Quarta-feira,
27/10/2004
Digestivo nº 198
Julio
Daio Borges
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UM OCO E UM VAZIO
A literatura neo-realista urbana passa por um período de exaustão. Ainda não é lugar-comum na imprensa especializada, mas a constatação corre à boca pequena entre jornalistas e autores. Ninguém cita nomes, para não ofender os amigos (o meio é deste tamanho), ainda assim admite que ler sobre violência, sexo e drogas, por exemplo, já cansou. Em silêncio, o who’s who da literatura brasileira atual clama por renovação. Como que para suprir essa demanda, surgem autores como Cíntia Moscovich. No debate que acompanhou a noite de autógrafos de Arquitetura do arco-íris (seu mais recente livro), na Casa do Saber, Luiz Ruffato falou em uma retomada dos temas da “classe média”. Não é bem o termo, porque autor de classe média é o cronista Luis Fernando Verissimo – Cíntia Moscovich, embora elogiada (e catapultada) pelo mesmo filho de Érico, soa um pouco mais sofisticada. Seu conto “Fantasia-improviso”, tomando emprestado o título de uma peça de Chopin, é uma das realizações mais delicadas e bem escritas dos últimos anos. Fabrício Carpinejar, que mereceu de Cíntia a epígrafe, aproxima-a de Lygia Fagundes Telles – mas, ao contar a história de um pianista cego que seduz uma conhecida num jantar de obrigação, talvez Moscovich supere a “mestra” e deixe em dúvida mesmo unanimidades como Clarice Lispector. Para o alívio geral, Cíntia não está preocupada com a última “questão social” (ainda que fale de seu povo, discretamente, o judeu) e nem está atrás do rastro que os beatniks deixaram (e que fascina, ainda, toda uma nova geração de escritores-internautas). Só por isso, ela seria uma novidade e tanto. Mas há mais. Cíntia vem engrossar as vozes que nos chegam do Sul (mais exatamente, de Porto Alegre) e vem engrossar, também, as fileiras de escritores-jornalistas como Michel Laub (é editora de livros do jornal Zero Hora). Autora igualmente de Duas iguais (1998 – ao mesmo tempo, relançado agora), tem praticamente todas as qualidades para construir uma obra sólida e renovadora. A única pena é que não tenha começado aos 17 anos, como Clarice; ou que não tenha, à sua disposição, todos os microfones, como Lygia. Porque em matéria de literatura – no fim, o que importa – está, no mínimo, em pé de igualdade.
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Arquitetura do arco-íris - Cíntia Moscovich - 172 págs. - Record |
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EINMAL ANDERS
Otto Maria Carpeaux, em sua História da Música, conta que Schubert poderia ter cruzado com Beethoven – pois foram contemporâneos na mesma cidade –, mas, ao contrário das lendas constantemente alimentadas, não gozaram da arte do encontro. Ainda assim, Schubert acompanhou à distância a produção de um dos maiores artistas de todos os tempos e, dizem, em suas composições, ousou desafiá-lo. É, aparentemente, o caso de seu Octeto (op. 166), apresentado recentemente em São Paulo, no Teatro Alfa, pelo Octeto da Filarmônica de Berlim, dentro da Temporada 2004 do Mozarteum Brasileiro. Peça longa, de 6 movimentos, é um verdadeiro “documento humano” (para usar outra expressão de Carpeaux). E uma sala lotada, com sua respiração em suspenso, pôde desfrutá-lo em toda sua complexidade. Impossível não sair transformado depois da sessão. Tanto que o célebre Octeto foi deixado para o final, para depois do intervalo – como que evocando o último episódio da vida de Schubert, quando padecia mortalmente de sífilis, ao mesmo tempo em que compunha belezas insuperáveis, no dizer de Eddynio Rossetto. Em contraposição à densidade absorvente dessa obra-prima, a abertura foi instigantemente alegre – com Mozart. Seu Divertimento (K. 138) foi o ponto alto em matéria de descontração – de um classicismo redondo, seduzindo imediatamente a platéia e revelando a elasticidade do ensemble. Richard Strauss, a seguir, pôs um pé nos “tempos modernos” e, em matéria de compreensão, soou difícil para os ouvidos que haviam acabado de experimentar os encantos do mestre de Salzburg. Mas se apresentou impecável, pelo Octeto da Filarmônica de Berlim, para variar. Então Schubert fechou a noite transtornando os corações... Como que para provar, pela milésima vez, desde o século XIX, que foi muito mais que o genial autor dos Lieder. Os músicos, em reverência a ele (ou numa demonstração de cansaço franco), abandonaram o público à espera do bis. Que ele retivesse, ao fim e ao cabo, as imagens sugeridas por Schubert – um dos prováveis ápices dessa aventura humana; vivida na Terra e protagonizada pelo homo sapiens.
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Mozarteum Brasileiro |
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NÓS, PROFETAS, SOMOS MUITO TEIMOSOS
A lembrança mais presente do Snoopy, para a geração televisão, é aquele desenho que passava dublado, nem-sei-em-que-canal, e que colocava Charlie Brown no centro, como uma criança problema, em permanente crise de identidade. Charles Schulz, na verdade, em 2 de outubro de 1950, ao lançar a série Peanuts, antecipava o existencialismo desencantado de Woody Allen em algumas décadas. É o que se comprova com as tiras reeditadas agora, no Brasil, pela Conrad. Também em A Vida é um Jogo e Que Saudade, Snoopy! (os dois mais recentes títulos), Charlie “Minduim” Brown está em primeiro plano, encabulado entre a Garotinha Ruiva e as recorrentes investidas de Patty Pimentinha; premido entre a sua turma que “cresce” (e se transforma) e o seu cachorro (que pode não falar, mas que pensa e tem muito estilo). Schulz definitivamente criou uma obra-prima no universo das HQs e usou de inocentes criancinhas para propagar as inquietações sociais de seu país, os Estados Unidos. Lucy ou Lucíola (depende em que língua), uma protofeminista, tenta, por exemplo, implantar a psicanálise no grupo, mas sua banca de consultas psicológicas acaba confundida com uma banca de vender sucos. “Que puxa!”, diria ela, se fosse o protagonista. Já Marcie surge com complexo de inferioridade e uma queda pela idolatria, seguindo os passos (e as ordens) da Pimentinha e chamando-a, para a sua irritação, de “senhor”. Além dessas reivindicações de seu tempo, Schulz é capaz de cenas da mais absoluta poesia, no reino das histórias em quadrinhos, quando promove encontros (e desencontros) do beagle mais famoso do mundo com seu companheiro Woodstock, o passarinho de linguajar incompreensível. Snoopy então sai da imagem estática e do costumeiro ar blasé para mostrar suas traquinagens e sua própria interpretação dos dilemas humanos. Talvez incorpore nosso desejo primal de transmitir, a um ser “alienígena”, o julgamento de atos e palavras – que nos confundem tanto e nos aprisionam nesse negócio chamado “vida adulta”.
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A Vida é um Jogo | Que Saudade, Snoopy! - Charlie M. Schulz - Conrad |
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>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM SAI NA TELEVISÃO (REPRISES)
A convite de Claudiney Ferreira, apresentador do Jogo de Idéias, Julio Daio Borges, Editor do Digestivo Cultural, participou de uma mesa-redonda sobre Jornalismo na Internet, ao lado de Pollyana Ferrari (autora do livro Jornalismo Digital) e Pedro Doria (colunista do site no mínimo).
Reprises (canal 11 da Net e canal 71 da TVA):
* terça 26 e quarta 27 às 21h30;
* sexta 29/10 às 4 e às 15 hrs.;
* domingo 31/10 às 8h30 da manhã.
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA
>>> Palestras
* Os 100 melhores CDs da MPB - André Domingues
(Qua., 27/10, 19hrs., VL)
>>> Noites de Autógrafos
* Eu não disse? - Mauro Chaves
(Seg., 25/10, 18h30, CN)
* Trincheira, palco e letras - Antonio Arnoni Prado
(Ter., 26/10, 19hrs., CN)
* O Império Contra-Ataca: As guerras de George W. Bush, antes e depois do 11 de Setembro - Argemiro Ferreira
(Qui., 27/10, 18h30, CN)
* Em tempos do Senhor - Ives Gandra Martins
(Qui., 28/10, 18h30, CN)
>>> Shows
* Musica das Nações - Grupo de sopros Harmoniemusik
(Seg., 25/10, 20hrs., VL)
* Os Grandes Ballrooms - Traditional Jazz Band
(Sex., 29/10, 20hrs., VL)
* Dança Clássica Indiana - Bhávana Rhya
(Dom., 31/10, 18hrs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
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Julio Daio Borges
Editor |
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