Quarta-feira,
21/7/2004
Digestivo nº 184
Julio
Daio Borges
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ADIÓS, MUCHACHOS
Ziraldo quase chorou ao falar do fim d’“OPasquim21” na Flip. Disse que escreveu o último editorial aos prantos e que, ao mesmo tempo, sentia-se agora aliviado. Aliviado por não ter de se ver apoiando um Governo com o qual não mais concordava. Confessou que queria ter liberdade para “meter o pau” no trio Lula, José Dirceu e José Genoino. Nomes que, disse, viu crescer e que conheceu quando ainda não eram nada. Nos últimos tempos, já não sabia como se comportar diante do “grupo” que sempre apoiou (“o ‘meu’ grupo”), mas que vinha fazendo – segundo classificou Luis Fernando Verissimo – “um governo do PSDB”. Mas o drama d’“OPasquim21” não foi só esse. Foi o drama da falta de inspiração (com colaboradores já em idade avançada – o próprio Ziraldo com mais de 70 anos), foi o drama da falta de contato com o público (nem os velhos leitores de antes, nem os jovens leitores de agora liam mais “OPasquim21”) e foi o drama obviamente da falta de uma agenda política, que desse conta da derrocada da esquerda no mundo e da ascensão da esquerda no Brasil (com todas as suas contradições). “OPasquim21” não conseguiu se adaptar à nova realidade e, para muitos (entre esses, históricos fundadores, como Millôr Fernandes), já nasceu morto. Ao mesmo tempo, ressurgiram algumas teorias sobre por que o primeiro “Pasquim” deu certo. Primeiro, porque havia a Ditadura, dizem – uma fonte de inspiração e uma espécie de “fogo amigo”, que – embora prendesse, censurasse e cassasse – elevava a tiragem do hebdomadário às alturas. Depois, porque reuniu uma geração de ouro que, nos anos 2000, já estava morta ou bastante desfalcada. Como, por exemplo, reativar o “Pasquim” sem Millôr Fernandes, Paulo Francis e Ivan Lessa? Mas, na Flip, Ziraldo lamentava sobretudo a nova geração de cartunistas e chargistas que lançou e que agora não terá espaço para publicar. Gente como Aroeira, que, segundo ele, foi projetada nacionalmente graças a “OPasquim21”. Ziraldo se assumiu finalmente como “um fracasso editorial” – depois de “Bundas”, “Palavra” e “OPasquim21” – e foi triste vê-lo assim no telão. Era o retrato de um homem já fora de seu tempo, numa época que urgentemente clama por renovação.
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OPasquim21 |
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ISTO AQUI O QUE É?
João Gilberto está gagá. É a primeira reação ao ouvir esse “[Live] in Tokyo”. Mais uma vez (há quantos anos já?), as mesmas músicas: “Corcovado”, “Pra que discutir com Madame?”, “Rosa Morena”... e por aí vai. Acelerando uma, atravessando o andamento na outra; cantarolando uma parte, retomando trechos inteiros “ad nauseam”... Tirando alterações microscópicas, sobrou alguma coisa? Tudo bem, desta vez, ele gravou “Ligia” e “Louco” (a melhor faixa do álbum) – mas até quando as excentricidades dos “gênio” serão toleradas e o público terá de se contentar com regravações das regravações das regravações? Caetano Veloso, parece, foi o último que tentou produzi-lo. Brigaram no meio do processo. João Gilberto venceu, viu-se livre do “cello” de Morelenbaum (uma injunção de Caetano), e lançou um CD primoroso: “João voz e violão” (1999). Naquele então, foi relativamente surpreendente ouvi-lo entoando “Chega de Saudade” e “Desafinado” (consagradas na sua voz, ao deflagrar a bossa nova, no final dos anos 1950) uma oitava abaixo do registro original. Ele também comeu o “meu” do refrão de “Coração Vagabundo” (de Caetano Veloso) e a crítica aplaudiu praticamente de pé (embora a platéia do Credicard Hall tenha vaiado de pé também). E ano a ano, quem estava do lado do aplauso foi passando para o lado da vaia – porque ouvir o mesmo disco arranhado, durante mais de 4 décadas, cansa. Ainda assim, João Gilberto é lembrado, como exemplo, diante do impasse criativo em que se encontram os grandes da MPB: Gilberto Gil saltou de embaixador do forró para embaixador do “reggae” para embaixador da cultura; Chico Buarque abandonou a batuta de músico e assumiu a pena de escritor; e Caetano Veloso deixou de lado a composição para dedicar-se à interpretação. João Gilberto, pelo menos (afirmam os defensores do Pai da Bossa Nova), segue na mesma rota – sem inventar moda. Talvez seja, igualmente, uma tendência da indústria fonográfica: sem dinheiro para investir nem no já “consagrado”, é melhor repetir velhas formas e contar com a condescendência do público. O público, porém, um dia acorda – e aí pode ser tarde demais.
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João Gilberto in Tokyo - Universal |
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ESTAÇÕES
Poucas coisas podem ser tão fascinantes quanto estudar a vida e a obra de grandes compositores. E pensar que, há alguns séculos (quando as primeiras biografias apareceram), os músicos (os grandes músicos) eram considerados figuras menores frente a, por exemplo, homens de ciência. Foi contrariando essa visão que Joaquim Le Breton lançou, na França, “Notícia Histórica da Vida e das Obras de José Haydn” – o primeiro livro sobre o assunto publicado no Brasil (em 1820) e, agora, reeditado pela Ateliê Editorial (com a tradução original, provável, de um certo José da Silva Lisboa). E como era comum nesse tipo de panegírico extremamente elogioso (fruto de uma homenagem pública logo após o falecimento do autor da “Criação”), Haydn aparece em todo seu esplendor. Desde o menino prodígio no canto até o mestre consagrado, e laureado em toda Europa, que teve vida longa e próspera (mais de uma centena de sinfonias, algumas dezenas de sonatas, uns tantos quartetos; óperas, missas, valsas...). Ao contrário de Mozart (um compositor por ele tão admirado), Haydn não morreu jovem e pôde contar com o apoio de um protetor que o sustentou até o final, o Príncipe Esterházy. Embora tenha tido um casamento infeliz (que se estendeu por mais de 40 anos), e apesar da infância e juventude pobres, não faltou conforto material ao Haydn adulto. E nem, tampouco, inspiração. Os motivos lhe vinham, mas ele os trabalhava constantemente – e nunca se contentava com os primeiros esboços. Nos novos compositores (de seu tempo), criticava a falta de paciência e a falha de se prender apenas à “primeira idéia”, que terminava não devidamente trabalhada. Como produziu muito, e sempre foi muito generoso, não repreendeu o uso indiscriminado que faziam de sua própria obra: viu suas partituras circularem pelo Velho Continente – e se sentiu feliz ao vê-las apreciadas, ainda que não sob sua assinatura. Haydn, embora fosse um gigante (o primeiro compositor moderno, afirma o livro), era de uma graciosidade toda especial. Depois de recolhido (e depois de abandonar a composição), voltou ainda uma vez à civilização – para assistir suas peças serem executadas pelos maiores virtuoses de então. Ergueu as mãos ao céu e se emocionou. Três meses depois, morreu – e, com a mesma leveza, entrou para a eternidade.
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Notícia Histórica da Vida e das Obras de José Haydn - Joaquim Le Breton - 100 págs. - Ateliê Editorial |
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>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA
>>> Cafés Filosóficos
* A alma brasileira vista por um europeu: sem caricatura, afetação ou fascínio exótico - Patrick Corneau
(Ter., 20/7, 19h30, CN)
>>> Noites de Autógrafos
* O Guia dos Curiosos: Jogos Olímpicos - Marcelo Duarte
(Qui., 22/7, 18h30, VL)
>>> Shows
* Música das Nações - Brazilian Guitar Duo
(Seg., 19/7, 20hrs., VL)
* Jazz no Cinema - Traditional Jazz Band
(Sex., 23/7, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Maria Eliza
(Dom., 25/7, 18hrs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
>>> Circuito Erdinger & Kiss FM
Acontece nesta quarta-feira, dia 21/7, a partir das 21 hrs., no Athilio Pub (Rua Cel. Joaquim Ferreira Lobo, nº 13 - Vila Olímpia - Tel.: 11 3848-0227), onde estará se apresentando a banda Rock Diggers.
* a Erdinger é parceira do Digestivo Cultural
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Julio Daio Borges
Editor |
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