Quarta-feira,
23/6/2004
Digestivo nº 180
Julio
Daio Borges
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LEMBRANÇAS DO FUTURO
“Laboratório Pop” é o nome de um site de música, dirigido por Mario Marques, que foi ao ar no início do ano. E “LabPop”, agora, é a revista, a partir do site, anunciada para maio e finalmente nas bancas em junho. A “LabPop” (revista) entra em rota de colisão com a “Zero” e com a “OutraCoisa” – publicações que, de uma maneira ou de outra, emularam a “Bizz” (considerada, pelos órfãos, a “melhor revista de música do Brasil”). Luciano Vianna, por exemplo, está de colunista na “OutraCoisa” e de “subeditor São Paulo” na “LabPop”. Já os festivais de música “alternativa” brasileira (junto com os respectivos selos) foram objeto da análise de Alexandre Petillo na “OutraCoisa” (o mesmo Petillo que, com Luiz Cesar Pimentel, fez parte do núcleo inicial da “Zero”) e foram também assunto da reportagem de Gabriela Capello, recentemente, na “LabPop”. Fora as pautas que se entrecruzam e os nomes que se alternam de publicação em publicação – o que há de novo? Um projeto gráfico que parece o da “Volume 01” (ah, essas revistas “jovens”...), um desejo de apostar no novo (de verdade) e a experiência (jornalística) de gente como Mauro Sta. Cecília (escrevendo sobre o “retorno” do Barão Vermelho) e Antonio Carlos Miguel (sobre um encontro com Kurt Cobain). A “LabPop”, por mais que seja outra volta da “geração anos 80” ao poder, é corajosa ao abordar ilustres desconhecidos como Leela, Keane (ultimamente já nem tanto) e The Walkmen. Como não poderia deixar de ser, discute o futuro das gravadoras, dos suportes e dos músicos. E como não poderia deixar de ser, faz (igual à “Zero” e à “OutraCoisa”) “review” de CDs e DVDs. É provavelmente a melhor das três, mas nada indica que vá durar ou que vá simplesmente “pegar”. As incertezas sobre o que será a música lançaram o jornalismo musical numa crise de identidade.
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LabPop |
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VYNIL FRONTIER
Apesar do clássico tocador de cello, foi o jazz quem fez do baixista uma figura de relevância, às vezes até hegemônica. Vide Charles Mingus. Mas o rock contaminou os “bass players” com o “glamour” de “superstars”. Desde Elvis que consagrou Bill Black até Paul McCartney (ele era originalmente um baixista, você sabia?): os Rolling Stones sobreviveram à morte e à saída de um tocador de baixo (Bill Wyman); O Pink Floyd foi vingado (ou sofreu vingança, depende do ângulo), por conta de um baixista (Roger “The Wall” Waters); o Led Zeppelin legou à cena roqueira um dos mais célebres produtores, John Paul Jones (um tecladista... e um baixista!). E segue a lista. Assim, quando cai um disco de “bass player” no nosso colo, tememos solos intermináveis (sim, eles existem), a “pedaleira” desnecessária (idem) e até o “slap” ou “hammer-on” (os baixistas são criativos). Não é, porém, o caso de Randy Coven. Para alguém que precisa de referências, em termos de música instrumental recente, “Witch Way” (o álbum de Coven) fica no meio do caminho entre a “Guitar Shop” (1989) de Jeff Beck e aqueles trabalhos solo de Steve Morse (pré-Deep Purple), que viraram vinheta da antiga rádio 89 (pré-Raimundos). Para que se tenha idéia, os convidados do instrumentista são o próprio Steve Morse e outros “guitar players” como Zakk Wylde (“hero” da última melhor fase de Ozzy Osbourne [esse, pré-“The Osbournes”]). E Coven está tão confiante, com o seu time (que inclui também bateristas e vocalistas de renome), que se arrisca em temas cantados, como “I wish” (de Stevie Wonder) e “Back in Black” (depois do Living Colour, parece ser a “cover version” do momento). Mas não é essa, de “Witch Way”, a melhor parte. Ele vale pelas incursões em que se perde a noção de tempo, como “Monday” e “Tree II”. E, para não dizer que não há versões, fique-se com “Riders On The Storm” (mais “viajante” do que Jim Morrison poderia imaginar). O CD, de 18 faixas, é considerado longo para os padrões. Coven, no entanto, alterna ritmos – ainda dentro da seara instrumental – e “desce macio” no CD-player. Se você precisava de uma trilha sonora para a estrada ou para o escritório, voilà, aí está.
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Witch Way - Randy Coven - Hellion |
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ARCO DA CRISE
Mais de dois anos e meio se passaram desde o atentado às Torres Gêmeas, no 11 de setembro, e muita gente ainda não entendeu o que houve. Talvez não entenda jamais. Ainda assim, para ajudar a entender, clarear algumas questões e desatar alguns nós, Peter Demant escreveu “O Mundo Muçulmano”, a primeira obra abrangente em português sobre o assunto, que a editora Contexto publicou. Demant tem a pretensão, louvável, de retroceder até Maomé (Muhammad, ~600 D.C.), refazer o percurso do califado (~600-1300), atravessar a era do Império Turco Otomano (~1300-1900) e desembarcar no que chama de “Idade da decadência muçulmana” (da Revolução Francesa [1789] até hoje). Passa metade do tempo (200 páginas), felizmente, contando histórias de um Oriente mítico, mágico e fascinante – muito anterior a nós, do Ocidente. E passa a outra metade (mais 200 páginas), infelizmente, explicando o tal “choque de civilizações”, de Samuel Huntington, e tentando encontrar uma solução para que, entre orientais e ocidentais, não terminemos todos dizimados. Uma tarefa inevitável, mas, ao mesmo tempo, maçante e de utilidade duvidosa (afinal, de futurologia já estamos cansados). Na verdade, “O mundo muçulmano”, para além do título, é muito mais complicado do que entender que, como para judeus e cristãos, o Alcorão tem as mesmas raízes da Torá e da Bíblia. É muito mais complexo que diferenciar árabes de turcos, de persas e de muçulmanos (atenção: não são todos a mesma coisa). É, no fundo, penetrar numa civilização que se estende, durante séculos (e não só hoje), por três continentes no mínimo. É esmiuçar a islamização da Europa; é entender os dilemas da África (com o Egito na vanguarda); é ser sensível à Indonésia (em meio aos tigres asiáticos); é perceber as disputas fatais entre Índia, Paquistão e Bangladesh; e é, no meio da revolução do Irã, chegar até Saddam Hussein. Ou seja: o buraco é muito mais embaixo do que qualquer buraco de Bin Laden. Os Talebãs, a Al-Qaeda e esses nomes que se viu a imprensa martelar há dois anos são apenas a ponta do “iceberg”. E se o atentado de 11 de setembro “serviu” para alguma coisa, foi para despertar o Ocidente (secular) de delírios de grandeza frente a um Oriente milenar. Nesse aspecto, Peter Demant cumpre o que promete. Mas não espere encontrar literatura para se ler enquanto assiste à CNN.
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O Mundo Muçulmano - Peter Demant - 432 págs. - Contexto |
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>>> OS CONSELHEIROS TAMBÉM SE ENCONTRAM
Da esqueda para a direita, o estado-maior do Digestivo Cultural: Rodolfo Felipe Neder, Fabio Silvestre Cardoso, Diego Ferraz, Julio Daio Borges, Luis Eduardo Matta, Eduardo Carvalho e Ricardo de Mattos.
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* O niilismo e o nosso século - Scarlett Marton e Clademir Luís Araldi (5ª f., 24/6, 19h30, CN)
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* Espaço Aberto - Quinteto Tarsila
(Dom., 27/6, 18hrs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
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>>> Circuito Erdinger & Kiss FM
Acontece nesta quarta-feira, dia 23/6, a partir das 21 hrs., no Old Vic Pub (Rua Diogo Jacome, nº 614 - Vila Olímpia - Tel.: 11 3842-2820), onde estará se apresentando a banda Anjo da Guarda.
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Julio Daio Borges
Editor |
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