Sexta-feira,
3/3/2006
Digestivo nº 268
Julio
Daio Borges
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ACHTUNG BABY
Os shows do U2 e dos Rolling Stones, no Brasil, não tiveram outra importância senão a de evocar a nostalgia do rock de arena. A obsessão por estádios cada vez maiores, e por recordes no Guinness Book, chegou oficialmente aqui com o Rock in Rio I, em 1985. Segundo Mauro Dias, foi quando a crítica musical depôs formalmente as armas – desde então ajoelhada que está no altar das não sei quantas toneladas de som... Dali por diante, o fundamental, mais que a qualidade, era fazer número. Foi o que a imprensa fez agora com U2 e Rolling Stones. Musicalmente – no atual cenário – as duas bandas não têm a menor relevância, mas foram propagandeadas como um “grande acontecimento” (comportamental). Na verdade, uma comoção forjada pela decadente mídia de massas. Com direito a cadernos culturais inteiros, dias seguidos, e até chamada de capa nas manchetes dos jornais (!). É o caso de – indiscretamente – se perguntar: Accioly, diz aí, quanto custou? Riu por último ele, que encampou, sozinho, essa farsa... É por isso que quando encontramos jornalistas, eles olham pra baixo – afinal, que orgulho sobreviveria à humilhação de vender assim pautas sucessivas, e opiniões vergonhosamente favoráveis de um espetáculo, digamos, moribundo? Depois dessa, de que adianta Bono Vox vir pedir pela fome (ou pela dívida) e Mick Jagger, pelo meio-ambiente? Não perceberam – pela sua passagem – que todo establishment noticioso, daqui, está corrompido? Ou será que realmente acham que, no País, eram notícia??? Quem não percebeu tamanha armação é de uma ingenuidade política que nem merece consideração. Então, em vez de ficar pedindo para salvar o mundo, deveria mesmo é cantar seus roquinhos para teenagers ou mentalmente equivalentes... O tempo das grandes gravadoras já passou. E a mídia de massa vai sucumbindo no mesmo compasso. Se o rock tiver de ser sacrificado, que o seja então.
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U2-Rolling Stones |
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O ESTRANHO HOMEM PURO
Antonio Maria está na moda. Com Danuza Leão. Agora parece que todo mundo está na moda, com Danuza Leão. Mas a própria Danuza – foram lhe perguntar – respondeu que queria ser a Gisele Bündchen, por um dia. O fato é que Antonio Maria foi relançado em perfil, que passa hoje por biografia (é também moda agora), saindo da Relume Dumará e partindo para a editora Objetiva. Um homem chamado Maria – é um belo título novo. Mas quem quiser ler Maria, o próprio, e não Danuza Leão, nem Joaquim Ferreira dos Santos e nem, muito menos, Ivan Lessa, vai ter de recorrer à editora Record. Foi ela quem lançou duas coletâneas de Maria há quase quatro anos e que, ultimamente, lançou mais uma, de humor. Maria – voltando à Danuza – ficou famoso por seus amores, mas é um cronista e tanto (também trabalhou). Frasista, idem – embora ocasional. Figura folclórica, acima de tudo. Seja feliz e faça os outros felizes, com organização de – claro – Joaquim Ferreira dos Santos, guarda toda a inventividade de Maria. Fazia ficção em cima de qualquer bobagem, como bem notou Paulo Francis. Daí talvez Ivan Lessa puxou sua imaginação que, na quarta capa de Garotos da Fuzarca, o mesmo Francis elogiaria depois. É o melhor livro de literatura brasileira, segundo Diogo Mainardi (Garotos da Fuzarca). Antonio Maria – voltando – era muito querido na noite do Rio, ainda que seja o pai do “ninguém me ama, ninguém me quer...”. Seus melhores momentos, porém, não são os da diplomacia. São, por exemplo, aqueles em que criava figuras como a do Adamastor. Adamastor via no Carnaval a expansão do mau gosto nacional; via no hotel seu último refúgio; e, de São Paulo, tinha verdadeiro horror (isso Ivan Lessa também herdou). Antonio Maria vale, enfim, pelo estilo peculiar e pelas pensatas involuntárias. Como personalidade, sobreviverá? Quem sabe, nos responde a Danuza. Ou a Gisele Bündchen.
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Seja feliz e faça os outros felizes (trecho) - Antonio Maria - Record - 128 págs. |
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PFFLFLF
Qual a utilidade da vida de Robert Crumb para a juventude de hoje, quase quarenta anos depois? Talvez devêssemos puxar pelo parentesco com Angeli – que, justamente, teve como ídolo... Robert Crumb. Mas Angeli ainda é ídolo de alguém hoje, mais de vinte anos depois? Robert Crumb, provavelmente, ficará como herói da contracultura, embora detestasse o epíteto. (Aliás, alguém sabe o que é contracultura hoje?) Talvez nós devêssemos puxar pelo iPod... iPod? Sim, pelo iPod. E pelo Macintosh. (Essas duas palavras soam como música para os ouvidos da juventude de hoje.) Nos 100 anos do inventor do LSD – sim, do LSD –, ainda outro dia, a Wired arrancou uma declaração bombástica de Steve Jobs, o homem por trás da Maçã. Jobs não só fumou, como tragou – como elogiou. O famoso ácido lisérgico foi uma das suas maiores experiências em vida, confessou. (Um verdadeiro fã de Bob Dylan não negaria sua raça. Não é, José Nêumanne?) Pois então: o centro desse novo álbum de Robert Crumb, Minha Vida, pela editora Conrad, são exatamente suas “viagens” à base de LSD. E ele volta, sucessivas vezes, à sua primeira viagem mítica. Dizem que é sempre a mais importante... Alguém ainda se lembra como é que foi? Crumb a descreve em detalhes. E põe junto sua primeira esposa. E todo os delírios de seus primeiros empregos, de suas primeiras atrações sexuais – de cenários e de figuras, para ele, inolvidáveis... E para nós? Há interesse em participar da intimidade de Robert Crumb? Talvez nós devêssemos puxar agora pelos blogs. Nesse sentido, Crumb é o primeiro blogueiro em HQ. Deus, como se expõe... Ficamos relativamente cansados de Robert Crumb. Como dos blogueiros brasileiros parcos em informação. Em realidade, Crumb não precisava de substâncias alucinógenas para “viajar”, sua vida já foi uma piração. Nenhum artista precisaria, a rigor. Como provou Aldous Huxley, em Às Portas da Percepção (Jim Morrison leu, não entendeu, morreu...). Aliás o que pensaria Huxley de Crumb? O mesmo que pensou de Van Gogh e de Beethoven?
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Minha Vida - Robert Crumb - Conrad - 136 págs. |
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Julio Daio Borges
Editor |
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