Sexta-feira,
11/4/2008
Digestivo nº 362
Julio
Daio Borges
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A MORTE DO JORNAL, PELA NEW YORKER
Primeiro, foi a melhor revista do mundo, The Economist, proclamando, em setembro de 2006, que os jornais estavam tecnicamente mortos. Agora, no último 31 de março, foi a vez da New Yorker, a "segunda" melhor revista do mundo, proclamar: os jornais estão morrendo. Segundo Eric Alterman, que assina o texto "Out of Print": na era da internet, ninguém descobriu ainda como salvar o formato jornal — nos Estados Unidos e no resto do mundo. De acordo com Alan Mutter, empreendedor do setor de mídia (entrevistado para a matéria), nos últimos três anos, os jornais norte-americanos, ou melhor, as empresas que os produzem, perderam 42% de seu valor de mercado na bolsa. The New York Times, por exemplo, viu suas ações caírem 54%, em Wall Street, desde 2004. E não é apenas especulação financeira: desde 1990, um quarto dos empregos em jornais norte-americanos foram simplesmente extinguidos. Sem contar que apenas 19% dos americanos entre dezoito e 34 anos afirma "ter dado uma olhada" num jornal de papel no último mês (a idade média do leitor de jornal, nos Estados Unidos, está em 55 anos, e subindo). Não à toa, as famílias que foram, por décadas, proprietárias de marcas estabelecidas nos EUA, como The Wall Street Journal e Los Angeles Times, venderam a maior parte de sua participação. A empresa que dirigia The Washington Post deixou de ser só de "mídia" para acrescentar um braço de "educação". Mas analistas de mercado, como os do Deutsche Bank, aconselham seus clientes a se desfazerem logo das ações de jornais, mesmo que sejam do "melhor do mundo", The New York Times. Um pouco atrasados, os jornais vêm migrando para a internet — contudo, como reforça a New Yorker, suas receitas on-line ainda não cobrem as perdas em anúncios e circulação. Lembrando a previsão de Philip Meyer — de que os jornais vão desaparecer antes de 2050 —, a segunda melhor revista do mundo pede que se abra, logo, o Newsmuseum, o museu do jornal.
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Out of Print: The death and life of the American newspaper |
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PIAF, POR MARION COTILLARD
Entre mais uma vítima dos excessos "artísticos" do século XX, esteve Piaf, Édith Piaf — ou, pelo menos, é assim que nos faz crer o premiado filme sobre sua vida e trajetória como intérprete, agora em DVD. Aparentemente, uma mistura fatal de álcool e drogas injetáveis, em doses cavalares durante anos, terminaram por aleijar, inutilizar e, claro, matar a cantora comumente associada a "La Vie En Rose", "Non, Je Ne Regrette Rien" (seu auto-retrato, somos informados) e "Ne Me Quitte Pas" (que surpreendentemente não está na trilha sonora). De fato, é impressionante a performance de Marion Cotillard (n. 1975), que, enquanto respeitou o mito da artista Piaf, desconstruiu sua pessoa, sua vida pessoal, chegando a um resultado perturbador (quando não exagera pelo choque ou, simplesmente, quando não atordoa o espectador). A exemplo, nos Estados Unidos, de Billie Holiday (e, no Brasil, de Carmen Miranda), Piaf foi moída pelo rolo compressor do show business, enquanto se entregava, desde cedo, à boemia nas horas vagas, e a afetos não correspondidos, desde os pais (desnaturados) até um amor impossível e, finalmente, trágico. Não espanta que, pela caracterização no longa, aos 40 anos Piaf aparentasse ter o dobro da idade, desmaiando em meio a temporadas (nossa Carmen também caiu, na televisão, no dia de sua morte), abandonando o palco, e se arrastando de volta — numa persistência, aliás, émouvante. Artista intuitiva, segundo nos contam, Piaf não teve, formalmente, aulas de canto, apenas algumas sugestões na pronúncia (apressada), e no gestual — gravando, imaginamos, "de primeira", nunca estudando, e reconhecendo a qualidade de uma canção já nos primeiros versos ao piano. Da infância num prostíbulo, passou ao circo, cantou na rua, em cabarés, foi a voz de Paris e ganhou o mundo. Mas a que preço? O DVD, também felizmente, não nos permite conclusões morais; só fica a aflição de uma Piaf, para sempre, transtornada.
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Piaf: um Hino ao Amor |
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DEBRET E O BRASIL, PELA EDITORA CAPIVARA
Decididamente, um dos maiores presentes, nesta comemoração de 200 anos da chegada da Família Real Portuguesa, é Debret e o Brasil, o catálogo raisonné, a obra completa do pintor-cronista francês, com organização de Julio Bandeira e Pedro Corrêa do Lago, pela editora Capivara. Jean-Baptiste Debret, primo "in law" de Jacques-Louis David ― o grande nome do neoclassicismo napoleônico ―, desembarcou no Rio de Janeiro em 1816, nos embalos da chamada Missão Francesa, e no Brasil permaneceu até 1831, documentando, como ninguém, a transformação da colônia barroca em sede, civilizadamente europeizada, do império português. Debret e o Brasil, num esforço monumental de pesquisa, reúne, pela primeira vez, mais de 1300 imagens, em mais de 700 páginas, sendo 200 obras inéditas (entre elas, seis novas pinturas a óleo recentemente descobertas). Esse trabalho hercúleo de documentação ― que permitiu a Debret ser considerado inclusive "o maior repórter" do País ― resultou na sua já clássica Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839), nosso principal cartão de visita na Europa do século XIX, e fonte iconográfica inesgotável, até para a formação do nosso olhar e da nossa identidade como nação. Embora Nélson Rodrigues considerasse o brasileiro médio um "analfabeto plástico", não há, entre nós, quem não tenha consigo, mesmo que no inconsciente, as imagens de Debret ― que agora, com esse catálogo raisonné, permitem, além da viagem no tempo, um mergulho no Brasil profundo, de 200 anos para cá. Com prefácio do historiador José Murilo de Carvalho, o volume ainda refaz todo o percurso das obras nele reunidas, desde sua concepção até seu paradeiro (às vezes incerto), até, muitas vezes, seu feliz retorno ao Brasil. A editora Capivara já nos havia brindado com a bela edição das obras de Debret reunidas pelo colecionador Castro Maya, mas, com este Debret e o Brasil, recoloca tanto o País quanto seu pintor-redentor novamente no circuito internacional das artes.
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Debret e o Brasil |
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Julio Daio Borges
Editor |
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