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Quarta-feira, 5/1/2005
Digestivo nº 208

Julio Daio Borges

>>> LITERATURA EM 2004 Mais do que um ano de clássicos, semiclássicos ou (re)lançamentos, 2004 foi quase todo dos autores novos. Desde os ecos de 2003, em que brilhou Caixa de Sapatos, a antologia de Fabrício Carpinejar, até a Flip (onde uma das mesas mais disputadas era a de “literatura feminina”), até os livros de Cíntia Moscovich e Ivana Arruda Leite no segundo semestre de 2004. Foi a vez de autores-jornalistas (como a própria Cíntia, editora de livros do jornal Zero Hora) e de autores com coluna na imprensa (como a própria Ivana, que, além de socióloga, é detentora de um espaço na Revista da Folha). Michel Laub, editor da Bravo!, seguindo essa trilha, lançou o principal “romance de autor novo” em 2004, Longe da água. Marcelino Freire, que se confunde com essa safra, mais como agitador do que como escritor, compilou microcontos dessas e de outras vozes. Pode-se dizer ainda que os novatos ou seminovatos tiveram presença relevante no mais cobiçado prêmio literário atual: o Portugal Telecom, que consagrou Paulo Henriques Britto (além de tradutor, agora, também, autor). Novamente, no rastro da Flip, conhecemos autoras como Rosa Montero (seminova) e Margaret Atwood (semivelha). E no boom que vem marcando as últimas temporadas, descobrimos promissoras editoras novas, como a Amauta e a Capivara (essa não tão nova, mas dentro do presente espírito de renovação). Brilharam, também, em 2004 (como igualmente em outros anos), os autores-cientistas, ou escritores, ou jornalistas puramente interessados em ciência. Encabeçando a lista, Steven Pinker, hoje um dos mais fundamentais pensadores da natureza humana, logo seguido de Matt Ridley, mais preocupado em debater idéias à luz da história da ciência, imediatamente acompanhado por Bruce McEwen, que publicou o mais inteligente livro sobre estresse, e por António Damásio, cuja maior contribuição, em seu tratado sobre as emoções, foi resgatar Espinosa. Todos soterrando paixões, como a ideológica e a da religião; e todos descortinando um “admirável mundo novo” (no melhor sentido da expressão). Clássicos literários também não faltaram em 2004, e o destaque vai para Os prazeres e os dias, de Proust. No Brasil, para o teatro de Nélson Rodrigues em pocket book e para cartas e postais do Vovô Joãozinho. 2004 ainda viu nascer a Panorama Editorial (da CBL) e trouxe à baila o Guia de Sebos do – no mesmo ano, imortal (da ABL) – Antonio Carlos Secchin. Para o chamado “país de (não) leitores”, até que está bom.
>>> Mais Literatura
 
>>> INTERNET EM 2004 A grande vedete de 2004 na Web foi o site de relacionamento Orkut. Uma iniciativa do Google, alardeada como despretensiosa, mas que arregimentou milhares de cadastrados ao redor do globo (sem falar que colocou os internautas brasileiros em disputa pelos primeiros lugares no ranking). Até agora não se sabe se isso é ruim ou bom (o Orkut e a maciça presença brazuca). De qualquer forma, a iniciativa de um funcionário da maior empresa de internet do mundo trouxe conseqüências para todos – e os sites, a partir de agora, terão de se (re)estruturar tomando por base o (novo) “paradigma” do Orkut. (O mesmo Google, aliás, continuou crescendo como nunca e deixou de temer o enfrentamento na bolsa de valores.) E quem lucrou, ainda que virtualmente, e em forma de piada, foi o Cocadaboa, que emplacou o trote (ou a “barriga”) do ano: o Sexkut. Na mesma categoria “fenômeno”, os sempre questionados blogs ganharam novo impulso em 2004. Primeiro, graças ao excelente estudo de Denise Schittine, que coloca os blogueiros no seu devido lugar: como herdeiros do voyeurismo, da confusão entre as esferas pública&privada e da construção de uma “memória” coletiva via posts, e-mails, comentários... E os primeiros blogueiros brasileiros a sair entre capas foram os controversos Wunderblog(ger)s. Ainda que tenham sido ponta-de-lança para o surgimento da editora revelação de 2004, a Barracuda de Alfred Bylik, não conseguiram convencer a todos da utilidade de se editar, justamente,... blogs. A internet este ano ainda viu emergir novos autores que se consagraram nela ou através dela, como: Paulo Polzonoff Jr (em O Cabotino); Alexandre Soares Silva (em Morte e Vida Celestina); e Fabio Danesi Rossi (em Todas as Festas Felizes Demais) – todos com passagens pelo Digestivo Cultural. Sem ambição em matéria de literatura e apenas com o desejo de compilar material seu desde os primórdios da Grande Rede, Fernand Alphen estreou a coleção “Webinsider” (estabelecida em função do conhecido site de mesmo nome, dirigido por Vicente Tardin). E a música na internet não viveu apenas de disputas com a justiça e por formatos mais ou menos vendáveis. O Brasil foi cenário de uma das empreitadas mais inteligentes para a produção independente e alternativa: o Trama Virtual, com curadoria do lendário produtor Carlos Eduardo Miranda. Infelizmente, foi palco também da desbocada briga entre o jornalista Mario Marques e a blogueira brasilianista, Daniella Thompson (em torno da discografia de Guinga). 2004 praticamente se encerrou com um inédito (e bem-feito) caderno de tecnologia no Estadão: o “Link” – provando que até em instituições centenárias a WWW tem reconhecido o seu valor.
>>> Mais Internet
 
>>> ALÉM DO MAIS EM 2004 Houve poucas razões para ligar a televisão em 2004. Fora as conhecidas (Manhattan Connection, Outras Palavras, Roda-Viva, Jogo de Idéias), Paulo César Peréio inaugurou um inusitado programa de entrevistas – que patinou no início, mas que, com o passar do tempo, ganhou corpo. Da mesma forma, a estréia de Diogo Mainardi na TV a cabo (que aniversariou). Paulo Markun – outro jornalista, mas já veterano do VT – comemorou os 18 anos da atração que hoje comanda, dividindo o palanque com outros apresentadores históricos: Augusto Nunes e Matinas Suzuki Jr., entre outros. A MTV fez 10 anos de VMB, mas graças a uma parca retrospectiva viu-se que, como o decadente grande mercado fonográfico, anda regredindo num ritmo assustador. Felizmente, em 2004, as artes plásticas compensaram as artes “eletrônicas”. Em termos editoriais, degustamos o auge da contracultura quadrinística, por obra e graça da Conrad: Robert Crumb e Gilbert Shelton. Mergulhamos, ainda, em mais um volume das “sobras completas” de Angeli. E, falando em alta cultura, visitamos a ampla mostra de Ianelli, que mereceu um compêndio já em vida. Na mesma Faap que abrigou seus trabalhos, esteve também Cícero Dias e seu mural Eu vi o mundo... Picasso, como sempre quebrando recordes em matéria de filas (e de gente pra fora), virou até CD em 2004. E a pintura mereceu uma bela coleção da editora 34. No reino da gastronomia (não a “dos olhos”, como definiu Balzac), Saul Galvão reeditou seu Guia de Vinhos e a Erdinger, a clássica das clássicas, movimentou a cidade com muito rock’n’roll em seu Circuito. E por falar em comes&bebes, desconcertou os bem-pensantes, com analogias envolvendo “as partes de baixo”, O Meu Pipi, um pornógrafo criativo e eletrônico de Portugal. Hugo Penteado, ocupado também com a natureza (mas com a natureza como um todo), seguiu, a exemplo de 2003, alertando para catástrofes econômicas e ambientais. 2004 foi, por último, o ano do milagre-que-não-foi – mas que esperamos que em 2005 seja, gostando do Lula ou não.
>>> Mais Além do Mais
 
>>> DIGESTIVO EM REVISTA NO ESTADÃO

"Os artigos do Digestivo Cultural saltam da Web para o papel. A revista GV-executivo lança uma edição especial de cultura, com um balanço do ano 2004 em diferentes áreas culturais e a opinião de críticos do site sobre as tendências para o próximo ano." (continua)

Karla Dunder no Estadão de 26/12/2004
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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