Sexta-feira,
30/11/2007
Digestivo nº 349
Julio
Daio Borges
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ENSAIOS DE LITERATURA OCIDENTAL, DE ERICH AUERBACH
Para quem descobriu a literatura através da internet ou dos processadores de textos, um livro como o de Erich Auerbach pode mostrar que essa brincadeira, de escrever, já dura alguns séculos e que os verdadeiramente grandes (autores) não têm nada a ver com o acento “pop” e a efemeridade da literatura contemporânea. Auerbach é autor do cultuado Mimesis – livro que atravessa eras, numa visão totalizante da literatura, e que foi escrito com referências “de memória” (sem o auxílio de uma biblioteca). Para quem tem o Google como oráculo, é quase impossível imaginar homens como Auerbach, que transportavam épocas inteiras na cabeça. Portanto, para essas pessoas, ler os Ensaios de Literatura Ocidental, com organização de Samuel Titan Jr. e Davi Arrigucci Jr., pode ser, além de um prazer, uma grande descoberta. Afinal, como disse Antonio Fernando Borges numa entrevista, o grande desafio para os novos autores não deveria ser publicar o primeiro livro e, sim, conhecer a tradição e – só aí – saber se há algo a acrescentar. Auerbach passa por Dante (uma de suas especialidades), Agostinho (revelando seu estilo), Montaigne (desnudando-o), Rousseau, Baudelaire (sublime), Proust e Vico (sempre emergindo). Seu texto não é academicamente intransponível, nem coalhado de notas de rodapé. Auerbach não precisa provar que sabe. Como um senhor do tempo, divide momentos da história humana – produzindo insights, com a naturalidade de quem conviveu com seu objeto durante décadas. Ao contrário de um mau professor, Erich Auerbach não impõe sua autoridade – para os mais inteligentes, ou sensíveis, insinua que essa conversa, de literatura, é antiga. Claro que, quase todos os dias, a indústria tenta nos convencer de que sai um livro imprescindível – a diferença é que Ensaios de Literatura Ocidental é esse livro.
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Ensaios de Literatura Ocidental |
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ROBERT HOLL E DAVID LUTZ, NA SALA SÃO PAULO
Não é raro cair no debate sobre o fim da canção. Muitas vezes, porém, mesmo entre os mais informados, a noção, que se passa, é a de que a canção começou, como o american song, do século XX em diante – só que não começou. O registro do som começou nesse ponto, mas a canção, ou mais genericamente a “forma-canção”, é tão velha quanto a escrita (e, logo, a História). Ou mais. No último concerto da Temporada 2007 do Mozarteum Brasileiro, o baixo Robert Holl e o pianista David Lutz forneceram, na Sala São Paulo, uma bela panorâmica da “canção”, no seu sentido mais amplo, de Schumann a Tchaikovsky, portanto desde quase o século XVIII. Schumann, um gênio verdadeiramente atormentado (nada a ver com os pseudogênios que, volta e meia, nos atormentam), iluminou a noite com as canções que escreveu pensando na sua esposa. E Tchaikovsky surpreendeu porque seu “cancioneiro” é, digamos, muito menos conhecido que suas sinfonias e seus balés. No meio do caminho, Rachmaninoff, de quem, ultimamente, lembramos por causa da exigência de virtuosismo em seus concertos para piano, mas que também trabalhou no “formato” canção (e sobre versos de Aliéksei Tólstoi). Para os fanáticos da canção nos 1900s, pode até parecer estranho alguma coisa cantada em alemão, quanto mais em russo – mas basta lembrar que a primeira foi a língua de Schubert, um mestre do gênero; e que a segunda tem sido a última moda entre os tradutores brasileiros, que acreditam trazer a essência de Dostoiévski, Tolstói e Tchekhov, entre outros, mergulhando inclusive na musicalidade do idioma russo. E, ao contrário da canção popular que, do rock pra cá, se ouve aos gritos (ou gritando junto), existe um quê de solenidade, na canção erudita, em parar e ouvir um baixo e um pianista. Robert Holl e David Lutz nos deram, ainda, um exemplo de civilidade – além da aula de civilização.
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Mozarteum Brasileiro |
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DOMINGO COM POESIA, DE PEDRO SETTE CÂMARA
Parece mentira mas Olavo de Carvalho já foi moda; de 1994 a 2004, mais ou menos. Num momento de eclipse, podia ser lido em publicações ditas sérias como o Jornal da Tarde, O Globo e revistas da editora D’Avila. O encanto durou mais para uns do que para outros (tem gente que até hoje acredita e briga por ele...). O fato é que alguns nomes – principalmente de autores jovens – terminaram contaminados, durante um tempo, justamente por seguir ou pregar as idéias do soi-disant filósofo. Como Pedro Sette Câmara. É dele um dos melhores podcasts de poesia em atividade; e poderia ser, sem sombra de dúvida, muito mais conhecido se Pedro não figurasse entre os considerados “discípulos” de Olavo de Carvalho (junto com a turma d’O Indivíduo, site que ajudou a fundar). Conforme o título auto-explicativo, Domingo com Poesia reúne leituras breves de Pedro Sette Câmara sempre com alguma explicação. A voz mansa e serena do podcaster se revela uma curiosidade à parte, para aqueles que conheciam seus textos com opiniões fortes, os quais circulam pela internet há uma década. No seu podcast, Pedro lê poesia sem a interferência da ideologia e, por isso, merece se descolar – pelo menos nessa produção – da sombra do autor de O Imbecil Coletivo. Pelo Domingo com Poesia já passaram, por exemplo, Elizabeth Bishop, Camões e, naturalmente, Dante e Bruno Tolentino. Felizmente, valem os poemas em si, com uma leitura acurada e um explicação que não fica sobrando. Os programas são de poucos minutos e vale seguir a “tag” para retroceder no tempo e nos episódios. Ainda que o Domingo com Poesia seja assumidamente despretensioso, esperamos que continue; revelando, a cada edição, um novo Pedro Sette Câmara.
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Domingo com Poesia |
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Julio Daio Borges
Editor |
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