Quarta-feira,
16/6/2004
Digestivo nº 179
Julio
Daio Borges
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EU MEREÇO UM LUGAR AO SOL
O Brasil viveu seus anos 60 nos anos 80. A geração dos 60, do “é proibido proibir”, era politizada demais, depois foi séria demais – em suma, tinha um projeto de país ou de vida, muito arraigado, para se deixar dissipar. A geração dos anos 80, não: já havia esquecido (ou nunca soube) o que era política, endinheirada (pós-milagre econômico), preferiu cair na esbórnia. A essa geração pertenceu Cazuza. E por isso ele é uma figura tão significativa até hoje. Como, aliás, comprova o novo filme de Sandra Werneck sobre sua pessoa. Cazuza cresceu no seio de uma família burguesa (João Araújo, seu pai, foi presidente da Som Livre). Em meio ao conforto material, caiu no mundo e – antes de ser artista – “queria se divertir” (como afirma Daniel de Oliveira em uma de suas falas). Cazuza foi morar sozinho, mas era sua mãe (a amantíssima Lucinha Araújo) quem trazia gasolina quando faltava no carro. Cazuza quis se lançar como músico, mas provavelmente nada teria acontecido se não fosse por “Big John” e Ezequiel Neves (seu produtor na Som Livre e seu comandado). Rebelde sem causa, exagerado, carente profissional – pintou o retrato da sua turma, a “do abraço”, através da música, que, a partir de certo momento (pós-Aids), transformou em diário confessional. Na sessão especial para a imprensa, o estado-maior da “Folha” (Pedro Alexandre Sanches e quejandos) chorava copiosamente: a luz de Cazuza, uma estrela cadente de vida curta, havia novamente se apagado. Mas o ídolo ficou. Talvez o primeiro e único roqueiro (autêntico) do Brasil. Pois roqueiro não serve para viver muito (Lobão); nem para sobreviver a si próprio (Herbert Vianna); nem para virar estátua de um tempo que passou (Paul McCartney). Cazuza se eternizou, apesar da doença, como um apolo irresistível das areias do Rio – por quem dobraram os joelhos Ney Matogrosso e Caetano Veloso, entre outras “personas sexuais”. Hoje ninguém mais se atira no precipício, até por uma questão de saúde pública – mas sua índole, de poeta romântico, se perpetuou para além das músicas. Afinal, para ser artista no século XX era preciso sair bem na foto e ter uma tumultuada biografia. Cazuza foi exemplar nas duas coisas – e Sandra Werneck soube preservar esse brilho fosco.
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Cazuza: o tempo não pára |
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NO ALTAR DO VENTO
Theo de Barros é hoje um senhor que, em foto, lembra muito o ator Sérgio Mamberti. Foi um dos integrantes do genial Quarteto Novo, que contava ainda com Hermeto Pascoal (apenas um flautista albino, vesgo e habilidoso) e que foi relançado – em disco – no lote que a EMI resgatou dos arquivos da Odeon. Um álbum de 1967, imperdível. Também o CD novo de Theo de Barros, pela Maritaca – certamente um dos melhores trabalhos a surgir este ano. Delicado, cuidadoso, equilibrado, perfeito. Só com composições suas, à exceção de uma única faixa; muitas com letra de Paulo César Pinheiro. O bom gosto começa com a escolha dos convidados e segue pelos arranjos redondos e aveludados, passando pela sua própria interpretação – uma voz exata, que não incomoda e que não transmite falhas. E se alguém sente saudades de Tom Jobim, mas não agüenta mais ouvir as mesmas canções, deveria tentar, por exemplo, “Natureza” – cantada por Mônica Salmaso, rendendo como nunca. É Mônica também que brilha na bela suíte “Sete Violas”. A mesma que tem, ainda, Renato Braz, as flautas de Teco Cardoso e as cordas da Osesp. Chico Buarque, o letrista, paira sobre “Amor de Poeta” e “Zé Menino”, embora sua “influência” aqui seja um tanto quanto anacrônica. Já Cido Bianchi brilha ao piano acústico em “Aquele Carinho” e “Meu Retrato”, para citar apenas duas. Na primeira metade desse “Theo”, descobrimos que o segredo talvez esteja em peças polidas que variam entre 1 e 3 minutos. Não mais que isso. “Cinema”, porém, na segunda metade, com quase 5 minutos, põe essa certeza abaixo. “Começou a partir daquele encontro/ O pavor do conflito e do confronto”. Também “Remanso”, de um violão límpido e precisamente rebuscado. O violão de Theo de Barros – um músico tão completo que, às vezes, ainda se esquece qual é a sua especialidade.
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Theo - Theo de Barros - Maritaca |
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L’INVITATION AU VOYAGE
Lamentavelmente, o público brasileiro de concertos hoje tem apenas uma vaga lembrança do que foi, um dia, a ópera. Assim, são fundamentais as apresentações de solistas como José Van Dam, que giram o mundo dando um gostinho do que foi o universo de Rossini, Bizet e até Mozart. Na Sala São Paulo, durante a abertura da Temporada 2004 do Mozarteum Brasileiro, o público (não de assinantes) se esbaldou com as caras & caretas, mesmo com as representações trágicas, que Van Dam emprestou a Berlioz (“La damnation du Faust”) e ao autor de “As Bodas de Fígaro”. Van Dam tem personalidade e, como observou Lauro Machado Coelho, propagou sua interpretação em todas as direções, graças a uma voz potente e a uma colocação de notas exata. De pronúncia clara e acentuação precisa, o baixo-barítono permitiu que os versos de Paul Verlaine (musicados por Debussy) e de Charles Baudelaire (por Henri Duparc) fossem apanhados no ar, mesmo pelos incautos que não conheciam a língua em que foram escritas “As Flores do Mal”. E a platéia quase entoaria “Mentre ti lascio” e “La calunia”, de Rossini (no bis), se dominasse melhor o italiano e se não se sentisse tão intimidada. (A ópera afinal foi, afirmam, diversão popular. Embora não pareça, nos tempos atuais, houve um momento em que até o teatro era considerado mais “sério” do que a ópera.) Acompanhou José Van Dam, Maciej Pikulski, ao piano. E nos intervalos se podia tropeçar em gravatas e em decotes proferindo sentenças em polonês castiço, direto do consulado em São Paulo. O pianista, muito mais jovem que Van Dam, e seu acompanhante desde 1993, manteve a exuberância contida de quem se sabe em segundo plano. Para a alegria geral, contudo, esbanjou técnica numa releitura de Liszt para “Il Trovatore”, de Verdi. Foi um dos pontos altos da apresentação. (Talvez evocando o cinematográfico encontro de Nelson Freire e Martha Argerich, que está programado pelo Mozarteum no segundo semestre.) Enfim, se a ópera é um gênero morto – em termos de montagens e de orçamentos megagalácticos –, José Van Dam mostrou que, nos corações das pessoas, ela não é não.
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Mozarteum Brasileiro |
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>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA
>>> Cafés Filosóficos
* As origens da cozinha paulista: a cozinha dos imigrantes - Marina de Camargo Heck (4ª f., 16/6, 19h30, VL)
* Amor: casar ou ficar só - Flávio Gikovate
(5ª f., 17/6, 19h30, CN)
>>> Palestras
* Conhecimento: imagens e ações - Nilson José Machado
(3ª f., 15/6, 19hrs., VL)
* A Grande Virada: Bristol Myers Squibb - Letícia Colombini
(5ª f., 17/6, 19h30, VL)
>>> Noites de Autógrafos
* História dos Esportes - Orlando Duarte
(2ª f., 14/6, 19hrs., CN)
* O melhor da gastronomia e do bem-viver - Sinval Medina
(3ª f., 15/6, 18h30, CN)
* Edifícios Corporativos: Aflalo & Gasperini - Paulo Olivato
(5ª f., 16/6, 18h30, CN)
* Chico Buarque - Fernando Barros e Silva
(Sáb., 19/6, 12hrs., CN)
>>> Shows
* Música das Nações - Orquestra Barroca de São Paulo
(2ª f., 14/6, 20hrs., VL)
* Black and Blue: Louis Amstrong II - Traditional Jazz Band
(6ª f., 18/6, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Duo Ás de Cordas
(Dom., 20/6, 18hrs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
>>> Circuito Erdinger & Kiss FM
Acontece nesta quarta-feira, dia 16/6, a partir das 21 hrs., no Public Bar (Rua Delfina, nº 110 - Vila Madalena - Tel.: 11 3813-1367), onde estará se apresentando a banda The Noni Brothers.
* a Erdinger é parceira do Digestivo Cultural
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Julio Daio Borges
Editor |
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