Sexta-feira,
1/7/2005
Digestivo nº 233
Julio
Daio Borges
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INTELECTUAIS PRA QUÊ?
Existem algumas maneiras de se projetar no jornalismo e na imprensa. Ocorre que Paulo Francis – um dos últimos jornalistas (senão talvez o último) a conseguir projeção ampla – consagrou, pelo seu exemplo de vida, uma determinada trajetória. E, desde então, muitos vêm tentando emulá-la. Francis, como a maioria sabe, estreou na crítica de teatro. Por meio de um método crítico nem sempre honesto mas bastante franco, despontou nos jornais do Rio, onde foi ocupando cada vez mais espaços. Percebendo ou não, a seguir, que – como sempre no Brasil – as questões mais candentes eram políticas, migrou para esse reino atacando as aparições de Carlos Lacerda na televisão e encontrando o apoio de Samuel Wainer na Última Hora. Segundo confessa o próprio Francis, queria um “palco maior” (do que o do teatro) e foi conquistá-lo. Conquistou. Muitas décadas depois, porém, esse parece ser um dos maiores exemplos a se seguir, de modo que o início na crítica cultural não passa, como aparentemente para Francis, de um trampolim para realizar pretensões outras, obviamente políticas e, às vezes até, hoje, econômicas. E, de fato: ainda que o jornal seja uma mídia falida, segue enorme sua influência nos tempos atuais – e, dentro do próprio, é emblemática a importância que se confere às questões políticas e econômicas. Basta, para isso, comparar a qualidade, a consistência e até o “volume” dos respectivos cadernos. Bem, tendo tudo isso em mente: Reinaldo Azevedo. É um jornalista hábil, é um nome em ascensão, é um exemplo de editor – mas, a leitura de seu Contra o Consenso (Barracuda, 2005), mais uma vez, levanta a validade do modelo “paulo-francisiano”. Reinaldo é conhecido por seus posicionamentos políticos, mas estranhamente abrigou, entre capas, seus pontos de vista culturais (necessidade de legitimação?). Escreve bem, é culto e corajoso – não há dúvida, mas por que ressuscitar Paulo Francis, ou os passos de Francis, a esta altura? Deve haver uma razão – e acompanhar o brilho de sua opinião, nos próximos anos, será, além de um exercício instigante, a oportunidade de confirmar (ou não) a força do fantasma de Franz Paul Trannin da Matta Heilborn. Botocudo? Chato pra chuchu? Pfui? Só o vento sabe a resposta.
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Contra o Consenso - Reinaldo Azevedo - 256 págs. - Barracuda |
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MAESTRO
O reconhecimento artístico ou vem tarde, no Brasil, ou não vem nunca. Tom Jobim reclamava, no fim da vida, de ser – parafraseando Nélson Rodrigues? – o síndico de si mesmo: “Tudo, eu. É tudo comigo. Desde o pneu furado até as crianças na escola...” E, uma vez no Roda Viva, agradeceu Jorge Amado por haver publicamente defendido ele, Tom Jobim, em Navegação de Cabotagem. Quando um dos entrevistadores indagou: “Ora, mas precisava?”... Talvez por isso Tom Jobim dissesse, na frase clássica, que o Brasil não é pra principiantes. Moacir Santos diria o mesmo; ou pior. Esperou quase 80 anos (cumpridos em 2003) para ver suas “Coisas” relançadas – em Ouro Negro (de 2001); e esperou mais de 80 anos (agora em 2005), para ver suas “Coisas” executadas comme il faut – ça veut dire que: com a mesma orquestra e com o mesmo cuidado de Ouro Negro. Como? Reunindo toda a turma de novo e gravando, no Sesc Pinheiros, em maio, um DVD, com as participações de João Bosco, Ed Motta e Djavan. Foram apenas umas poucas noites; mas de muita emoção. Todos tocaram impecavelmente regidos pelos idealizadores (do CD e do show): Mario Adnet, no violão, e Zé Nogueira, ao sax-soprano. Brilharam, além desses, Teco Cardoso, endemoniado no sax-barítono (que inclusive foi de Moacir Santos), Marcos Nimrichter, que abriu o espetáculo com a “Coisa nº 2” ao piano (depois assumiu o teclado); Cristóvão Bastos, no mesmo instrumento; Andréa Ernest Dias, na flauta; Ricardo Silveira, na guitarra – e seria injusto (se não fosse apenas questão de espaço) não mencionar todos os outros. Embora gatos escaldados (cansados de guerra no mercado da música), emprestaram seu brilho à apresentação (como raramente acontece com músicos profissionais). Tanto que Moacir Santos, quando entrou de surpresa – e foi aplaudido de pé pela assistência –, pegou o microfone e apenas balbuciou: “Não tenho palavras”. Era o reconhecimento. Ele podia ter morrido antes. Quantos sobreviveram até tal?
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Portal SESC SP |
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DUBLINENSES
A Flip parece que consagrou, pelo menos para o mainstream, a conversa com escritores. E a Casa do Saber, que aparentemente se norteia pelo mesmo princípio, tem oferecido propostas nesse sentido. Um exemplo foi – meses antes do boom (da Casa) – o bate-papo com Cíntia Moscovich, hoje uma das nossas maiores escritoras. E outro foi, em maio último, o evento sobre Henry James com Colm Tóibín, aproveitando sua presença na Bienal do Rio, quando lá lançava O Mestre – relato entre biográfico e romanceado sobre o grande escritor americano, pela Companhia das Letras. Tóibín, por coincidência, era conhecido da Flip 2004. Lá, revelou-se um simpático nato, circulando por Parati em seus chinelinhos negros (de pés extremamente brancos), e distribuindo sabonetes de limão, arrancados de uma loja de dentro do Ulisses de Joyce, que ainda os comercializa em Dublin. Na ocasião, Tóibín leu praticamente um capítulo do Penguin Book of Irish Fiction, de sua autoria, claro – e convenceu até os mais céticos a visitar Leopold e Molly Bloom, com a ajuda da excelente dramatização de Regina Braga. Já na Casa do Saber, passeou pela casa de seus próprios pais na juventude, depois de uma reforma, enumerando cada detalhe – pois aquele cenário foi justamente palco de seu primeiro encontro, como leitor, com Henry James, em The Portrait of a Lady. E do mote autobiográfico pulou, como num passe de mágica, para as questões técnicas do romance. Relatou sua estada na biblioteca pública de Nova York até seu contato com a aristocracia russa (era necessário, pois James foi um aristocrata). Esmiuçou as relações entre Henry e seu irmão, William James; e entre Henry e seu pai – homem de muitas palavras, mas escritor de parcas realizações. Lembrou, divertido, dos dias em que acordava e – percorrendo os 5 anos em que transcorre o romance – se perguntava curioso: “O que Henry James fez hoje? O que pensou? O que registrou?”. Colm Tóibín encantou os circunstantes. Um dos sócios da Casa saiu comentando: “É um ator! É um ator!”... Que quase nenhum escritor brasileiro consiga a proeza de ser profundo e simpático ao mesmo tempo, todos já sabemos – mas que podemos contar com a Casa do Saber e com a Companhia das Letras para servir de entreposto (redentor), entre uma decepção e outra (como nossos autores), ficamos sabendo agora.
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Casa do Saber |
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>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA
>>> Palestras
* Inflation targeting, debt and the brazilian experience, 1999 to 2003
Francesco Giavazzi, Santiago Herrera e Ilan Goldfajn
(Ter., 5/7, 19hs., VL)
>>> Exposições
* Exposição de João di Souza
(de 4 a 18 de julho, das 9 às 22 hs., CN)
>>> Shows
* Espaço Aberto - Fernando Forni
(Dom., 10/7, 20hs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
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Julio Daio Borges
Editor |
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