Sexta-feira,
16/2/2007
Digestivo nº 316
Julio
Daio Borges
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O JARDIM ABANDONADO
Tom Jobim morreu em outro tempo (1994): o CD experimentara seu apogeu (1992); o player, o CD-ROM, era caro em computador; ninguém sonhava em “copiar” disco laser em casa; não havia a pirataria ainda; nem a troca de arquivos (o Napster só seria inventado cinco anos depois, em 1999). Nos 80 anos de Tom Jobim (2007), as majors “ameaçam” liberar toda a música na internet, em MP3 (Steve Jobs corrobora...?); desistindo de vez do CD, desistindo até das receitas do iTunes (e agora, Jobs?) – então a homenagem ao compositor da “Garota de Ipanema” chega alternativamente DVD, uma mídia que já sofre com a pirataria mas que, no Brasil, ainda sobrevive. Foi a estratégia da gravadora Biscoito Fino, agora com a caixa de três DVDs, Maestro Soberano, quando a própria família Jobim prefere editar livros, pela Jobim Music, ou então participar de CDs mais low-profile. A mesma BF já colocou no mercado três CDs do (ou sobre o) Maestro, desde a sua fundação, mas, neste momento, prefere o DVD. E, realmente, em termos de programação visual, de embalagem, a caixa Maestro Soberano impressiona: fotos especialíssimas de Tom Jobim, que poderiam perfeitamente compor um álbum para fãs. Musicalmente, contudo, as novidades são poucas – ou nenhuma. Na salada de direitos que devem rondar o autor mundialmente mais executado do Brasil, no século XX, só foi possível reunir shows do Tom com a Banda Nova, aquela do disco Passarim (1987) em diante, embora ele, evidentemente, cante seus sucessos desde a bossa nova. Acontece que a Banda Nova está muito recente, na memória do público: estão todos cansados de vê-la na televisão. Tirando esses shows, de 1985 pra cá, sobra algum material efetivamente valioso – mas, provavelmente, não 100% inédito – na caixa de três DVDs. Melhores momentos: o depoimento de Nelson Motta (nos “extras”), a gravação para a TV Globo com Edu Lobo (“Luiza” e “Vento Bravo”), e o eterno clipe de “Águas de Março”, com Elis Regina (que já está até no YouTube...). Pecado grave: reproduzir imagens do vexaminoso show do réveillon de 1995-1996, na praia de Copacabana – em que a MPB teve abaladas suas estruturas. Como profetizou Dori Caymmi, a sucessão tumultuada parece que não protegeu completamente o legado do Tom.
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Maestro Soberano |
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RELATIONSHIPS MATTER
Até há pouco tempo, quando a televisão dava as cartas, acreditava-se que as crianças pulavam da fase dos desenhos animados da Hanna-Barbera, ou do Cartoon Network, direto para a época da MTV e do consumo de música. Hoje na internet, mesmo com a erosão do consumo de mídia(s), surge uma analogia nova nos EUA: se aos 20 anos, o jovem quer fazer amigos, combinar programas e sustentar comunidades virtuais como o Orkut, o MySpace e o Facebook, aos 30, o jovem adulto está a procura de contatos para “alavancar” sua carreira – então surge o LinkedIn. Site ou comunidade para quem quer travar contatos estritamente profissionais, o LinkedIn está experimentando um crescimento significativo na internet dos Estados Unidos. Em pouco mais de 10 anos de Web comercial, será mesmo a reação daquela massa que antes tinha 20 e que agora tem 30? Alguns dos grandes investidores que fizeram o sucesso da internet recente, algo a ver com a Web 2.0, colocaram suas fichas no LinkedIn e projetam 100 milhões de dólares de faturamento anual, logo mais ali. No Brasil, onde o contato físico para fechar um negócio é imprescindível, o LinkedIn está presente, mas não muito – nunca tanto quanto o Orkut, com seus milhões de usuários, suas brigas com o Ministério Público e seus arranjos com a Polícia Federal. No LinkedIn, você se cadastra, procura alguém que deseja contatar; e o site traça, para você, a “seqüência” de contatos para chegar até aquela pessoa. Você explica brevemente por que quer contatá-la, sua mensagem vai sendo encaminhada, contato a contato, até a aprovação final e o contato direto com quem você procurava. Numa sociedade em que as pessoas são sempre as mesmas – a sociedade brasileira –, talvez ninguém precise de mais do que alguns telefonemas (ou e-mails) para chegar aonde quer. O Orkut, assim, se explicaria como um vagar sem direção, de perfil em perfil, em busca da balada perfeita. Será? Convém, no entanto, prestar atenção no LinkedIn – e comprar suas ações quando elas saírem na bolsa.
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LinkedIn |
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LA CATEDRAL
Alguém poderia fazer um levantamento acerca da revalorização do violão brasileiro nos últimos tempos. Se na década de 90, Guinga aparecia sozinho no horizonte — mais por causa do heroísmo da gravadora Velas —, nos anos 2000, Yamandú despontou, Leandro Carvalho com mais consistência (agora é maestro e diretor de orquestra no Mato Grosso), até Paulinho Nogueira foi redescoberto (pela Trama!), e até Baden Powell foi relançado (em caixa e em performance inédita). Isso tudo mais ou menos desemboca em João Rabello, que tem o universo "conspirando" a seu favor para ser o grande violonista da segunda metade da década de 2000. A começar pela linhagem, duplamente nobre. De um lado, o fato de ser sobrinho do lendário Raphael Rabello, o maior virtuose do instrumento até a data de sua morte, em 1995. E de outro, de outro ramo, o simples fato de ser filho de Paulinho da Viola e, por conseqüência, neto de Cesar Faria, do igualmente lendário conjunto Época de Ouro. Com duas (ou mais) referências tão fortes, o leitor deve estar se perguntando por qual delas João Rabello optou, neste seu primeiro CD, o irrepreensível Roendo as Unhas (VR6, 2006). O sobrenome já indica, o jogo de luz e sombra, as calças e camisas, até a cabeça baixa, o olhar concentrado, e as poses... É ouvir para confirmar: João, embora toque (com) Paulinho da Viola, quis seguir seu tio, Raphael Rabello — até onde isso nos é permitido afirmar. São dez faixas instrumentalmente poderosas em Roendo as Unhas, e os compositores — praticamente não há nada de MPB cantada — marcam inequivocamente uma opção: Radamés Gnattali, Agustin Barrios e Garoto. ("Leme" e "Rubro" são de João Rabello, o próprio.) Incrível constatar como o animado rapazola de Meu Tempo é Hoje, imerso em cultura popular, se transformou nesse herdeiro sólido do violão clássico brasileiro. Villa-Lobos, mais que os 80 anos de seu seguidor, comemoraria hoje o renascimento do violão no Brasil.
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João Rabello |
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Julio Daio Borges
Editor |
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