplificando-a como é de costume. Vai recorrer à justiça, enquanto Daniella Thompson tem a seu favor um séquito de blogueiros e comentadores. Será mais um embate entre a “grande mídia” e a “pequena mídia” (leia-se nanoaudiência), que ganha as luzes da ribalta e que começa finalmente a incomodar? Para completar, Mario Marques acaba de inaugurar um site de música que ameaça levar às bancas: o “Laboratório Pop”. Façam suas apostas.
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Daniella Thompson | Mario Marques | Laboratório Pop |
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>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO*** RECOMENDA
(CN - Conjunto Nacional; VL - Shopping Villa-Lobos)
>>> Noites de Autógrafos
* Contrato eletrônico - Ronaldo Alves de Andrade
(3ª f., 2/3, 18h30, VL)
* Bartolomé de Las Casas: A narrativa trágica, o amor cristão e a memória americana - José Alves de Freitas Neto
(4ª f., 3/3, 18h30, CN)
* Uma geração cinematográfica - Elysabeth Senra de Oliveira
(4ª f., 3/3, 18h30, CN)
* Desvendando o Direito Eletrônico - Júlio Fontes França
(5ª f., 4/3, 18h30, CN)
>>> Palestras
* Nós, Mulheres - Silvia Bruno Securato, Lisete Del Bianco e Ana Judith Velloso (3ª f., 9/3, 19hrs., VL)
>>> Exposições
* Maria Auxiliadora - Max Fourn
(1º a 16/3, 9-22hrs., CN)
>>> Shows
* Música das Nações - Quarteto de Cordas Aureus
(2ª f., 1º/3, 20hrs., VL)
* Duke Ellington - Traditional Jazz Band
(6ª f., 5/3, 20hrs., VL)
* Só Xerêm - Cris Aflalo
(Dom., 7/3, 18hrs., VL)
** Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos: Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional: Av. Paulista, nº 2073
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Julio Daio Borges
Editor |
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