Quarta-feira,
19/1/2005
Digestivo nº 210
Julio
Daio Borges
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AMOR E COBIÇA
Mantendo a tradição das mulheres, das estagiárias e das funcionárias peladas, a Trip chegou às bancas em dezembro de 2004 comemorando 18 anos. Erotismo light à parte, a revista de Paulo Lima teve uma das melhores edições em muito tempo, abordando um tema que, às vezes, é tabu na imprensa nacional: a própria história. Lima quase pede desculpas no editorial intitulado “ego”, onde enfatiza a independência da publicação, longe daqueles mesmos conglomerados de sempre e longe das adaptações malfeitas de periódicos estrangeiros. A Trip, apesar do nome, não é nada disso, ele afirma – e tem razão. Pois, descontando a atual fase (digamos, mais comercial, mais consagrada & conformada), o grupo de Paulo Lima efetivamente fez escola: basta acompanhar a trajetória dos entrevistados que desfilam na primeira parte da edição de aniversário. Carlos Sarli, o Califa, enumera afinidades – não só financeiras – com Lima (com quem nunca brigou). Fernando Costa Netto, o Dandão, conta que confirmou, na Trip, sua vocação: a de jornalista. Rafic Farah lembra do início, quando “layoutava” as páginas em cima de uma pia de cozinha num prédio. Pisco Del Gaiso revisita os expedientes para os quais teve de apelar, já que desejava ardentemente fazer parte do time... Otavio Rodrigues explica porque fugiu de São Paulo e depois tornou à casa – imbuído de uma “missão”. Arthur “o incensado” Veríssimo retoma a participação numa velha seita oriental (mais para pegar mulher do que para qualquer outra coisa); e, agradecido, discorre sobre o mergulho no abismo (do qual saiu graças à... Trip). Por último, Ângelo Palumbo – sozinho, doente e desiludido – desce o sarrafo na presente fase da publicação, enquanto evoca a liberdade inesgotável daqueles primeiros anos. Embora nem todos (ou quase todos) não sejam exatamente conhecidos do grande público, vale a pena atravessar cada bateria de perguntas e respostas – nem que seja para aprender, indiretamente, como se constrói uma marca e uma “identidade” no nosso fechado mercado editorial. Além desses depoimentos, a edição de 18 anos encarta outros (menos reveladores): desde cartuns e trabalhos gráficos assinados por gente como Angeli até algumas cartas, verdadeiras declarações de amor, endereçadas a Paulo Lima (himself) ou, de reconhecimento, à redação (vide a de J.R. Duran). Lima, com seu jeito moleque – de eterno surfista e inconfundível locutor do Trip 89 (eu sei que o nome não é esse mais) –, esconde indubitavelmente um dos maiores empreendedores nesse segmento “jovem”, de duas décadas pra cá. Quem não o leva a sério, depois da maioridade, deveria começar a levar.
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Trip - Editorial de Paulo Lima |
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GIRAMUNDO
Assim como as modelos (e até dançarinas) que se iniciam na televisão têm de se apegar, mais dia menos dia, ao teatro e à dramaturgia, as cantoras da moda, também, têm de se apegar a alguma tradição na música brasileira – antes que a (sua) moda passe. Não que Fernanda Porto seja como essas figuras acéfalas que pululam no fim de tarde da tevê, mas soube perceber que seu reinado eletrônico tinha tempo limitado e que – se como artista quisesse durar – teria de recorrer às grandes linhas evolutivas. Nesse ponto, é emblemático o single executado freqüentemente nas rádios: “Roda Viva” – além de ser uma peça significativa de um dos baluartes da MPB e da tradição, conta – na versão de Fernanda Porto – com a participação do próprio compositor: Chico Buarque. E a simbologia continua no fato de a faixa ter batidas eletrônicas de condução – como se a musa das pistas e dos DJs de antes desse as mãos com o cânone de 1960 em diante (o único que restou). Pois o seu salto se apóia e o trampolim continua graças à presença do reconsiderado Cesar Camargo Mariano – no vácuo de Elis-remix e de Maria Rita-reloaded – em outras 4 ou 5 canções. Aliás, a Trama (gravadora de Fernanda) tem procurado se balizar, cada vez mais, nas últimas figuras fundadoras de antes e de durante a ditadura: além do clã Elis, Tom Zé (já há algum tempo) e Gal Costa (novidade). Para os figurões é mais uma aposta, porque eles estão tão perdidos ou mais do que os novatos: vide Chico Buarque na Folha, confessando que atualmente concorre consigo próprio (o Chico censurado e o Chico jovem). A música brasileira agora é uma reprodução difusa da imagem nítida que foi outrora. Parece sem programa. De qualquer maneira, Fernanda Porto tem essa plataforma para exercitar sua veia de compositora. E não se sai mal. Embora destaque ela mesma – como todo mundo hoje – as participações no álbum (além das já citadas: Will Calhoun e Doug Wimbish, do Living Colour), suas letras soam menos ingênuas e mais “memoráveis” do que as do primeiro trabalho. Ainda que se pautem em demasia no brainstorm e no coloquialismo formal, confirma seu movimento em direção às estátuas de mármore da nossa música popular. Que não se revelem, porém, estátuas de sal.
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Giramundo (ouça as faixas) - Fernanda Porto - Trama |
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POLONAISES
O que sabemos sobre a Polônia? Muito pouco. Sabemos que o Papa veio de lá. Sabemos de sua anexação por parte da Alemanha, na Segunda Guerra. Sabemos o que Polanski nos contou. E sabemos, obviamente, de Chopin. Mas de teatro polonês, sabemos ainda menos. Se o folheto não nos dissesse, por exemplo, que Ionesco era polonês, não iríamos nos lembrar. Estamos falando da peça O Diário, de Witold Gombrowicz (alguém consegue pronunciar?), montada em São Paulo pela companhia do Teatro Dramático de Varsóvia. Mormente, uma realização da colônia polonesa no Brasil, com apoio da marca Lush, no Sesc Consolação. Uma iniciativa, portanto, louvável, para aplacar nossa ignorância em matéria de Polska (Polônia em polonês). Inacreditavelmente encenado em polonês (com legendas), o espetáculo aborda, como não poderia deixar de ser, o anti-semitismo e o nacionalismo na Polônia do século XX. Afinal, como quem estuda História sabe, a perseguição da parte de Hitler e do nazismo é apenas a ponta do iceberg numa trajetória de expurgos, de violação de direitos e de maus-tratos. Stefan é um jovem dividido entre o autoritarismo opressor do pai e os traços físicos (considerados indesejáveis) herdados da mãe. Entre alucinações de militarismo e do “gênio” polonês, apaixona-se por Jadwisia, que conquista com seu caráter dócil (judaico?) e que repudia com seu lado austero e áspero (polaco?). Além da atuação impressionantemente possessa e esquizofrênica de Krysztof Ogloza (Stefan) e Dominika Kluzniak (Jadwisia), destacam-se as performances de Krzysztof Bauman (o imponente pai de Stefan) e de Anna Deszowska (a chorosa mãe) – apesar de haver outros personagens em circulação, como um professor, alguns colegas, um organista e figurantes diversos. Tirando a presença de personalidades do consulado e da embaixada na estréia, nesta nossa capital, foram vistos renomados profissionais do meio, como o diretor Antunes Filho e a atriz Barbara Paz. Por fim, ainda continuamos com a referência das fortes imagens do Pianista, mas montagens como a do Diário vão acrescentando novos tons à nossa composição mental.
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Peça polonesa "O Diário" aborda a intolerância |
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Julio Daio Borges
Editor |
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