Quarta-feira,
28/7/2004
Digestivo nº 185
Julio
Daio Borges
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A VOZ DA ESPÉCIE
Outro dia Rosinha Matheus, a governadora do Rio de Janeiro, declarou que não acreditava na “teoria da evolução” de Charles Darwin. Depois de mais de um século, ainda existe gente que – como ela – é “criacionista”, ou seja: acredita em coisas como “Adão & Eva”, a “Maçã”, a “Serpente”, etc. Algo que, infelizmente, não é privilégio do Brasil, um país atrasado, de formação católica, onde – em muitas questões – prevalece o obscurantismo e não só nas camadas mais baixas. E, num mundo que desperta para o fundamentalismo, seja muçulmano, seja cristão, a ciência sofre diariamente reveses, mesmo depois de provar que o Sol não gira em torno da Terra, já há séculos. Nesse sentido, não pode haver leitura mais esclarecedora, e pertinente, do que os livros de divulgação científica – escritos por grandes pensadores como Steven Pinker, professor de psicologia em Harvard e ex-diretor do Centro de Neurociência Cognitiva do MIT. Sua mais recente obra publicada no Brasil, “Tábula rasa” (pela Companhia das Letras), é mais iluminadora e mais completa do que as incansáveis discussões que os humanistas (puros) travam por aí há milênios, sem chegar a nenhuma conclusão. Pois, como disse Millôr Fernandes, “a tecnologia vem antes da ideologia”, e os homens de letras estão se perdendo no terreno pantanoso da opinião – enquanto os homens de ciência estão trazendo “verdades reveladas”, não por oráculos ou escritos bíblicos, mas pela exatidão da matemática, da física e da química. É um novo paradigma. A partir de agora, os debates não seguirão mais o esquema do “eu acho/você não acha”, “eu tenho razão/você, não”, “eu lhe sou moralmente superior”... Como ficou provado que é a Terra que gira em torno do Sol, e que nós não somos o centro do universo, algumas questões deixarão de ser controversas porque – graças à genética, à neurologia e a outras ciências afins – chegarão ao consenso límpido e cristalino do “2+2=4”. Sem apelação. Pinker, particularmente em “Tábula rasa”, destrói a noção de que os seres humanos são “livros em branco em que se pode escrever qualquer coisa”. É uma libertação (da dominação das religiões, ideologias e até do senso comum); e é uma responsabilidade (como toda forma de autoconhecimento) – mas há, ainda, um longo caminho.
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Tábula rasa - Steven Pinker - 672 págs. - Cia. das Letras |
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IN THE DARK
É cada vez maior a aproximação entre o jazz e a música pop. E vice-versa. Desde roqueiros, como Rod Stewart, que resolveram dar uma guinada na carreira gravando “standards”, até jazzistas, como Diana Krall, que decidiram se aproximar do “pop” para explorar outras possibilidades de interpretação. Enquanto isso, os cantores jovens do “american song” pululam, em caras, bocas, desleixos e poses típicos dos ídolos do “rock’n’roll”. Talvez seja um indicativo de que passamos por uma crise da composição, mas é mais correto afirmar que a crise emana das grandes gravadoras. Sem dinheiro para a produção, e principalmente para arriscar novos repertórios, as “majors” estariam partindo para reedições (de “caixas”, como vemos aos montes), para relançamentos (de antigos nomes – que passam por um “revival”, mesmo que relâmpago) e para a reciclagem pura e simples. Não que haja algo de inerentemente mau nessas iniciativas. Graças às reedições, retomamos contato com catálogos inacessíveis há anos; graças aos relançamentos, são corrigidas injustiças, às vezes, históricas (e um ou outro nome desponta); e graças às reciclagens, surpresas inauditas se revelam, como os supracitados Diana Krall e Rod Stewart (em seus mais recentes trabalhos). Lee Aaron é, por exemplo, o caso de um roqueira canadense que – “cansada de guerra” (leia-se: guitarras distorcidas, baterias nervosas e vocais estridentes) – resolveu se aventurar no universo do jazz. E não fez feio, embora não seja propriamente uma originalidade. Como o ex-vocalista dos “Faces”, procura garantir seu espaço no reino do “easy listening” (onde cabe desde o “lounge” até a “world music” – que muitas vezes se confundem). Não é falta de personalidade, é senso de oportunidade: como o cantor de “Sailing”, Lee Aaron sabe que dificilmente seria aceita pelos recalcitrantes ouvintes de jazz tradicional – então direciona seus esforços para o grande público. Não é uma escolha pessoal apenas, como pode a princípio parecer: os vídeos de “Why Don’t You Do Right” e “I’d Love To” – de exímia produção – estão aí para comprovar. É muito cedo, no entanto, para avaliar o casamento entre o jazz e o “pop”. O momento, agora, é de experimentar.
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Slick Chick - Lee Aaron & the swingin barflies - Hellion |
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O SABER NÃO OCUPA LUGAR
Luiz Felipe D’Ávila tem um caso de amor com a cultura e é a ele que devemos duas das mais bonitas revistas brasileiras dos últimos tempos: “Bravo!” e “República”. A “Bravo!” foi vendida para a Abril e a “República” não existe mais, mas o fato é que – em matéria de jornalismo cultural – alcançamos outro patamar depois de Luiz Felipe D’Ávila. Claro, sem Wagner Carelli e sem Noris Lima, nada teria acontecido – mas D’Ávila foi o “publisher”, a pessoa que reuniu condições para efetivamente levar a idéia a cabo. A nova iniciativa de Luiz Felipe D’Ávila, que hoje dirige as revistas femininas da Abril, é a Casa do Saber. Dele e de outros nomes, como Celso Loducca (o publicitário) e Maria Fernanda Cândido (a atriz). A Casa do Saber, como o próprio nome já diz, pretende ser um centro livre de estudos, com palestras, cursos e oficinas, num ambiente “extra-acadêmico”, instalado na rua Dr. Mário Ferraz, no Itaim. A idéia não é totalmente nova e o objetivo, muito válido, é dessacralizar os “saberes”, e até mesmo os professores (ou “mestres”), que, em classes com poucos alunos, estarão mais acessíveis e expostos. A “Casa do Saber” entra no seu segundo semestre de funcionamento e vai promover suas atividades com gente de renome, como Otavio Frias Filho (o herdeiro do Grupo Folha), Nelson Motta (o produtor e autor de “Noites Tropicais”) e Davi Arrigucci Jr. (um grande ensaísta e uma figura disputada na Flip). O local é agradável e as “salas de aula” dividem espaço com uma ampla livraria e um café simpático. Lá, vão ser discutidos tópicos como: “Obras-primas da Pintura”, “Os Pensadores”, “Grandes Religiões” e “Casamento no Divã”. Mesmo em julho, para alguns casos, o número de inscritos já superou o número de vagas. Espera-se que a Casa do Saber atinja seus objetivos, num País onde não só as classes baixas são carentes de educação e cultura, mas também a elite (econômica). E que a Casa do Saber mantenha sua vocação “ecumênica”, não sucumbindo aos insistentes apelos político-ideológicos como vulgarmente acontece.
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Casa do Saber |
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>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM TOCA NO RÁDIO
Digestivo Cultural na Cultura FM
Não perca, nesta sexta-feira, dia 23 de julho, às 16 hrs., a entrevista de Julio Daio Borges, Editor do Digestivo Cultural, concedida a Marta Fonterrada, na Cultura FM de São Paulo (103.3 Mhz). A transmissão será feita também via internet (atraves deste link). Os ouvintes podem ainda enviar perguntas (atraves deste e-mail) e, além de conhecer um pouco mais do Digestivo Cultural, poderão ouvir a seleção de músicas do Editor.
Data: 23/07/04 (Sexta-feira)
Horário: 16 hrs.
Onde: Cultura FM (103.3 Mhz)
Programa: Musica em Toda Parte de Marta Fonterrada
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA
>>> Palestras
* Qual a importância da arte para a saúde e a vida? - Nise Yamaguchi e Inês Novoa Jezler (Sáb., 31/7, 16hrs., VL)
>>> Noites de Autógrafos
* Crimes Previdenciários - Euro Bento Maciel Filho
(Qua., 28/7, 18h30, CN)
* Roda Mundo, Roda Gigante - Douglas Lara
(Qui., 29/7, 18h30, CN)
>>> Shows
* Música das Nações - Duo Contraste
(Seg., 26/7, 20hrs., VL)
* Chicago & Kansas City - Traditional Jazz Band
(Sex., 30/7, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Aura Tropical
(Dom., 31/7, 18hrs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
>>> Circuito Erdinger & Kiss FM
Acontece nesta quarta-feira, dia 28/7, a partir das 21 hrs., no O'Malley's Irish Bar (Alameda Itú, nº 1541 - Jardins - Tel.: 11 3086-0780), onde estará se apresentando a banda Rock Feller.
* a Erdinger é parceira do Digestivo Cultural
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Julio Daio Borges
Editor |
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