Sexta-feira,
20/1/2006
Digestivo nº 262
Julio
Daio Borges
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LONG HAIRED CHILD
Envolto numa aura de mistério quase até o final do ano passado, Devendra Banhart só podia ser encontrado – em português – no universo dos podcasts. Guilherme Werneck foi o primeiro; seguido, em Portugal, por Edgard Costa. Só, muito depois, veio o Estadão (com uma daquelas matérias “de divulgação”, feito release, bem mastigadinhas...). A primeira audição do cantor e compositor provoca uma estranheza ímpar. Afinal, Devendra tem uma voz envolvente (isso ainda existe?), canta em vários idiomas com desenvoltura e liquefaz gêneros sem que possamos identificar suas fontes de inspiração. Seu único defeito – grave – é gostar demais de Caetano Veloso. Mas, por Cripple Crow, lançado nos Estados Unidos no ano passado, está perdoado. Como sabe qualquer vendedor de discos no Tio Sam (isso ainda existe?), Devendra Banhart se situa numa faixa perdida entre os anos 60 e 70. Veio da mesma espaçonave através da qual desembarcaram, no começo – quando ainda eram bons –, Lenny Kravitz (Let Love Rule, 1989) e Black Crowes (Shake Your Money Maker, 1990). Outra referência, talvez possível, seja o poliglota Manu Chao – mas Devendra não é nem tão chato, nem tão enjoativo a longo prazo. Nem tão pop (espera-se). Reza a lenda que ele viveu na Venezuela e que andava meio perdido, com seu violão, pelas ruas de São Francisco, quando foi “descoberto” por uma gravadora (isso ainda existe?). O pessoal da YGR, que o lançou, trata-o com reverência e considera-o – isso ainda existe? – um artista. (Eu sei que você não acredita, mas vai acreditar quando escutar.) Devendra Banhart é quase ingênuo em expor-se tanto em seus álbuns. Seus discos “transpiram”. São relíquias de um tempo pré-majors do disco... Que ele pule então esse capítulo; saltando logo para o iTunes. E que cure, no processo, o autor de "Leãozinho".
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Devendra Banhart |
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METAFILOSOFIA E FICÇÃO
O que esperar da autobiografia de um filósofo? Tirando Santo Agostinho, que inaugurou o gênero – e ainda de lambuja “inventou” a psicologia – com suas Confissões, e Bertrand Russell, com sua alentada obra homônima em três volumes, ninguém sabe o que esperar de uma biografia filosófica. Mas ela floresceu, como gênero, justamente... no século da biografia, o XX. (A moda de falar de si não começou na internet.) O fato é que, recentemente, Colin McGinn arriscou-se na aventura, com A construção de um filósofo, pela Record, em 2005. Os títulos dos capítulos são inspiradores, abordando, por exemplo, a intimidante filosofia da linguagem de Wittgenstein, e outros temas tão ou mais elevados. A quarta capa ostenta o elogio de Stephen (deve ser “Steven”) Pinker e o apoio do – depois vamos saber – “amigo” Oliver Sacks. E, realmente, McGinn começa bem, revelando seus dilemas entre a psicologia e a filosofia, explorando sua relação tensa com Oxford e transformando argumentos cabeludos, como o da existência do mundo exterior, em palavras simples, fáceis de processar. Acontece, porém, que a vida pessoal de McGinn é muito árida em termos de relacionamentos e, por mais que nos interessemos por filosofia, ficamos esperando de aconteça alguma coisa. Logo nas primeiras páginas, ele deixa sugerida a sua homossexualidade, mas... mesmo assim... Parece que para compensar, no final, McGinn cai na frivolidade e precisa falar – embora não haja nenhum interesse filosófico nisso – que conheceu, numa festa, Brad Pitt e sua então esposa Jennifer Aniston. O que há de instigante, numa existência filosófica, provavelmente está lá, mas Colin McGinn podia ter falado mais de si e, ao mesmo tempo, nos poupado de seu momento Contigo.
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A construção de um filósofo - Colin McGinn - 266 págs. - Record |
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O CONSELHEIRO TAMBÉM COME FAST-FOOD
O hambúrguer sobreviveu a Super Size Me, o documentário de Morgan Spurlock? Parece que não incólume. O McDonald’s, principal alvo do documentarista norte-americano, diz que não, que nada mudou, mas lançou logo um cardápio de saladas e divulgou a tão exigida tabela de calorias nas lojas. Algumas andaram fechando, por exemplo, em São Paulo e algumas outras – do Burger King – andaram abrindo. (Na Itália, o Mac perdeu a guerra para uma... padaria.) É antiga a disputa entre as duas cadeias de sanduíche, nos Estados Unidos, por menos calorias e por uma dieta mais saudável. Saudável? Já por estas bandas, Sergio Arno, o chef que virou franquia, andou colocando sua assinatura no General Prime Burger. Não deixa de ser hambúrguer, mas entra na categoria “luxo” – pelo exotismo e só. Ou nem isso: qualquer coisa que queria ser tendência hoje em dia, no Brasil, deixa de lado a – outrora na moda – palavra “trend” e adota rapidamente o termo “prime”. Já reparou? “All you need is love”... (A propaganda: no rádio e na televisão.) Mas... na contracorrente do sanduíche de mainstream, está o (ou “a”) Engenharia do Hambúrguer. O nome assusta um pouco. O que pensar? Cheeseburger com ISO 9000? Alfaces recolhidas, para o cheese-salada, na base da ISO 14000, a certificação ambiental? Fordismo? Taylorismo? Linha de montagem de sanduíches? Nada disso. Apenas uma lanchonete singela, como nos velhos tempos, no bairro do Campo Belo. Lembrando, talvez – antes da consagração –, a incipiente rede Stop Dog (que de “dog” não tinha nada), nos anos 90. Ou o Chicohamburguer, na avenida Ibirapuera, nos anos 80 e antes. A Engenharia do Hambúrguer está lá, low-profile. O dono deve ser engenheiro... Soa como uma boa justificativa. Que o engenheiro hamburguês, então, mantenha a mesma discrição, acertando no marketing tanto quanto acerta no nome da hamburgueria.
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Engenharia do Hambúrguer - Rua Pascal, nº 968 - Campo Belo - Tel. 5042-0307 |
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Julio Daio Borges
Editor |
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