Quarta-feira,
28/4/2004
Digestivo nº 172
Julio
Daio Borges
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O JORNAL QUE NÃO SE VENDE, PRA VOCÊ ASSINAR
Os suplementos literários não existem mais. O que existe são os cadernos de cultura dos jornais, que precisam correr atrás dos lançamentos da indústria – no ritmo desta. Quem viu alguma coisa sobre essa última Bienal, sabe que os números são espantosos. Então como um suplemento daria conta se se propusesse a acompanhar o “boom” de livros a cada semana? Seria impossível. E é. Acontece que existem outras formas: justamente aquelas dos velhos suplementos literários que acabaram. E assim faz o “Rascunho”, editado por Rogério Pereira, em Curitiba. O “Rascunho” também está na internet (rascunho.com.br), mas não é a mesma coisa que lê-lo em formato jornal. (O “Rascunho” não deve ceder, portanto, ao apelo das novas tecnologias.) Como se adquire? Como se assina? Através da editora da Unicamp (parceira do jornal), exemplares foram distribuídos gratuitamente – coincidência – na recente Bienal de São Paulo. Fora isso, mediante um contato virtual (via editora Candide, por exemplo), recebe-se periodicamente pelo custo de R$ 25 semestrais. O grande destaque da atual edição (nº 48), que comemora quatro anos de “Rascunho”, é Millôr Fernandes. Paulo Polzonoff Jr. (uma presença freqüente desde o início) conseguiu entrevistar o Guru do Meyer, e este não deixou por menos, ao chamar Bentinho de “bicha”, Machado de Assis de “boiola” e a esquerda brasileira de “intocável”. Mas a polêmica (essa velha companheira) não é, desta vez, a melhor parte. Há outra entrevista, tão bela quanto, com Deonísio Silva, conduzida por Fabrício Carpinejar. Há ainda uma com Martin Amis, no novo caderno “Viramundo” (dedicado à literatura estrangeira, dentro do mesmo jornal “Rascunho”). Depois de muitas resenhas, vagarosas e bem elaboradas (“comme il faut”), vem um excelente caderno de inéditos – também novo – “Dom Casmurro”, com Manoel de Barros, Paulo Sandrini e Miguel Sanches Neto – todos imperdíveis. Em 36 respeitáveis páginas, esse é o “Rascunho”. Se ainda pairava alguma dúvida sobre sua hegemonia perante os demais “suplementos literários” (incluindo aqui os dos grandes jornais), depois destes quatro anos (e de sua respectiva edição), não paira mais.
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Rascunho |
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BATTLES WITHOUT HONOR AND HUMANITY
Se os anos 70 e a cultura pop não tivessem servido para nada, ainda assim, teriam produzido Quentin Tarantino e “Kill Bill” (que justificam tanto uma coisa quanto outra plenamente). Afinal, temos assistido, desde os anos 90, a um cansativo “revival” dos anos 70 – que só consegue ser caricato, superficial e desinteressante em suas imitações e modismos. A novidade no caso de Tarantino e de sua primeira realização cinematográfica desde “Jackie Brown” (1997) é que o diretor é um “erudito” nos assuntos que aborda, a saber: artes marciais chinesas (o kung fu dos filmes e seriados de TV); “filosofia” samurai japonesa (à maneira de Sonny Chiba, que participa da fita); e “ideologia” de faroeste italiano (base de seu roteiro e inspiração para a trilha sonora). Outro ponto que merece destaque é que Quentin Tarantino não se resume a uma homenagem nostálgica e estéril (como é comum): ele, na verdade, “cria” uma outra “realidade” a partir desses elementos – e por isso seu “cinema” (podemos chamá-lo assim) é tão original, rico e ainda influente. Como o próprio diz, no material de divulgação, se “Cães de Aluguel” (1992), “Pulp Fiction” (1994) e outros guardam fortes ligações com o tempo atual, “Kill Bill” transita num novo universo (único e exclusivo de Tarantino) – e, portanto (a conclusão é por nossa conta), trata-se de uma obra-prima. Pois o longa tem “vida”; é perfeitamente coerente em sua “forma”; encerra um “todo” e dá margem a inúmeras “interpretações” – como, aliás, toda grande obra. Há um “quê” de vibrante que sacode o espectador desde a primeira cena, e que gera um forte vínculo de cumplicidade (reconhecível a cada “parada”, a cada detalhe, a cada vinheta). Só um artista em pleno domínio de sua técnica consegue produzir esse efeito. Funciona como uma espécie de hipnotismo e o público é totalmente comandado (responde a comandos) do primeiro ao último “take”. (Mesmo quem for apenas para “observar”, vai se deixar contagiar.) É impressionante que, depois de 7 anos (5 contando o início das filmagens), Quentin Tarantino ainda esteja “em plena forma”: não tenha perdido a “mão” e tenha, pelo contrário, usado seu instrumento como nunca antes. “Kill Bill” é um banho de sétima arte – principalmente para quem achava que os grandes mestres tinham acabado.
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Kill Bill |
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SÓCRATES EXÓTICO
Os artistas (plásticos) totais são hoje raros. De diletantes, temos mais músicos e escritores do que qualquer outra coisa. Picassos, então, nem se fala. Talvez nasça mais algum daqui a 200 anos. Talvez não nasça nunca mais. Na esteira da exposição na Oca, saiu um CD da MCD que tenta explicar a “impossibilidade” de se ter um novo Picasso. O disco abarca a “música de seu tempo”, e pelas relações (nesse reino) do pintor espanhol entendemos como a coisa é bastante improvável: Stravinski, Satie, Poulenc e Albéniz foram próximos ao executor das “Demoiselles d’Avignon”. Para o primeiro, Picasso se envolveu na feitura dos cenários da “Pulcinella”; para o segundo, desenhou os figurinos de “Parade” (também uma peça); para o terceiro, mandou recados via Apollinaire e Éluard (poetas mais chegados); e para o último, foi audiência quando a ópera Henry Clifford estreava em Barcelona. E mesmo que o “motivo” principal não fosse “Picasso”, o CD já teria valido a pena – pela cuidadosa seleção de obras do começo do século (XX). Duas das mais revolucionárias peças de Igor Stravinski, por exemplo, estão presentes: a “Dança Russa” e “Petrushka”. Depois, de Erik Satie, que mais se conhece pelas cartas (e citações) e pelo comportamento excêntrico, temos uma boa amostragem em “Choral, Prélude du rideau rouge, Prestidigitateur chinois” (pouco mais de 5 minutos). De Isaac Albéniz, está a clássica “Asturias”, conhecida por figurar em 10 entre 10 evocações musicais à Espanha. Como se não bastasse, há ainda as “Banalités” (nada banais) do mesmo Guillaume Apollinaire, musicados por Francis Poulenc; bem como o “Tel jour telle nuit” (do referido Paul Éluard), igualmente embalado por Poulenc. De Manuel de Falla (cujo sobrenome os brasileiros desinformados ligam a um certo grupo de “rock” gaúcho), foi incluído o agradável (nem parece “moderno”...) “The Three-Cornered Hat”, para fechar. Isso tudo para mostrar que Pablo Picasso, além de “artista total” genial, e explorador de mulheres nas horas vagas, foi um sujeito bem relacionado e de bom ouvido.
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Picasso: a música de seu tempo - MCD |
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>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO*** RECOMENDA
(CN - Conjunto Nacional; VL - Shopping Villa-Lobos)
>>> Cafés Filosóficos
* Ética, Terrorismo e Fundamentalismo - Manuel da Costa Pinto, Márcio S. Felippe e Roberto Romano (2ª f., 26/4, 19h30, CN)
>>> Noites de Autógrafos
* Dr. Ulysses - O Homem que pensou o Brasil - Célia Soibelmann Melhem e Sônia Russo (3ª f., 27/4, 18h30, CN)
>>> Shows
* Música das Nações - Ornatus Ensemble
(2ª f., 26/4, 20hrs., VL)
* Fats Waller I - Traditional Jazz Band
(6ª f., 30/4, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Mafalda Minnozzi
(Dom., 2/5, 18hrs., VL)
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Julio Daio Borges
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