Sexta-feira,
30/9/2005
Digestivo nº 246
Julio
Daio Borges
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ARS LONGA, VITA BREVIS
Desde algum tempo, existe um esforço concentrado, no sentido da aceitação social, por parte de Zezé di Camargo & Luciano. Desde a filha que pegou o vácuo da dupla Sandy & Júnior (quando ela ainda existia) até o filme recentemente lançado, 2 Filhos de Francisco. No meio tempo, por exemplo, reclamaram no JT que tocavam "música jovem" e que não estavam na MTV — no ano seguinte, concorriam ao MTV Awards do Brasil, o VMB. Em geral, não há nada que não consigam: a única batalha perdida foi a da pirataria (perdida para todo mundo, não apenas para eles). Sobre o filme, em específico, de repente, durante a divulgação, pareceu que buscaram o apoio de Caetano Veloso — mas este, já tão combalido, e desacreditado, antecipou, na própria entrevista de lançamento, os ataques a si, denominando-se "vampiro" e "urubu" (claro, da glória alheia). O fato é que 2 Filhos de Francisco fala por si, e não precisava nem de Caetano, nem de Bethânia. É uma história definitivamente louvável, de lutas e de vitórias, como outras poucas no Brasil. Além de plasticamente interessante, com boas atuações de Ângelo Antônio e José Dumont, é um raro "programa família", no sentido de não apelar, como quase tudo hoje, para o binômio sexo & violência. Mas os elogios param por aí — ao contrário das loas, incondicionais, de "gente de cinema" como Arnaldo Jabor. (Os polemistas sofrem tanto por serem, inescapavelmente, passionais que: ou aderem incondicionalmente ou refugam totalmente — ficando sem uma terceira opção.) O que queremos dizer é que o filme não é "cinema", no sentido de sétima arte; e que suas canções não são "grande arte", no sentido de grande música. O problema dos artistas populares (e populistas) no Brasil (e talvez no mundo) é almejar uma consagração que transcende o número — e que não tem nada a ver com vendagem ou com o clamor do povo. Nessa direção, identificamos, por exemplo, a iniciativa de Paulo Coelho, ao ingressar na ABL (o que não fará dele mais escritor); e identificamos, até, as iniciativas de outros compositores populares, que se lançam igualmente na escrita, ambicionando, inutilmente, uma carreira de "romancista", de "intelectual", de "autor". Por mais que se combata a crítica, ela é a única que pode conferir, a esses e a outros aspirantes, alguma chancela de eternidade. Por enquanto (e por um bom tempo), não adianta misturar vida e obra (a vida, por melhor que seja, não melhora a obra).
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2 Filhos de Francisco |
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O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (CRU)
Marcos Pinheiro, um vegetariano convicto, aderiu por dois anos ao raw food e, de repente, não tinha mais onde comer em São Paulo. Raw food, do equivalente em inglês para a expressão “comida crua”, corresponde a um tipo de gastronomia de vanguarda, onde, além dos ingredientes naturais, nada pode ser cozinhado acima de 42 ºC. Pinheiro fundou então, com outros sócios, o Deloonix. O apelo da “comida crua” é, por si só, de uma curiosidade instigante: afinal, em que outro lugar se pode experimentar uma lasanha com massa de abobrinha e queijo de castanha de caju? Ou um risoto de cogumelos selvagens? Ou ainda sobremesas como o creme brulée de mel com infusão de hortelã? Mesmo assim, o Deloonix, afora o ambiente agradabilíssimo na Bela Cintra (onde nenhuma planta foi tocada e a estrutura da antiga casa foi preservada), incrementa o seu cardápio com frutos do mar, como o envolto de robalo ao perfume de sálvia, a garoupa com farofa e banana da terra, e as lulas grelhadas com purê de couve-flor e maçã verde. Agora, nada supera a experiência de comer um prato em que a flor não é decorativa (mas parte da degustação); onde morder um “arranjo” depois de tê-lo segurado com a mão (e não com o garfo e a faca) é sinônimo de boa educação; e onde a torrada pode ser de linhaça e a manteiga pode ser de manga sem que isso provoque qualquer suspeita, estranhamento ou aversão. E o Deloonix quer ser, mais que um restaurante, um espaço de bem-estar, de prazer e de idéias interessantes. Hoje a ex-cozinheira particular de Marcos Pinheiro é parte da equipe do Deloonix. Ainda bem que, um dia, ele se converteu ao raw food.
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Deloonix |
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A VERDADE CRISTALINA E AS BOLAS DE CRISTAL
Richard Dawkins é aquele sujeito apocalíptico que apareceu em algumas revistas combatendo, como ninguém, a religião. Pelo menos, foi assim que o divulgaram para o lançamento, no Brasil, de O Capelão do Diabo (Cia. das Letras). Richard Dawkins é igualmente autor de O Gene Egoísta (1976), livro fundador, dentre outras, da teoria de “meme” (a informação que tem vida própria e que se propaga independentemente da nossa vontade – como o tal gene). Dawkins é, na verdade, um dos mais reputados zoologistas vivos: inglês, descendente direto de Darwin (na linha de pensamento), disputando a primazia com o já falecido norte-americano Stephen Jay Gould, também na divulgação científica (que o fez conhecido por suas posições polêmicas). Dawkins, para simplificar, acha que a religião é um “vírus”, no sentido de que pode infectar a mente de uma criança para sempre, limitando o alcance de suas idéias – pois, segundo ele, uma mente religiosa seria naturalmente resistente a determinados conceitos. Dawkins, no fundo, está cansado de ter passado a vida “debatendo” com criacionistas (aqueles que acreditam em Adão&Eva, por exemplo) e, antes da defesa, parte para o ataque: em qualquer discussão ética sobre, por exemplo, clonagem ou células-tronco, acha que os religiosos nem devem ser convocados – porque representam, quase sempre, a voz do atraso e porque, principalmente, não entendem nada de ciência. Para ele, a ciência já é tão complicada – bela, milagrosa, misteriosa... –, pra quê religião? Escreveu uma carta para a filha, onde justifica ter tentado mantê-la longe da influência perniciosa... da religião. (Não queria que seu tenro cérebro fosse infectado.) Tinha razão? Não tinha razão? Fora o fanatismo (anti-religioso), o livro parece longo demais e um pouco desconjuntado, para servir de introdução ao pensamento do autor (embora seja de ensaios). Biólogos de alcance interdisciplinar, como ele, Steven Pinker e António Damásio, são hoje a vanguarda das idéias com algum potencial “filosófico” – digamos assim –, mas carecem ainda de sistematização ou continuarão apenas instigantes (e só).
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O Capelão do Diabo - Richard Dawkins - 464 págs. - Cia. das Letras |
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>>> O CONSELHEIRO AINDA PUBLICA NA GV-EXECUTIVO
Confira, nas bancas, a nova edição da revista GV-executivo, com chamada de capa para artigo inédito de Julio Daio Borges.
>>> E OS CONSELHEIROS SÃO, NOVAMENTE, ESTUDADOS...
Mais um estudo sobre o Digestivo Cultural como modelo de revista eletrônica: desta vez, de autoria de Fabiano de Sousa Caruso, aluno do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina.
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA
>>> Noites de Autógrafos
* O Brasil e a Economia Internacional - Paulo Nogueira Batista Jr.
(Seg., 3/10, 18h30, CN)
* A Humanidade e suas fronteiras - Eduardo Felipe P. Matias
(Ter., 4/10, 18h30, CN)
* Direito das Telecomunicações - Eduardo Augusto de Oliveira Ramires
(Ter., 4/10, 18h30., CN)
* ICMS no Comércio Eletrônico - Guilherme Cezaroti
(Qua., 5/10, 18h30, CN)
* Habite-se - Fernando Moreira Salles
(Qui., 6/10, 19h00, CN)
>>> Shows
* Concerto - Quarteto Tau
(Seg., 3/10, 20hs., VL)
* New Orleans - Traditional Jazz Band
(Sex., 7/10, 20hs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
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Julio Daio Borges
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