Sexta-feira,
29/2/2008
Digestivo nº 356
Julio
Daio Borges
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A MALETA DO MEU PAI, DE ORHAN PAMUK
Orhan Pamuk não deixou boa impressão entre os brasileiros, quando, palestrando na Flip, fez dormir até seu editor — mas, ainda assim, é um grande escritor. E seu editor fez bem em apostar nele, porque, logo em seguida da Flip, Pamuk ganhou o Nobel de Literatura. Para quem quer conhecer um pouco de Pamuk, sem se comprometer muito, o volume ideal é A maleta do meu pai, que a Companhia das Letras soltou no final do ano passado, contendo três discursos transcritos do autor turco, inclusive o da cerimônia do Nobel (evidentemente muito mais animados do que sua performance em Parati). São, na realidade, três defesas brilhantes — neste início de século XXI, tão longe da tradição dos grandes escritores, já "clássicas" — da literatura e do fazer literário. Capazes de levar escritores e leitores apaixonados às lágrimas. Pamuk, coincidentemente, teve também um pai escritor e o título desse livrinho de quase noventa páginas se refere, naturalmente, a ele. O autor constrói uma narrativa aparentemente simples, de seu encontro com a mala de escritos do pai, que, num crescendo, engloba um pouco da história da sua vocação, da função social do escritor e da razão de ser da própria literatura na história humana. A maleta do meu pai provoca a sensação, raríssima, de que estamos, através de Orhan Pamuk, em contato com a melhor tradição literária. Tão distante do mundo (e até de muitos autores contemporâneos) assaltado(s) pela superficialidade, pelo imediatismo e até pela velocidade. Então, concluímos que a Academia Sueca teve razão em premiá-lo; e seu editor, em trazê-lo para o Brasil. Orhan Pamuk, a começar por A maleta de meu pai, é uma verdadeira boa nova na literatura.
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A maleta do meu pai |
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ÓBVIO ADAMS, DE ROBERT R. UPDEGRAFF
"Só os profetas enxergam o óbvio", filosofava Nélson Rodrigues, mostrando que o óbvio só é óbvio depois do momento de iluminação e da sua consagração. Embora Nélson seja o redentor do óbvio no Brasil, ele não é o único no mundo: em 1916, Robert R. Updegraff publicou Óbvio Adams, sua crônica sobre o óbvio nos Estados Unidos. Obviamente se tornou um best-seller, ao longo de todo o século XX — chegando até nós pela Editora de Cultura, de Miriam Paglia Costa. Na sua história, Adams, que ficou conhecido como "Óbvio Adams", tinha praticamente uma única função numa empresa: detectar o óbvio. Detectar o erro óbvio (e corrigir às vezes da maneira mais óbvia); detectar a estratégia óbvia (e produzir melhores resultados, às vezes também óbvios); detectar, enfim, o óbvio "a favor" e o óbvio "contra" — ou, simplesmente, disseminar a cultura do óbvio. Naturalmente, Adams assumiu o comando dessa empresa. Seu sucesso transcendeu a fábula, de cinqüenta páginas em formato pocket, de modo que Updegraff passou o resto da vida recebendo cartas endereçadas ao seu personagem, Óbvio Adams, bem como telefonemas de gente querendo contratá-lo... Ao fim da edição brasileira, Updegraff dá a receita em cinco princípios óbvios: 1) "depois de achadas, todas as respostas são óbvias" (por isso, talvez, precisemos de um dos "profetas" de Nélson Rodrigues, para proclamá-las); 2) "o óbvio está em harmonia com a natureza humana" (ou seja, quando aparecer, todo mundo vai concordar que é o óbvio); 3) "o óbvio não gasta papel" (leia-se: o óbvio é simples, direto, claro e, nunca, prolixo); 4) "o óbvio brilha no olhar das pessoas" (de novo, quando ele aparecer, vai até causar comoção, e será sempre inconfundível); 5) "o óbvio tem hora certa" (como o homem certo, no lugar certo, no momento certo). Updegraff, até onde se sabe, não conheceu o nosso Anjo Pornográfico mas, profeticamente também, instituiu, em seu país, o saudável culto ao óbvio.
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Óbvio Adams |
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INTERNET & ENSINO, DE JÚLIO CÉSAR ARAÚJO
Em vez de ficar especulando se a internet ajuda na escola ou atrapalha, Júlio César Araújo convidou quase vinte especialistas e produziu um livro: Internet & Ensino — Novos Gêneros, Outros Desafios, no ano passado, pela editora Lucerna. Apesar da explosão do e-learning ou ensino à distância no Brasil (que só perde para o e-commerce), pouco se discute sobre os impactos da Web no aprendizado, mostrando que já existem ferramentas revolucionárias e especialistas na área. Internet & Ensino preenche esse gap, essa lacuna, abordando, justamente, formas como o chat, manifestações como a ortografia internética (internetês?), os ezines, o estudo de línguas estrangeiras on-line, formatos como a homepage, novidades como o "leitor de Web" e, inescapavelmente, a prática do copy/paste ou copia/cola. Às vezes em linguagem mais acadêmica, às vezes experimentando com os próprios gêneros, o livro felizmente evita a abordagem paternalista (tão comum a quem antecedeu a internet e se sente ameaçado por ela), tratando de tirar as práticas no ciberespaço do "gueto", até porque, entre os jovens, elas são dominantes. Os autores de Internet & Ensino ainda reforçam: mais que fazer frente ao discurso estabelecido, a WWW proporciona novas formas de expressão, novos meios de interação e de formação da identidade humana. E se num primeiro momento a internet mostrou que vai ser o repositório para o conhecimento, num segundo momento, talvez, tenhamos de pensar em como lidar com esse "novo" conhecimento eletrônico.
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Internet & Ensino |
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Julio Daio Borges
Editor |
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