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Sexta-feira, 27/5/2005
Digestivo nº 228

Julio Daio Borges

>>> NEGRO, JUDEU E MANCO DE UMA PERNA Quem nunca foi estagiário? Allan Sieber nunca foi, mas criou uma das melhores tiras sobre, justamente, a vida de um estagiário, Oséias de Souza, seu personagem. Foi na Folha de S. Paulo, no caderno “Folhateen”, em 2000 – mas, agora, quem editou em livro foi a Conrad. Sieber já era nosso conhecido da internet, de Preto no Branco, e, claro, por causa da sua intervenção, famosíssima, em O homem que copiava (2003), de Jorge Furtado. Também pela recente revista F. (aliás, por onde anda?). Sieber não foi estagiário, mas, como seu ídolo Angeli, foi office-boy. Como ninguém sabe quem é mais maltratado, dá praticamente na mesma, soa igual. O seu Oséias é apenas um pobre rapaz, de 17-18 anos, que alimenta o sonho de uma carreira na agência de publicidade em que trabalha. Nem precisa dizer que desde o dono, Seu Almeida, até a atendente voluptuosa, Glorinha, todos têm como esporte predileto pisoteá-lo. E o esporte de Oséias, além de sofrer constantes humilhações, é chorar. Mas sua “diferença” mesmo é com os diretores de arte, sempre de topete, piercing, cabelo roxo, implicando com suas roupas “de mendigo” e até dando-lhe, de vez em quando, um banho de loja, à base de camisetinhas brancas, calças berrantes e sapato de salto... Allan Sieber parece conhecer bem tal realidade. Ela é familiar entre aqueles que cultivam alguma ambição artística no reino das artes gráficas. Como muito dinheiro convergiu para a publicidade, nas últimas décadas, é nas agências que estão os empregos e é ali que vão trabalhar os amadores e os profissionais. À maneira de um alter ego de Sieber, Oséias também desenha nas horas vagas e seus superiores, óbvio, só fazem desestimulá-lo – como é normal. Alguém, inclusive, ameaça de vez em quando: diz que ele até vai chegar a ser alguém mas que, não necessariamente, vai ganhar alguma coisa com a fama... Outra grande sacada do livro é incluir depoimentos de estagiários de todo o Brasil, que se identificaram com as tiras e remeteram suas histórias. Os estagiários não serão, enfim, salvos, mas já estão, definitivamente, vingados.
>>> Vida de Estagiário - Allan Sieber - 104 págs. - Conrad
 
>>> VIDA DE VIAJANTE Nonato Luiz apareceu muito serelepe num daqueles programas de fim de tarde da Globo News empunhando o seu violão. Humilde, apesar da sólida carreira no exterior (talvez até mais sólida do que aqui no Brasil, lamentavelmente), explicava paciencioso, à repórter, sua transposição das composições de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira para as seis cordas – como se fosse um feito banal, quando, na verdade, era genial. Salvo engano, ninguém jamais executou essa proeza – de transpor o baião para o instrumento de João Gilberto (que não é a voz, embora muitos pensem) – com tanta perfeição. Nonato relatava madrugadas insones em que disputava com os mestres, Teixeira e Gonzaga, por causa de sua resistência – não muito óbvia para o ouvinte de primeira viagem – em deitar e rolar na viola (que já foi considerada instrumento de vagabundo...). Mesmo as já tão gravadas, hoje, “Asa Branca”, “Vem Morena” e “Juazeiro” soam, sob nova roupagem, como reluzentes e intrigantes novidades – evidenciando a estatura do baião, um gênero como qualquer outro, apesar dos velhos preconceitos, principalmente por parte da turma da bossa-nova, por causa da sua aparente falta de elaboração. Outras faixas, não tão conhecidas do grande público atual (nem sempre nordestino e versado), como “Fogo Pagô” e “Légua Tirana”, adquirem aquela coloração meditativa e lírica, graças aos tons pastéis, hoje típicos em sétima arte, quando se constroem cenas (estereotipadas?) do sertão. Por último, um certo caráter lúdico e até de marchinha permeiam as interpretações de peças como “Baião de Dois”, “Dono dos Teus Olhos” e “Deus me Perdoe”. A discrição do lançamento, em 2004, se reflete igualmente na presença de nobres convidados, como Dominguinhos, inevitavelmente na sanfona, e Hermínio Bello de Carvalho, assinando o encarte. Nonato Luiz, que realizou um dos grandes álbuns do ano passado, devia deixar de ser besta e aparecer mais, oxe.
>>> Baião Erudito - Nonato Luiz
 
>>> O SENHOR ME EMPRESTA UM LIVRO? Graciliano Ramos, bicho do mato, criado no sertão, era um pessimista nato. Cultivado, na seca do Nordeste. Só dava moleza para beijar as mãos das damas a que era apresentado, já senhor, como nos conta a revista Argumento de meses atrás. Graciliano, chistes à parte, conheceu a verdadeira educação pela pedra, conforme já está dito em Infância e outros livros como Vidas Secas. Fora a biografia de Dênis de Moraes, que é uma das grandes fontes para esse mistério denominado Graciliano Ramos, agora o público infantil – antes não contemplado pela obra, evidentemente, adulta – pode contar com, justamente, A Infância de Graciliano Ramos (editora Callis), de Audálio Dantas. Trata-se de um relato breve, bastante ilustrado (comme il faut), sobre as migrações e privações de Graciliano e sua família, quando era menino e orbitava em torno do estado de Alagoas. Além das privações, mais ou menos conhecidas para quem teve contato, por exemplo, com a cachorra Baleia, ainda há, de mais interessante, uma reconstituição dos anos de formação do leitor Graciliano Ramos. Devorador-mirim de bibliotecas, contista precoce, mostrando sempre que vocação é coisa que se cultiva até no meio da seca, mesmo quando aparentemente falta a luz, o solo e a água da orientação. Foi, aliás, uma das boas almas que o menino Graciliano encontrou, Mário Venâncio, que profeticamente proclamou: “Você vai ser um grande escritor”. Foi. Um dos maiores do século XX, no Brasil. E célebre revisor na era de ouro do Correio da Manhã, onde cortava tudo de que não gostava e só depois mandava avisar. Ah, os copy desks... – tão ridicularizados por Nélson Rodrigues, mas quem não queria ser copidescado pelo autor de São Bernardo? A Infância de Graciliano Ramos não é um volume nem pretensioso nem brilhante, mas já serve para preparar o caminho rumo a esse mestre e inventor.
>>> A Infância de Graciliano Ramos - Audálio Dantas - 32 págs. - Callis
 
>>> E A CONSELHEIRA MINEIRA TAMBÉM É ENTREVISTADA

Leia a entrevista de Ana Elisa Ribeiro, concedida ao escritor Marcelino Freire, na revista "Idiossincrasia" do Portal Literal.

>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA



>>> Palestras
* Administração sem Segredo: sua academia rumo ao sucesso
Marynês Pereira
(Qui., 2/6, 19h30, VL)

>>> Noites de Autógrafos
* Teatro do Corpo Manifesto: Teatro Físico - Lúcia Romano
(Seg., 30/5, 18h30, CN)
* O Livro das mil e uma noites
Mamede Mustafa Jarouche (tradutor)
(Seg., 30/5, 19hs, CN)
* Preconceito Racial em Portugal e no Brasil Colônia
Maria Luiza Tucci Carneiro
(Ter., 31/5, 18h30, CN)
* Investigação Sobre Ariel
Silvio Fiorani
(Qua., 1º/6, 18h30, CN)
* O Consenso Forjado: A grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil - Francisco Fonseca
(Qui., 2/6, 18h30, CN)

>>> Exposições
* Exposição de Asta Gatz Birle
(de 1º a 15 de junho, das 9 às 22 hs., CN)

>>> Shows
* Harmonia & Improvisação: O Modo Maior - Mário Boffa Jr.
(Seg., 30/5, 19h30, VL)
* New York, Broadway, Paris - Traditional Jazz Band
(Sex., 3/6, 20hs., VL)
* Espaço Aberto - Tuca Fernandes e Yaniel Matos
(Dom., 5/6, 18hs., VL)

* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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