Sexta-feira,
15/7/2005
Digestivo nº 235
Julio
Daio Borges
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PARTITA
E Woody Allen fez sua tentativa de Closer, de Mike Nichols. É o que se pode depreender de Melinda e Melinda, seu novo longa em cartaz nas salas. Nele, Woody Allen mistura uma tradição sua perdida, de querer ser Bergman, com o atual gênero pastelão ao qual tem se apegado com unhas e dentes. Claro que a mistura soa insólita e implausível, e é, e o filme, antes de ser um Frankstein impraticável, é divertido. Parece que, de agora em diante, além do mais puro entretenimento, nosso destino será peneirar, dele, algumas gags, poucas excelentes frases de efeito, contribuindo para o que poderia ser um Groucho Marx ralo ou então um Woody Allen liquefeito mesmo. De Closer, Melinda e Melinda tem a troca frenética de casais, o romance casual que aparece em toda parte (principalmente na rua) e que obriga as personagens (meio insípidas) a romper com relações de anos em prol da “paixão”. Também a agredir verbalmente, ou humilhar, o (ex-)parceiro ou a (ex-)parceira. Será uma moda em Hollywood? De Woody Allen, Melinda tem as citações quase eruditas (não cola muito atores com cara de seriado da Sony executando Bach ou mencionando Mahler), o cuidado estético de sempre e a filosofice existencialista autodepreciativa, mais notadamente no protagonista, que é o anti-herói típico do diretor nova-iorquino (que o próprio, aliás, encarna). A impressão, para quem já viu um número razoável de produções do mesmo autor, é que Woody Allen dispõe de algumas peças, de certas situações e de saídas geralmente boas, para combinar e recombinar enquanto filmar. Está com mais de 60 anos e embarcou no ritmo frenético de desovar um longa por ano. Suas obras-primas, de outras décadas, estão aí, não há mais o que esperar. Pagaremos apenas nosso tributo anual para que ele se sinta vivo e atuante. E é só.
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Melinda and Melinda | Woody Allen (entrevista) |
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MEDUSADO
Mais do que analfabeto plástico, o brasileiro é analfabeto sólido, líquido e gasoso. Então, é louvável que se monte uma retrospectiva tão consistente de um escultor como a que se montou de Henry Moore na Pinacoteca do Estado. Para começar que, tirando Rodin, no Brasil ninguém sabe citar um escultor (e não um pintor e não um “instalador”) de memória. Nem brasileiro; nem Brecheret nem nada. Assim, é quase uma missão civilizatória trazer as obras de Moore e dispô-las didaticamente e, ao mesmo tempo, de maneira tão inteligente num espaço que é, apesar de distante e de acesso complicado, sobretudo agradável. A exposição soube, com muito bom gosto, combinar os trabalhos com observações do próprio realizador sobre esses mesmos trabalhos – esclarecendo técnicas, fomentando pontos de vista, justificado guinadas e posições estéticas em geral. Isso num passo suave e sugestivamente cronológico (como seria de se esperar de uma retrospectiva, aliás – mas que quase nunca é o caso...). Apesar de toda a abstração e da apreensão nem sempre imediata das peças enormes do escultor britânico, o visitante poderia sair de lá com melhores noções e até algum conhecimento do que se fez a respeito durante o século XX (Moore nasceu em 1898 e morreu em 1986). Os temas principais do artista estavam presentes, é óbvio. Desde a relação inesgotável entre mãe e filho até a sua obsessão pessoal com figuras de pessoas reclinadas, cuja inspiração lhe veio no metrô abarrotado de refugiados das bombas durante a Segunda Guerra. Passando pelas maquetes (e pelos desenhos) de projetos em elaboração e de pequenos objetos ou formas que ele coletava da natureza e que lhe serviam de guia para produzir volumes cada vez mais vivos e orgânicos. Suas fotos, e de seu ateliê, mostravam um homem surpreendentemente organizado e com aparência “em ordem” – ao contrário da imagem de artista que se quis perpetrar, e em que se quis acreditar, de uns tempos pra cá. E do mesmo jeito que Moore se revela, em sua vida, um homem não muito diferente de nós, a arte moderna, através de sua criação (e dessa retrospectiva ótima), se revela algo a nós não tão completamente estranho.
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Pinacoteca do Estado | Henry Moore |
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VISÕES FUGITIVAS
Tradição de pai pra filho parece algum modismo perdido a partir do século XIX, ou antes, ou depois. Mas, contra todas as evidências, ainda ocorre. Estamos falando de Stephan Barratt-Due, que dirigiu sua Oslo Camerata em São Paulo, em maio, no Teatro Alfa, pela Temporada 2005 do Mozarteum Brasileiro. Barratt-Due, aliás, herdou a tradição do violino não apenas de seu pai, mas também de seu avô, obviamente na Noruega. Desde a mais tenra idade, estudou e se destacou a ponto de hoje, na vida adulta, ser um dos mais notáveis músicos da história de seu país, merecendo reconhecimento público de chefes de estado e, inclusive, a permissão (e o apoio, lógico) para realizar um sonho: montar, dirigir e consolidar uma orquestra norueguesa de cordas; outro feito, seu, histórico. Entre as ambições desse ensemble, além do reconhecimento internacional que já conseguiu, graças a solistas como Soon-Mi Chung (incorporada à Oslo Camerata), está, por exemplo, a de gravar as integrais de Edvard Grieg (projeto já em andamento e com previsão de conclusão nos próximos anos). Pois o público de São Paulo pôde experimentar um gostinho do que será isso, pela inclusão da Suíte Holberg, magistralmente executada, no programa. Como é praxe (ou quase), a apresentação foi aberta com o classicismo, pela presença de um Divertimento para cordas, impecavelmente conduzido, de Mozart. À medida, porém, que a noite avançava, íamos penetrando na contemporaneidade e no século XX. Lachrymae, de Benjamin Britten, ainda preservou aquela sensação de harmonia e de enxergar as coisas no lugar. Já o anteriormente mencionado Grieg foi rompendo com isso e, depois do intervalo, Prokofiev e Bartók, na liberdade atonal e das formas, permitiram vôos dos intérpretes, naquele dia, altamente inspirados. Tanto que, mais do que freqüentemente acontece, o público fez questão de se amotinar nas primeiras cadeiras e acompanhar de perto cada nuance, cada detalhe, cada olhar do maestro (ainda que isso incorresse em mergulhar debaixo da saia da senhora Chung). Foi a possibilidade, quase sempre inédita, de se transportar para o norte de Europa, para a cultura das mais avançadas nações.
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Mozarteum Brasileiro | Oslo Camerata |
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(Sex., 22/7, 20hs., VL)
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(Dom., 24/7, 18hs., VL)
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** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
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Julio Daio Borges
Editor |
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