Sexta-feira,
30/3/2007
Digestivo nº 322
Julio
Daio Borges
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A DOUTRINA DO ENGODO
São tantas as edições de A Arte da Guerra hoje disponíveis que a chance de se pegar a edição errada é altíssima. Muito embora confundido com um clássico do marketing ou da administração moderna, o volume é, na realidade, um clássico chinês de inestimável valor (ainda que, por ser interpretável, tenha as mais variadas “aplicações”). Se alguém sempre teve curiosidade em saber do que se tratava, mas sempre morreu de medo de cair no golpe editorial de algum “guru”, a Conrad lançou a primeira edição brasileira bilíngüe traduzida direto do chinês por Adam Sun, da revista Piauí. Ao contrário dos volumes grandes e grossos, destinados a vendedores “pit bull” ou a líderes da raça “servidor”, a edição da Conrad é quase de bolso e contém, rigorosamente, os treze capítulos sem nenhuma versão ou adendo desnecessário. Como uma coleção de saberes condensados durante séculos – pois cada ponto rende inúmeras meditações –, apesar das cento e poucas páginas, não é um livro para se ler “numa sentada”: o ideal é que seja ruminado o maior tempo possível; tem vocação, inclusive, para livro de cabeceira ou vade-mécum. A paz é um anseio constante da humanidade e, atualmente, nenhum ser humano deseja, em sã consciência, a guerra. Assim, um tratado desse tipo pode parecer perfeitamente inútil, mas não é – se lembrarmos que a “guerra”, a luta, a batalha, a disputa, está em todo lugar. Faz parte da vida. Na simplificação rodriguiana aplicada restritamente ao amor: “Quem não trai, é traído”. Portanto, A Arte da Guerra não tem um caráter belicista em si, mas pode ser utilíssimo, até como manual de sobrevivência – para viver entre os homens...
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A Arte da Guerra (trecho) |
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EL SUEÑO DE LA RAZÓN
Sob as bênçãos da União Européia, o mundo vem assistindo ao boom econômico da Espanha e o Brasil vem sentindo, cada vez mais forte, a presença da sua cultura. Recentemente, têm desembarcado, por exemplo, as editoras de livros, como Planeta e Alfaguara. E neste ano de 2007, mais especificamente, é preciso chamar a atenção para as ações exemplares do Instituto Cervantes de São Paulo. Além de responsável pela monumental exposição das gravuras de Goya no Masp agora, o Instituto está promovendo, em março, uma Mostra de Cinema Galego, um Curso de Dança e Coreografia Flamenca e acaba de abrir a “temporada” Guitarrísimo, que se estende por todo o ano, totalmente dedicada ao violão e a instrumentos afins, desde a Idade Média até hoje. Na penúltima semana de março, no auditório do próprio Instituto Cervantes na avenida Paulista, pôde-se gratuitamente assistir à apresentação de Alfred Fernàndez, de Barcelona, à vihuela (entre o alaúde medieval e o nosso violão), executando peças desde o século XVI até o ano passado. Em abril, além de promover uma belíssima exposição do design contemporâneo de livros na Espanha, o Instituto vai trazer o argentino Gabriel Schebor, para tocar la guitarra barroca. Em maio, Miguel Trápaga homenageia o grande amigo de Villa-Lobos, Andrés Segovia; e, em agosto, o quarteto espanhol Entrecuatre desembarca na nossa cidade. Interessante como essa iniciativa específica envolvendo o violão, e seus aparentados, casa com o presente “retorno” do instrumento no Brasil e, de certa forma, com a exemplar série radiofônica de Fabio Zanon, na Cultura FM, sobre sua história e sua evolução em nosso País. Num momento em que os centros culturais “de marca” são advertidos pelo governo, para serem menos auto-referentes, o Instituto Cervantes ensina como é que se faz.
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Instituto Cervantes de São Paulo |
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VÁRZEA
As revistas estão numa indefinição lascada. Aquelas feitas para serem em papel, com projeto gráfico e tal, se são cobradas, ninguém compra; se são eletrônicas, tornam-se lentas ou até rápidas mas perdendo todo o charme. As manifestações artísticas em forma de revista talvez sejam as que melhor sobrevivem – porque não estão pensando em sobrevivência econômica apenas (hoje um sonho impossível), estão pensando em, de repente, resistir, em comunicar algo e contam com algum apoio “ex machina” para sair em papel, ponto. Parece ser assim o caso da PKdoZine, do Coletive0508, que sai, aparentemente, a cada estação, e sem muita explicação. Eminentemente gráfica, o que talvez funcione melhor do que na internet, a edição deste Verão 2007 apresenta o núcleo BijaRI, entrevista Judith Lauand, a artista mais longeva do Concretismo, fala de street art (meio “anos 80”, mas tudo bem), inclui um caderno sobre a exposição Atos Paralelos I e até dicas como a da revista Colors sobre a Amazônia (essa meio “anos 90”, mas tudo bom também). O pessoal das letras se entrosou muito fácil com a Web, nestes anos 2000, porque a internet, até a banda larga, era eminentemente texto. O pessoal do áudio ganha agora uma nova pele, em formato podcast, e o pessoal do vídeo recebeu uma injeção de ânimo com o YouTube. Apesar das galerias virtuais e das “peças” publicitárias brasileiras (que ganham prêmios em todo o mundo), os artistas “plásticos” pareciam meio tímidos na Rede Mundial de Computadores – e publicações como a PKdoZine talvez indiquem que o suporte físico, e não só o “écran”, lhes seja ainda primordial.
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PKdoZine |
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Julio Daio Borges
Editor |
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