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Sexta-feira, 2/3/2007
Digestivo nº 318

Julio Daio Borges

>>> UM JEITO BRASILEIRO DE CANTAR Quem acompanhou as reportagens culturais de Luís Antônio Giron no auge do “Caderno Fim de Semana” da Gazeta Mercantil, andava saudoso do pesquisador Giron, que, embora editor de cultura da revista Época, raramente podia extravasar esse seu lado na semanal da editora Globo. Pois a rádio Cultura teve sensibilidade para as pesquisas musicais de Luís Antônio Giron e, além de fazê-lo comentarista semanal (às sextas-feiras) no Estação Cultura de Gioconda Bordon, presenteou-lhe (e a seus ouvintes) com A Voz Popular, primeiro na AM, agora, em 2007, na FM. Aos domingos às 18 horas, o programa, conforme anuncia, pretende promover uma investigação sobre a influência da voz no Cancioneiro Brasileiro. Para Giron, a interpretação vocal tem, na evolução dos gêneros da música popular brasileira, tanta importância quanto a composição e a execução instrumental. É uma bela tese que Luís Antônio Giron ilustra, a cada edição, com uma pequena hipótese que desenvolve ao longo de aproximadamente uma hora. No último domingo, por exemplo, realizou uma ótima homenagem à grande Leny Andrade, refazendo seu percurso, desvendando seus improvisos e arrancando declarações históricas da própria cantora – como a de que sua maior influência, para cantar como canta, foi Dolores Duran (e, não Ella Fitzgerald ou Sarah Vaughan). Na prévia carnavalesca – outro exemplo –, Giron foi resgatar o “Magrinho Elétrico”, célebre animador de blocos no Rio de Janeiro do tempo da Segunda Guerra Mundial. Ao contrário do polemista Luís Antônio Giron – que, nos anos 90, acumulou igual número de admiradores e de desafetos na “Ilustrada” da Folha –, o atual “radialista” é rigoroso, quase diria seriíssimo, dando verdadeiras aulas como as que ministrou na Música da USP, anos atrás. O único problema, até aqui, de A Voz Popular, é não ter versão disponível em podcast, para baixar e colecionar. Fica a sugestão para a rádio Cultura, sempre na vanguarda das iniciativas de qualidade.
>>> A Voz Popular
 
>>> DIÁRIO DA CORTE? Diretamente associado ao Paulo Francis da última fase – de quem se recordou, agora em fevereiro, os 10 anos da morte –, o Manhattan Connection mereceu recentemente, por uma coincidência de datas, o documentário de Luiz Fernando Carvalho. Embora homônimo, não confundi-lo com o diretor de Lavoura Arcaica (2001), Os Maias (2004) e Hoje é dia de Maria (2005). O diretor de Conexão Manhattan: os bastidores do Manhattan Connection é jornalista recém-formado da PUC do Rio e o DVD é, também, seu trabalho de conclusão de curso. Ainda que Francis seja reconhecidamente a estrela do programa, não há imagens dele no documentário. A reconstituição de Carvalho tem, aparentemente, por objetivo explicar a longevidade da atração mais antiga da TV a cabo brasileira, há 14 anos no ar, sobrevivendo, justamente, a algumas trocas de apresentadores. Além dos depoimentos responsáveis de Lucas Mendes e Caio Blinder, no comando da atração desde seu início, há, ainda, as falas de Ricardo Amorim (nunca inteligente demais), Lúcia Guimarães (mais parecendo cumprir uma formalidade) e da própria Angélica Vieira (nome conhecido mas cara desconhecida – e muito simpática). Diogo Mainardi, apesar de não se considerar bem no vídeo, dá, por isso mesmo, um dos melhores testemunhos, reconhecendo humildemente suas falhas e quase confessando que não tem a mesma habilidade de transpor o polemista em papel para o ambiente histriônico da televisão (coisa que funcionava perfeitamente com Paulo Francis e não tão bem, mas satisfatoriamente, com Arnaldo Jabor). Conexão Manhattan é um documentário correto, com algumas cenas interessantes de bastidores, mas que não pega, obviamente, uma atração no seu auge e que inconscientemente reflete, então, certo clima de desânimo (ou de indiferença estratégica) frente à crise da TV a cabo (no Brasil) e da TV como um todo (no mundo). O Manhattan talvez precisasse de um João Moreira Salles retratando – com Francis – os seus melhores anos.
>>> Conexão Manhattan: os bastidores do Manhattan Connection
 
>>> MUCHA MIERDA Até a Veja anunciou com estardalhaço o conjunto “roqueiro” de tango – por extenso, Orquestra Típica Fernández Fierro (OTFF) –, e o Auditório Ibirapuera esteve abarrotado, para assistir a esses argentinos “do barulho”, e “das antigas”, dividindo o palco com a Orquestra Popular de Câmara (OPC), tão “bem comportada” (em comparação), sob a batuta de Benjamim Taubkin. Tocando para um público que misturava adultos fãs de MPB, e de música instrumental brasileira, com a tribo de universitários (e de eternos adolescentes com mais de 30 anos) – que lotam os shows do Los Hermanos –, a OPC confirmou, em dez anos de atividades desde 1997, porque é efetivamente uma “orquestra” e porque faz algumas das leituras “eruditas” mais interessantes da cultura (e não só da música) popular, nas últimas décadas. Já os argentinos da OTFF trocaram os ternos engomados, os cabelos com gel, o balé rijo (e marcial) e a voz impostada por uma verdadeira anarquia “tanguera”, no melhor sentido do termo. Com um “maestro” que mais parecia Devendra Banhart (de calça jeans, cabelos escorrendo pelos ombros e óculos escuros) – e de comentários monossilábicos e sarcásticos –, desconstruiu, como se isso fosse possível, Piazzolla, entre outros. Sua atitude não era, por exemplo, a viril de quem baila el tango, mas emulava a fúria de quem range os dentes tocando uma guitarra ou de quem desfere golpes cavernosos num kit de bateria. Com um improvisado mestre-de-cerimônias – que trovejava (e, não, cantava) as letras dos tangos –, Walter “Chino” Laborde, a OTFF arrancou gargalhadas e despertou a simpatia imediata da assistência, com suas macacadas, seu gestual de toreador e uma aparência não menos que clownesca. Se não fosse por Benjamim Taubkin, e a OPC, colocando ordem na casa dirigida por Pena Schmidt, teria sido uma noite surreal, no meio de tangos competentemente bem executados, mas com um visual simplesmente revolucionário. A ponte – se ela fizesse ainda algum sentido –, entre a OPC e a OTFF, ficaria a cargo de Arthur de Faria, à la Chacrinha, mais para confundir do que para explicar... No final das contas, eram tantos os nós na cabeça que era, também, um alívio constatar que ainda existem inteligências desagregadoras.
>>> Orquestra Típica Fernández Fierro
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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