Quarta-feira,
23/2/2005
Digestivo nº 215
Julio
Daio Borges
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MÚSICA NAQUELA BASE
A cada ano, para cada explosão carnavalesca, parece haver uma reação forte – e na direção contrária. A programação das escolas de samba vem acompanhada de alternativas, para os que querem literalmente fugir de sua quase onipresença. Neste ano não foi diferente mas a grande bête noire para quem quis suplantar a velha catilinária contra foliões e sambas-enredo, por exemplo, foi a entrevista de José Ramos Tinhorão à revista Nossa História. O já conhecido – e também execrado, irremediavelmente – crítico da bossa nova e de Tom Jobim reapareceu para dizer que o carnaval, como hoje existe, não faz o menor sentido. Pra começar que organizá-lo, em uma Marquês de Sapucaí, é roubar todo o charme de uma festa, desorganizada, que começou na rua. Segundo ele, foi por falta de ter onde, justamente, festejar que o povo invadiu o espaço público. Então, vender esse mesmo espaço público, em forma de abadás ou fantasias, é engabelar o carnavalesco ingênuo, no mínimo, duas vezes. Outra crença que Tinhorão aproveita e já joga por terra é a de que “o samba veio do morro”, como se costuma cantar. Para o homem que acumula o maior arquivo sobre o carnaval de que se tem notícia, em recortes de jornais e revistas, o samba nasceu no centro do Rio e não se fala mais nisso. Tinhorão acrescenta que os carros alegóricos e suas “boazudas”, como descreve, teriam, entre outras funções, a de apresentar as amantes dos poderosos à população. O grande musicólogo, na verdade, não perde a sanha marxista e, para arrematar, afirma que uma sociedade de classes reflete uma cultura de classes – e vice-versa. No fundo, todos queríamos que o carnaval do século XXI mantivesse esse poder de expressão que os especialistas clamam para si. Há muito que, sobretudo no Rio de Janeiro, se converteu num grande business para turista assistir (e investir). Tinhorão continua uma voz dissonante (e interessante) contra a padronização na pesquisa musicológica, mas a presente folia perdeu muito da complexidade que ele ainda quer lhe atribuir.
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Nossa História |
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CONDUZINHO MISS MAGGIE
Existem uns tantos filmes sobre boxe. Clint Eastwood, felizmente, parecia saber disso e, embora as fotos de divulgação indiquem mais um longa sobre lutas e treinamentos, Million Dollar Baby ou Menina de Ouro consegue ser mais e melhor do que uma versão feminina de Rocky, o lutador. Claro que o também grande diretor (talvez até mais que ator) não prescinde, dentro do gênero, de alguns clichês básicos. Apesar da sugestão do homem-chavão, dizendo que as fitas de Clint e de Tom Cruise são todas iguais, nas linhas mestras, o caçador de obviedades livresco parece ter alguma razão. Mais uma vez, o durão que havia quase desistido da vida e perdido a esperança encontra um pupilo, no caso, uma pupila, que, depois de uma certa resistência para conquistá-lo, devolve-lhe o sal da vida e o brilho nos olhos. Do lado da discípula, alguns clichês também. De origem humilde, vinda da província, arrastando uma família com mil problemas, graças ao afinco e à dedicação — e ao talento, lógico — vai galgando degrau a degrau, tanto na confiança do mestre quanto na própria consagração (aqui, como lutadora de boxe). Além da novidade do gênero (mulher-lutadora e não homem-lutador), Clint Eastwood, para seguir na análise técnica e dramática, quebra seu personagem em dois: além de si próprio, convoca Morgan Freeman, para ser uma espécie de "ego-auxiliar" e/ou narrador em off. Clint ou Frankie, na história, ainda lê Yeats e arrisca alguns rudimentos em gaélico. Mas a grande virada, naturalmente, não está nesses pequenos detalhes dentro da trajetória de uma batalhadora — novamente, Hillary Swank, Maggie, la boxeuse. O ineditismo reside no acidente que a mocinha sofre, morrendo na praia, à beira do título mundial, e na reviravolta que isso provoca. Nem é necessário acrescentar que se está falando de paralisia e, mais a fundo, de eutanásia (tema agora na moda). A lição que fica é que, por não ser Clint Eastwood um diretorzinho de meia tigela, podemos desfrutar de emoção na dose certa — sem sentimentalismos e sem forçação de barra. Uma aula que, infelizmente, nem todos os cineastas conseguem assimilar.
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Million Dollar Baby | Clint Eastwood (entrevista) |
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ESCAPING
Pode-se dizer que é recente, no Brasil, a tradição do guitar hero. Ainda na década de 90, David Coverdale – antes de tocar com Steve Vai e Jimmy Page, mas já tendo dividido o palco com Ritchie Blackmore – falou a uma extinta revista roqueira de sua lembrança do Joe Satriani brasileiro. Era Pepeu Gomes, que, em sua apresentação no Rock in Rio I, havia impressionado o frontman britânico. Já Kiko Loureiro não pode se queixar desse tipo de confusão. Dentro e fora do Brasil, onde já foi capa das mais conceituadas publicações do gênero (inclusive em países como França, Itália e Japão), seu nome aparece corretamente ao lado do Angra. É provável que essa história, de consagração, tenha começado lá atrás, com o estouro do Viper no oriente, com a saída de André Matos (então no vocal) e com seu retorno às paradas nipônicas já à frente do Angra. Hoje, sem André, Kiko Loureiro (lead guitar) divide a responsabilidade com Rafael Bittencourt – e aproveita as mudanças gerais na formação para lançar seu primeiro trabalho individual, No Gravity, pela Hellion Records. Se em 1985, Joe Satriani teve seu Surfing with the alien eleito como revelação pela Guitar Player dos EUA, em 2005, o Brasil chega ao mesmo patamar técnico e de gravação. E se nos anos 70, Nelson Motta produziu um dos mais desastrosos e históricos álbuns do rock brasileiro, com os Novos Baianos, atualmente nossos instrumentistas das seis cordas, como Kiko Loureiro, não ficam nada a dever para seus equivalentes no mundo inteiro. No Gravity emula, saudavelmente, além de Satriani, outros melodistas da era da distorção, como Marty Friedman (indo e voltando do Megadeth de Dave Mustaine). O diferencial de Kiko, na verdade, não é reconhecer esse background, evidente à primeira audição, mas apostar, corajosamente, em sonoridades e ritmos brasileiros. Que o digam as faixas, em português, “Pau-de-Arara”, “Desilusão” e “Choro de Criança”. E se a experiência com o Angra desenvolveu nele a couraça de business man, esse vôo solo, como se costuma dizer, remete aos desafios e à energia de um novo começo. Que assim seja.
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No Gravity - Kiko Loureiro - Hellion Records |
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>>> DIGESTIVO EM REVISTA NO MANHATTAN CONNECTION
Mais uma vez, graças à generosidade de Lucas Mendes e Caio Blinder, o Digestivo Cultural e o Editor do site foram citados no programa Manhattan Connection da rede GNT. Foi no último domingo, dia 13 de fevereiro, por conta do suplemento cultural do Digestivo dentro da revista GV-executivo, comandada por Thomaz Wood Jr., da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Caio e Lucas exibiram a revista para seus telespectadores, reafirmaram a admiração do Digestivo em relação ao Manhattan e até chamaram de "gente fina" o Editor do site (!). Em breve, aqui, o vídeo. E em breve, aqui, mais precisamente na seção "Ensaios", um texto de um certo jornalista de sobrenome Blinder...
>>> E O CONSELHEIRO TAMBÉM (RE)PUBLICA NO OBSERVATÓRIO
Também nessa semana que passou, graças ao velho conhecido do Digestivo, Spacca (autor da ilustração acima), e ao editor-chefe, Luiz Egypto, o Observatório da Imprensa, de Alberto Dines, reproduziu o texto "A tal da linha editorial", de Julio Daio Borges, orginalmente publicado aqui na semana imediatamente anterior. O Digestivo agradece a oportunidade e espera ver, lá também, uma análise sobre sua primeira incursão em papel.
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA
>>> Palestras
* A teoria da relatividade na gestão de pessoas - Jimmy Cygler
(Qua., 23/2, 19hrs., VL)
* Qual a importância da arte para a saúde e a vida? - Dra. Nise Yamaguchi e Inês Novoa Jezler
(Sáb., 26/2, 17hrs., VL)
>>> Noites de Autógrafos
* Turnaround Corporativo - Jorge Queiroz
(Seg., 21/2, 18h30., CN)
* Loucuras dos Seriados da TV - Manoel de Souza
(Ter., 22/2, 18h30, VL)
* Sonhar de olhos abertos - Juan Guillermo Droguett
(Qua., 23/2, 18h30., CN)
* Academia dos Campeões - Rolf Mário Treuherz
(Qui., 24/2, 19hrs., VL)
>>> Shows
* Duke Ellington - Traditional Jazz Band
(Sex., 25/2, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Regina Machado
(Dom., 27/2, 18hrs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
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Julio Daio Borges
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