Sexta-feira,
1/9/2006
Digestivo nº 294
Julio
Daio Borges
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RUNNING TO STAND STILL
De forma canhestra a imprensa descobriu que quando fala de sua própria crise vende mais jornais e mais revistas. Como muitos jornais não admitem a crise ainda, ou não a discutem abertamente (de dentro pra fora), as revistas descobriram o filão e vêm capitalizando em cima dele. Por conseqüência, dá igual Ibope falar de internet (sempre a grande vilã) e de tecnologia (sua irmã gêmea). Aqui no Brasil, tivemos a Época sobre blogs, agora temos a Carta Capital sobre “sites que mudaram o mundo” e a Exame sobre a Geração Digital (uma capa originalmente da Business Week, quase de um ano atrás). Até a implacável The Economist faturou, ultimamente, com um belo dossiê sobre a “nova mídia” e, agora, estampa uma capa sobre “quem matou os jornais”. Quem matou não importa tanto; importa mais que eles estão morrendo... Não importa, também, chutar cachorro morto, mas importa, sim, tirar lições de sobrevivência de quem está resistindo. Como o Guardian, na Inglaterra. De cabeça na internet, o jornalão que virou tablóide é hoje mais lido no mundo do que na Europa, graças à World Wide Web. Também a BBC, tradicional agência de notícias britânica, soube angariar a simpatia dos internautas anglófonos pelo seu pioneirismo, produzindo podcasts, reproduzindo, como ninguém, comentários dos leitores e cunhando o adágio de que “nasce um blog a cada segundo”. A reportagem da Economist é, mais uma vez, para quem acompanha a discussão na WWW, superficial. Justifica fazer uma chamada de capa, que rodou o mundo, depois apresentar uma materiola de três páginas? O mote é o livro The Vanishing Newspaper: Saving Journalism In The Information Age, uma pauta quase antiga (outra do ano passado). Se a Economist, atrasada, não tem todas as respostas, talvez o livro tenha. E se não tiver, só a internet terá – para o eterno desespero da imprensa impressa.
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Economist |
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PALADARES ALTERADOS
De todos os revivals dos anos 80, talvez o retorno da Bizz seja, editorialmente falando, o melhor deles. Bizz e, não, Showbizz (aquela versão mais decadente dos anos 90). Ninguém botava muita fé na ressurreição de gente como Alex Antunes (que fez suas aparições na revista Zero, uma das “crias” da Bizz nos anos 2000) e nem na restauração de um formato que dificilmente compete, em agilidade, com uma infinidade de blogs, ezines e até sites musicais. De todas as iniciativas da editora Abril de se comunicar com leitores da internet, talvez a Bizz seja a mais inteligente: fala com o internauta de igual pra igual, não soa paternalista e nem se mete a pautar o que é “moderno”. Mesmo tratando de temas atualíssimos que domina tanto quanto qualquer pessoa, a Bizz tem feito um belo uso de seu arquivo (e do seu background) de tantos anos. Então, por exemplo: seu dossiê sobre Pink Floyd, passado e futuro pós-Live 8, é um dos mais completos disponíveis em português. Claro que duas décadas de jornalismo rock exercem uma força gravitacional que, algumas vezes, distorce a realidade das coisas: por exemplo, quem se interessa por Queen hoje? E por “Bohemian Rapsody” (quando a MTV morre aos poucos)? E, na crise dos CDs, nada como resenhar, também, DVDs. E, na crise do rádio (as crises sempre são em maior número), nada como discutir, seriamente, os podcasts. Dado o ocaso das gravadoras, a pressão dos grandes artistas arrefece, a revista pode respirar um pouco, apostar em novos nomes e abandonar aquelas discussões bizantinas de antes: “Para onde vai o pop? Qual o futuro do pop? O que é pop hoje?”. A Bizz de 2006 parece proclamar: “O pop morreu. Viva o pop!”. Amém.
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DE RE COQUINARIA
Quem não entende do negócio, geralmente, acha que, porque as pessoas nunca param de comer, não existe crise que afete os restaurantes. Na verdade, como afirma Márcio Alemão em sua coluna, depois do boom gastronômico – pós-Collor, pós-abertura das importações –, vive-se um momento de saciedade no mercado, e até de saturação. O Viandier, Casa de Gastronomia, parece que nasceu sabendo disso e está dando à comida e à culinária (para os que preferem outra palavra) novo enfoque. O Viandier, quase sem querer, está se tornando, para a gastronomia em São Paulo, o que a Casa do Saber é hoje para a filosofia: um foco de curiosidade inédito, com embasamento histórico e com apoio de verdadeiros conhecedores do assunto. E o público está fazendo sua parte: está reagindo, freqüentando os cursos e encarando o conhecimento, ao menos, com vontade. Um exemplo concreto pode ser vivenciado pelas aulas dos historiador da USP, Ricardo Maranhão, na série que ele mesmo batizou de “Viagens Gastronômicas pela História”. Na última, Maranhão passou pela culinária mediterrânea. Retrocedeu até o Egito Antigo, até a invenção do pão, passou pelos romanos, pelo conceito de civilização, pela expansão do Império, pela influência dos “bárbaros”, e terminou com a última contribuição ao reino do azeite, do vinho e, óbvio, do manjericão: as especiarias, ou seja, os mouros! E como todo esse papo – da evolução e da preparação de pratos – vai dando água na boca, foi servido – depois de, lógico, muitos pães, com azeite de oliva e azeitonas – um peixe marinado em ervas aromáticas. A receita é acoplada à aula e o professor tira as dúvidas, desde o mapa-múndi até o peixe melhor para comprar no Mercadão. Se o boom gastronômico começa a ser questionado pelos conhecedores, o boom de cursos gastronômicos está só começando – para matar a nossa fome.
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Viandier |
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FREISCHAFFENDER KOMPONIST
Muita gente lembra que viveu, por aqui, a moda dos saraus – mas lembra, também, que as intenções ficavam sempre restritas ao amadorismo dos participantes, ao ponto de “sarau”, a palavra, tornar-se um termo até pejorativo. Então é difícil para alguém da nossa época imaginar o que teriam sido as “Schubertíades”: no início do século XIX, reuniões que aconteciam em torno de Franz Schubert. Schubert, o compositor, carrega consigo a contradição de ter produzindo muito, proporcionalmente (em alguns anos) mais que Mozart, e de ter arrastado a fama de bon-vivant, afinal, a sífilis, que o matou, está, em seu tempo, associada a isso. As Schubertíades combinavam, portanto, diversão de altíssima qualidade (e de altíssimo risco) com gênio e elevado rigor técnico (ao menos, musical). E se pudermos considerar que o melhor de Schubert está no compositor e não no “farrista”, teremos a chance de vivenciar, nos dias de hoje, algo artisticamente próximo das Schubertíades originais. Como aconteceu nos Concertos BankBoston, em fins de agosto. O Espaço Cultural BankBoston transpirou Schubert com o violino de Régis Pasquier, o piano de Emmanuel Strosser, ambos franceses, o violoncelo e o contrabaixo de Michel Haran (de Israel), mais o reforço das cordas dos Solistas Interarte, do Brasil. O ponto alto foi, sem dúvida, o célebre quinteto “A Truta” – um tour de force a exemplo da Nona Sinfonia do mesmo compositor. João Marcos Coelho, no libreto e na platéia, aliás, observou que, na contramão de Mozart e Beethoven, que reforçavam seus quintetos com uma segunda viola, Schubert preferia realçar os extremos, introduzir um contrabaixo e criar uma aura sinfônica dentro da música de câmara. Um ótimo exemplo disso foi o Quinteto para cordas em dó maior op. 163 D 956, outra prova de fogo para as mesmas cordas, embora não fosse muito mais fácil para o piano. Strosser deu, além disso, uma demonstração de brilho desde o início – com Klavierstücke em mi bemol menor nº 1 D 946. (Depois do intervalo, a Sonatina para violino e piano em ré maior op. 137 nº 1 D 384 teria uma execução igualmente correta.) Tendo viajado quase duzentos anos para trás, o espectador contemporâneo sai da sala se perguntando se os participantes das primeiras Schubertíades tinham consciência de que esse ritual se repetiria não no outro século apenas, mas no outro milênio... Eles poderiam não saber, mas Schubert certamente sabia, o festeiro e o compositor.
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Concertos BankBoston |
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TUBO DE ENSAIO
Os próprios integrantes do Los Hermanos tiram sarro, mas eles mesmos reconhecem que estão naquela faixa perigosa entre ser a grande banda dos anos 2000 e, descambando, “a banda de rock da família brasileira”. Entre o bom exemplo e o exemplo ostensivo (caricato até), o Los Hermanos, como conjunto, já inspira fortemente outros grupos, como o Instiga, de Campinas. Por coincidência, o Instiga igualmente se localiza numa faixa perigosa: entre a inspiração no melhor sentido do termo e a confusão de identidade que, para muitos, pode sugerir o plágio (ou o pastiche). Ouvindo Máquina Milenar, o CD independente do conjunto, é impossível não pensar em Los Hermanos. Talvez pela voz rouca de Christian Camilo (que lembra Marcelo Camelo até no nome). Talvez pelas guitarras ritmadas à Amarante, num timbre à la Strokes (100% anos 2000, que os próprios “Hermanos” perseguem), a cargo, no Instiga, de Guilherme Molina. Talvez, até, pela bateria de Pedro Leite (compacta à maneira de Barba) e pelas linhas de baixo de Heitor Pellegrina (mais aparentes que o revezamento entre Camelo, Amarante e Kassin). Para completar, o Instiga também tem boas letras e bons refrões – ainda que Camilo (e, não, Camelo) estique um pouco demais as vogais (seduzido pelo próprio alcance), e ainda que, dali, não saia nenhum “novo” Chico Buarque de Hollanda. Em resumo, estar à sombra do Los Hermanos, para o Instiga, é bom e ruim. É bom porque as pessoas já têm uma referência, quase imediata, do que seja seu “som” e, extrapolando, suas intenções. E ruim porque o Instiga vai ter sempre de provar que consegue sair dessa sombra e criar, no futuro, uma identidade própria – inconfundível. Mal comparando, o Instiga ainda tem de gravar o seu Bloco do eu sozinho e, também, o seu Ventura. O seu 4, talvez, não, porque o 4, do Los Hermanos, – mais de um ano depois – não é unanimidade entre crítica e público. Talento existe, disposição também – falta, ao Instiga, cair no mundo.
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Instiga |
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Julio Daio Borges
Editor |
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