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Sexta-feira, 30/12/2005
Digestivo nº 259

Julio Daio Borges

>>> DESATRAVESSANDO O OCEANO Revistas chiques para assuntos chiques – ou pseudochiques –, nós temos de sobra. Um povo querendo ser elite, mas fatalmente destinado... ao consumo de massa. É o que se vê, por aí, nas bancas de jornal. E nas publicações culturais, em especial. Talvez tenhamos fracassado em tentar alcançar a Europa. Talvez aqui esteja a resposta. Pois, como diria José Ramos Tinhorão – a bête noire da bossa nova –, não existe cultura senão a popular... Raiz, uma nova revista, parece conhecer essa máxima. É fina, inteira de papel couché, com a mão editorial de Wagner Carelli e a assinatura gráfica de Noris Lima. Você já viu esses nomes antes: na Bravo. Mas Raiz não veta a televisão ou boicota a MPB, como nos primórdios da editora D’Avila. Raiz quer mostrar o Brasil que brasileiro nenhum – daqui – conhece. Deu sua primeira capa, de novembro passado, ao maracatu de mestre Salustiano do Pernambuco. Saudou, nas páginas internas, Gilberto Gil – pelo viés do software livre (Gil erra no varejo mas acerta no atacado?). Preparou um dossiê sobre a rabeca (e não sobre o violino); continuou Chico Science através do novo da Nação Zumbi; convidou Hermano Vianna para auxiliar a quem quer compreender o funk carioca. Mergulhou na cachaça e no seu fabrico; deu testemunho – fotográfico – do campeiro gaúcho; encerrou com o próximo documentário de Eduardo Coutinho. A editora Cultura em Ação, que edita a Raiz, trabalhou bastante nesse primeiro número. O que teria dito, se tivesse folheado, José Ramos Tinhorão? Afinal, Raiz promete polêmicos pontos de vista com Olavo de Carvalho e Sérgio Augusto. Caberá a Riccardo Gambarotto, editor-chefe, segurar as rédeas e não deixar que a tradição ensaística se dilua como se diluiu... na publicação, hoje, (sob gestão) da editora Abril. Raiz tem um gigante adormecido para despertar. E como dizem os franceses, que nos homenageiam, está no bom caminho.
>>> Revista Raiz
 
>>> EU ESTAVA NU E NÃO SABIA Patrícia Palumbo, que é a papisa da MPB no rádio em São Paulo, deixou escapar, no ar, que era “estranho”. De fato, Chico César parece não ter sobrevivido ao mainstream. Será que um dia vamos saber se fez bem ou mal (a ele) ter estourado com Daniela Mercury e “Mama África”? Depois de sumir, soubemos que Chico César dava, aos mais jovens, impulso. Como a Vanessa da Mata (outra vítima da consagração em horário nobre?). No meio, declarou: Respeitem meus cabelos, brancos (2002). Respeitamos. Agora, aparentemente, ensaia uma nova ascensão. Pela Biscoito Fino – indiscutivelmente, hoje, a gravadora de MPB. (Quem tem Chico Buarque, tem tudo.) De uns tempos pra cá (2005), título irrepreensível, mesmo assim, estranhou Palumbo. Chico César parece que andou ouvindo muito Villa-Lobos, deve ser isso. Nada daquelas melodiazinhas, de fácil assobio. No lugar: acordes soturnos, cordas na contramão, arranjos à la Guinga (?!). “Os móveis, a geladeira/ O fogão, a enceradeira/ A pia, o rodo, a pá/ Coisas que eu quis comprar/ Deu vontade de vender/ E ficar só com você”, versifica na faixa-título. Não tão estranha está “Cálice”, de Gil e do mesmo Chico (acima), que dá bem a medida da mensagem desse CD – áspera. Já estranhíssima, com o Quinteto da Paraíba, uma versão de “Autumn Leaves” – “Outono aqui” –, o clássico de Johnny Mercer. Quem sabe, esse De uns tempos pra cá seja mais para quebrar a cabeça mesmo. E a Patrícia acertou. Conforme indica “A Nível de”, João Bosco/ Aldir Blanc, e a eletrônica – sim, eletrônica – “Orangotanga” (que, pelo título, evoca os fonemas repetitivos de Zeca Baleiro). “Ja, Ja, Jawohl, Mein Herr” é um dos refrões. Muitas texturas, quem diria, para esconder o que Chico César domina como pouca gente... as canções pungentes. Patrícia Palumbo deveria ouvir “Por que você não vem morar comigo?”. É um hit. E o autor de “À Primeira Vista” voltou ao começo.
>>> De uns tempos pra cá - Chico César - Biscoito Fino
 
>>> L.S.D.EUS Yuri Vieira Santos, Yuri V. Santos ou simplesmente Yuri Vieira é uma dessas vozes inquietas e inquietantes da internet brasileira. Atualmente pode ser descoberto através de seu podcast, O Garganta de Fogo, em que – aproveitando o formato – recicla-se e recicla velhos trabalhos. O site de Yuri é meio berrante em termos de cores, de modo que não convida o internauta a visitas muito longas. Do mesmo jeito, seu livro, A Tragicomédia Acadêmica, de um azul royal meio esverdeado, recheado de bons contos, resumindo um pouco do espírito de cada faculdade por que passou... Yuri se matriculou em mais de quatro, dedicou sete anos à academia mas não se formou. Foi morar com Hilda Hilst, a “mestra” que não teve, segundo suas palavras, na Casa do Sol. Lá, conheceu gente como Bruno Tolentino e estabeleceu ligações, para contatos futuros, com unanimidades como Lygia Fagundes Telles. O irônico de uma existência agitada, que começou em São Paulo, pousou no Equador, escalou vulcões em erupção, transferiu-se para Goiânia e fixou raízes em Brasília – tudo isso antes de Campinas e de Hilda –, é que Yuri parece não ter encontrado, ainda, a resposta. “Tenho 33 anos e não sei ainda o que vou ser quando crescer”, profetizou num evento cultural em outubro... Enquanto a noite não vem, o dia não chega ou a vida não acontece, Yuri posta suas idéias no Karaloka. Ex-webmaster de Hilda Hilst, dividiu sua produção em várias frentes e tem narrativas tão variadas quanto: uma passagem traumática pela Boca do Lixo, um diálogo insólito com um amigo paranóico e até uma sessão peculiaríssima ao lado de Tolentino e dos cachorros de Hilst. (Disso, Yuri sonorizou alguma coisa.) Vieira ou Vieira Santos põe fé que, de si, o mundo um dia ouvirá falar. Ao mundo – Yuri –, às vezes faltam ouvidos de escutar. Mas, com a internet, a sorte está lançada.
>>> Karaloka | O Garganta de Fogo | A Tragicomédia Acadêmica
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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