Sexta-feira,
31/3/2006
Digestivo nº 272
Julio
Daio Borges
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O MELHOR JOIO DO TRIGAL
Parem as rotativas, o Pasquim voltou. Agora em livro. É provável que, desde que o Pasquim começou, alguém vem tentando – desde o final dos anos 70, pelo menos – voltar com o Pasquim, voltar com o Pasquim original – ressuscitar “o melhor” do Pasquim. Jaguar, por exemplo, insistiu, já que, com ele, o Pasquim seguiu se diluindo até os anos 1990. E Ziraldo, à sua maneira, arriscou uma nova tentativa, com OPasquim21, nos anos 2000. Mas nem um dos dois projetos conseguiu preservar o espírito do Pasquim. Só agora, Sérgio Augusto e o mesmo Jaguar, parece que conseguiram o feito, em livro. E tão velha quanto a lenda de que o Pasquim iria voltar, a qualquer momento, “com tudo”, é a lenda de que ele sairia em forma de antologia. Uns falavam que, em plena era da internet, sairia logo em PDF; outros, que Jaguar havia vendido a marca “Pasquim” para uma pizzaria (ou algo assim) e que seria, portanto, impossível reunir qualquer coisa sob a alcunha Pasquim. Fora que, depois de tantas encarnações, e de tantas brigas, entre os protagonistas (e, depois, entre seus herdeiros), parecia improvável que alguém pudesse coligir o material todo, com base num consenso, até em termos de direitos autorais. Mas, vale repetir, Sérgio Augusto e Jaguar conseguiram. Seria, realmente, impossível se não estivesse aí, à venda, já na Bienal de São Paulo. O primeiro volume reúne os 150 primeiros números, de 1969 a 1971, e reproduz com um cuidado impressionante, à primeira vista, os textos e os desenhos de uma das mais brilhantes gerações de jornalistas e artistas gráficos em toda a história da imprensa brasileira. E mais do que material para aficionados ou jornalistas (ou wannabes), o volume é um documento histórico. Entre os lançamentos editoriais deste ano, é o único, até agora, imperdível.
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O Pasquim - Antologia - 1969-1971 - 352 págs. - Desiderata |
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EMBOSCADA
Fabio Zanon, para quem não conhecia sua carreira de concertista internacional, era mais um daqueles colaboradores tão ciosos da Cultura FM de São Paulo. Zanon foi responsável, em 2003, pelo possivelmente melhor programa sobre história do violão veiculado pelas ondas do rádio. Percorrendo desde violonistas seminais, que fizeram a fama do instrumento nas salas de concerto (um exemplo é Joaquín Rodrigo, célebre compositor do Concierto de Aranjuez), até o flerte, riquíssimo, entre o repertório erudito e a cultura popular, ao longo de todo o século XX. Nesse sentido, sua participação nos Concertos 2006, da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, foi emblemática, porque, além de responder ao chamado de Gilberto Tinetti para homenagear Mozart (no caso, com árias de A Flauta Mágica), Zanon passou por mestres do cruzamento entre o popular e a tradição, como Radamés Gnattali (de quem se ouviu duas tocatas e um estudo). Portanto, quem conhecia Fabio Zanon apenas das rigorosas exposições sobre a evolução de seu instrumento em freqüência modulada, tomou um susto com o exímio solista (segundo o folheto de apresentação, um dos mais requisitados atualmente no mundo). Que privilégio, então, ter Fabio Zanon num auditório tão intimista, onde ainda ofereceu peças de Francisco Mignone, de Paulo Bellinati e de compositores latinos contemporâneos (uma descoberta mais recente, confessou). Gilberto Tinetti, por coincidência, além de apresentar o melhor programa do rádio brasileiro sobre música para piano, o Pianíssimo, comanda há 10 anos a programação da Fundação, que tem, ela própria, 26 anos. A temporada de 2006 começou, agora, em março – se seguir nesse mesmo passo, vai polarizar nossa atenção, sempre mais voltada para grandes salas...
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Fernando Chaves |
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Fabio Zanon - Concertos 2006 - Fundação Maria Luisa e Oscar Americano |
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FALATA
A fila de espera estava pra fora. Poucas vezes se viu o Salão de Idéias da Bienal do Livro tão abarrotado. O autor e o mediador tiveram de pedir passagem. Era Mario Sergio Cortella, lançando Não nascemos prontos, seu segundo volume de provocações filosóficas, pelo selo Vozes Nobilis. A platéia estava ávida e o tempo era, pra variar, curto. Mas Mario Sergio Cortella é orador hábil e, em pouco mais de quinze minutos, conseguiu passar algumas de suas considerações sobre o homem moderno. Para ele, nosso motor hoje é a urgência. Misturamos velho com arcaico (e antigo) e esquecemos de que, na tradição, pode haver valor. Confundimos fundamental com essencial e focamos numa ferramenta (por exemplo, no dinheiro), quando o foco deve estar na realização (quem sabe, numa vida boa?). Nossa tragédia, pra terminar, é tomar o outro como estranho e, na desunião, se render cada vez mais às armadilhas da modernidade. Mario Sergio Cortella, dentro de outra linha do pensamento filosófico da PUC, assume que fez a opção pela comunicação ampla, e não pelo hermetismo – e joga o jogo das palavras, e fala às pessoas, e é um bom vendedor de livros. O mediador do Salão de Idéias foi incisivo e tascou logo na primeira pergunta a dúvida que pairava no ar: “Você faz auto-ajuda? Não acha que a auto-ajuda é justamente essa diluição?”. Cortella assumiu que pode ser, sim, auto-ajuda, no sentido de estar ajudando o outro; e que não teria problema nenhum com o rótulo, se este lhe fosse atribuído, porque considera que faz, antes, filosofia e educação. É o dilema de todo intelectual brasileiro hoje: parece não haver alternativa entre falar para o povo ou falar para as paredes. A classe média (pensante) não existe, ou não conta. Vemos filósofos brasileiros de todas as plumagens correndo atrás do tempo perdido na academia: seja em cursos, seja em palestras, seja no rádio, seja até na televisão. Talvez devam aprender com Mario Sergio Cortella.
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Não nascemos prontos - Mario Sergio Cortella - 136 págs. - Vozes Nobilis |
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Julio Daio Borges
Editor |
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