Quarta-feira,
5/5/2004
Digestivo nº 173
Julio
Daio Borges
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Caetano Veloso é uma figura cada vez mais desacreditada no cenário nacional. Uma sina triste para uma personalidade que foi uma das mais brilhantes de sua geração. Desde “Noites do Norte” (2001), em forma de protesto contra a má divulgação que tem de seus produtos musicais, inaugurou o “happening” metralhadora-giratória. Convoca a imprensa (de que tanto tem ódio) e dispara farpas verbais destiladas durante anos. De Diogo Mainardi, por exemplo, disse que era um “abacaxi com caroço” (a que Diogo respondeu, em “Veja”, de forma muito mais elaborada sem qualquer dificuldade). Outro dia, porém, Lya Luft, a presente autora de “best-sellers”, foi obrigada a desdizer Caetano Veloso, sem a menor cerimônia, no programa de Marília Gabriela, no GNT. O assunto era carnaval. O que se disse e o que se deixou de dizer, no fundo, não importa muito. Independentemente de atos ou palavras, todo um movimento (inconsciente?) corrobora para tirar do compositor de “Alegria, Alegria” a aura de gênio intocável. Caetano, ainda assim, continua proferindo seus disparates – sem o mesmo charme do “tímido espalhafatoso” de antes. Apenas como uma prima-dona velha que começa a perder a voz (como se disse, uma vez, acerca do autor da fórmula “E=mc²”). Antes, ao menos, quando não falava, Caetano cantava. Agora, parece se arrastar nas duas esferas (a musical e a pública). Seu novo disco, que é uma incursão completa no idioma de Cole Porter, peca pela extensão, peca pela falta de gosto e peca pela quase ausência de criatividade. O que pode haver de mais original no CD, para que se tenha uma idéia, é o fato dele haver gravado “Feelings” e Nirvana. O resto são lugares-comuns que vão desde as cordas até o saxofone; desde a escolha do repertório (“standards” deveriam ser proibidos pelo Ministério da Saúde) até a (re)interpretação (caricata ou monocórdia, conforme a escolha). Está bem, ele resgatou Stevie Wonder; e, está bem, ele transformou “Blue Skies” em música eletrônica. Mas será que isso basta para o autor de “Transa” (1972); e para os ouvintes que esperavam dele uma última centelha ou um último espasmo? Tudo bem que Caetano Veloso e Paula Lavigne querem conquistar o mundo, e tudo bem que Pedro Almodóvar sucumbiu aos seus encantos, mas o Brasil não parece mais disposto a se hipnotizar pelo canto da sereia de Santo Amaro da Purificação.
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A Foreign Sound - Caetano Veloso - Universal |
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EXPERIÊNCIA PRIVADA E EXPLICAÇÃO PÚBLICA
A primeira associação que se faz à Alemanha do começo do século XX é com Hitler, o Nazismo e o Holocausto. É inevitável. Fritz Stern, porém, enxerga nesse período algo além do país entre guerras — ele vê, nesta mesma Alemanha, uma "Geniezeit", ou uma era do gênio. A mesma (guardadas as devidas proporções) que acometeu a terra de Goethe durante o Romantismo alemão. Só que com realizações no reino das ciências em geral, e não apenas no mundo das artes. Dele, a Companhia das Letras traduziu há pouco tempo "O Mundo Alemão de Einstein" (1999), com cinco ensaios biográficos mais alguns textos esparsos. Lá obviamente está o Pai da Relatividade, sempre uma fonte inesgotável de "insights" sobre o período, num encontro com Fritz Haber, pai da síntese do amoníaco e um dos maiores químicos do último século. Ao contrário de Einstein, que foi terrivelmente lúcido em meio ao delírio belicoso germânico, Haber, que sempre acreditou cegamente na autoridade do Estado, concentrou todas as suas energias no esforço de guerra e, naturalmente, pagou o preço depois. O que Stern mostra, na verdade, em seu livro, é que, na Alemanha guilhermina do kaiser, a linha entre o "bem" e o "mal" se mostrou bastante tênue — e muitas outras mentes brilhantes erraram de lado entre 1914 e 1945. Walther Rathenau, por exemplo: o homem que foi negociar com os Aliados depois da derrota na Primeira Guerra seria, na seqüência, assassinado — graças a uma capacidade eloqüente de mudar de posição para perseguir objetivos, às vezes, fatais. Além de Paul Ehrlich (o sujeito por trás da quimioterapia), Stern se debruça ainda sobre Chaim Weizmann, virtualmente o criador do Estado de Israel em 1948. Weizmann, inconformado em ser cidadão de "segunda classe" na Alemanha anti-semita, levou a causa sionista até os Estados Unidos e à Inglaterra, que, com a benevolência dos vencedores, "indenizaram" as vítimas do Holocausto. O século XX, que foi o século dos EUA (ninguém tem dúvida), poderia ter sido o século da Alemanha — diz Raymond Aron na introdução. E se a interação entre ciência e arte continua muito em moda nos tempos atuais, nada como estudar a vida de grandes cientistas talhados no mais puro humanismo — o humanismo germânico.
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O Mundo Alemão de Einstein - Fritz Stern - 410 págs. - Companhia das Letras |
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FÁBRICA
Renato Russo tinha dias em que estava atacado e tinha dias em que estava mais atacado. É o que atesta o novo “As Quatro Estações Ao Vivo”, do Legião Urbana. Os donos do espólio já haviam lançado “Como é que se diz eu te amo” (2001), da turnê subseqüente (do álbum “V”), e quem conhecia um não deve esperar muitas novidades do outro. A justificativa fica por conta de uma ou outra versão “ao vivo”, como a de “Angra dos Reis” (antes inédita), por exemplo. Mas é pouco para quem assistiu aos porcos chafurdarem na lama de “discos-solo”, póstumos, permeados de entrevistas, e de “homenagens” tortas, como a prestada por Jerry Adriani e por um certo grupo (de cujo nome nem se tomou conhecimento) que mais soa como um “genérico” do Legião Urbana. Renato Russo foi um ídolo juvenil, com seus defeitos e qualidades, atualmente sob o jugo de grandes gravadoras que não se fartam de raspar o fundo de seu baú. Mas Renato Russo, de novo, ficou sem lugar. Quem o ouvia, nos anos 80 e 90, cresceu – e hoje compra seus discos mais por condescendência do que por qualquer outra coisa. E quem não o ouvia, naqueles anos, não vai fazê-lo depois (leia-se agora), porque muito do apelo da “Geração Coca-Cola” se foi. Trocando em miúdos, Renato Russo não é ainda um compositor atemporal. Talvez um dia seja. Tentaram, e continuam tentando, fazer isso com Cazuza (aqueles que notaram a nova versão de “Exagerado”, com Frejat e Zélia Duncan, sabem do que estamos falando), mas aparentemente não conseguiram. Uma das razões talvez seja o fato de terem morrido precocemente; outra, a eterna incapacidade de se converter rock em qualquer outro gênero que não seja “rock”. Muitos também tentaram, com orquestras e artifícios similares, mas o resultado sempre foi – irremediavelmente – pobre. Como, aliás, é o rock. OK (para usar uma gíria “roqueira”), as letras de Manfredini e Agenor se salvam – foram hinos de quem não tinha mais nada para mastigar. Renato Russo tinha achaques de literatice, como quando lançou a premonitória “Eu Sei” (1987), aos 20 e poucos anos. Era o indício de que as platéias já estavam fartas de imagens. Estas “Quatro Estações” são, contudo, nostalgia em último volume. Quem está atrás de um guru, que vá cantar “Ideologia”, de Cazuza.
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As Quatro Estações Ao Vivo - Legião Urbana - EMI |
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>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO*** RECOMENDA
(CN - Conjunto Nacional; VL - Shopping Villa-Lobos)
>>> Cafés Filosóficos
* O mito da criação segundo as tradições arcaicas - Viktor Salis
(4ª f., 5/5, 19h30, CN)
>>> Palestras
* Conversas sobre um Brasil Fora de si - José Carlos Sebe Bom Meihy, Betty Mindlin, Matthew Shirts, Fabiano Maisonnave (4ª f., 5/5, 19hrs., VL)
>>> Noites de Autógrafos
* Reformas no Brasil – Balanço e agenda - Fabio Giambiagi, José Guilherme Reis e Andre Urani (2ª f., 3/5, 18hrs., CN)
* Jânio Quadros - O Prometeu de Vila Maria - Ricardo Arnt
(3ª f., 4/5, 19hrs., CN)
* Soluções em Internet - Conceitos e estratégias para facilitar a geração de negócios - Ivone Rocha (5ª f., 6/5, 18h30, VL)
>>> Exposições
* Carlos Nascibem
(3-18/5, das 9 às 22hrs., CN)
>>> Shows
* Música das Nações - Maria Lúcia Waldow e Horácio Gouveia
(2ª f., 3/5, 20hrs., VL)
* New York, Broadway e Paris - Traditional Jazz Band
(6ª f., 7/5, 20hrs., VL)
** Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos: Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional: Av. Paulista, nº 2073
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Julio Daio Borges
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